Cabe-me, desta vez, um truque de marquetingue: divulgar um livro meu.
Está, nas livrarias e no site da Gradiva, um livro assinado por mim, e publicado no final de janeiro
. Trata-se de uma síntese que não espelha, exatamente, todas as minhas posições no De Rerum Natura, porque essas já estão divulgadas: não precisam de repetição.
É, isso sim, um exercício de síntese. Algo que constitui muito mais uma afirmação — a afirmação de um desejo —, do que uma crítica de circunstância.
Uma proposta de projeto educativo, muito para além da rabugice do dia-a-dia.
Por muito que se afirme esboço, um esboço de fundo, mais do que uma futilidade de café.
Trata-se da afirmação de um professor em final de carreira, com a carga de mais de quarenta anos a ensinar com prazer, e a cultura própria de quem nunca deixou o ensino secundário (e básico) público. Alguém de dentro do sistema. A proposta de um tema de debate, sobrepondo-se às certezas da opinião corrente, formada sabe Deus como, a partir de artigos de jornal, noticiários de televisão, blogues, diz-que-disse e banalidades que por aí andam: os temas apontados com conhecimento de causa, por alguém que vive a educação pública como profissão principal, presta duras contas a si próprio relativamente ao trabalho que vai fazendo, tenta melhorar todos os anos face àquilo que fez nos anos anteriores e tenta igualmente manter uma constância saudável da própria ideia de serviço público.
Bom: um livro de um professor sobre a profissão.
Passo a citar uma ou outra passagem:
Da introdução: «Este ensaio — assim o batizo — pretende ser o esboço de um sistema de ensino público, mais do que a crítica do que existe. Verá o Leitor como o próprio esboço acaba por conter a crítica, sem a maçada do panfleto.»
Do 1.º capítulo: «O problema neste domínio é que, quando falha um sistema nacional, os custos sociais são dramáticos: são geracionais, e a reposição de boas práticas pode levar décadas.»
Do 2.º capítulo: «Ora, o Ocidente moderno é terra de aprendizes de feiticeiro (no que é perfeitamente indestrinçável do Ocidente antigo), e bons e maus docentes vieram a ser hostilizados por reformas que pretendiam alterar a neutralidade das coisas, com o pretexto de melhorar, «humanizando» e «modernizando».»
Do 3.º capítulo: «Até se pode aqui lembrar o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário que atribui ao pessoal docente «[...] o direito à autonomia técnica e científica e à liberdade de escolha dos métodos de ensino, das tecnologias e técnicas de educação e dos tipos de meios auxiliares de ensino mais adequados, no respeito pelo currículo nacional, pelos programas e pelas orientações programáticas curriculares ou pedagógicas em vigor [...]».
Isto é uma daquelas peças de legislação que não constituem lixo: decorre do estabelecimento de uma carreira com princípios claros de acesso por competência, orientada por laços de confiança evidentemente geradores de estabilidade. Essas qualidades mereceram o respeito do legislador.»
Do 4.º capítulo: «Que Ministério é necessário manter? Que funções devem permanecer funções do Estado, e quais não o são forçosamente?
Quem deve dedicar-se a construir (e como) um curriculum e programas?
Como poderão ser geridas carreiras?
Como poderão ser geridas as escolas? E de que tipos de ensino poderão elas encarregar-se?
Como serão feitas as avaliações a todo este universo?
São estas, à cabeça, as perguntas que ocorrem […]»
Do 5.º capítulo: «[…] para se ser professor, é fundamental gostar de dar aulas. Para isso, é condição necessária gostar de transmitir conhecimentos, qualquer que seja o seu tipo, e de obter adesões entusiásticas ao que quer que seja que se transmite: aquilo que é o coração do espírito proselitista.»
Do 6.º capítulo: «É ingénuo pensar que a escola pública pode estar lá para garantir que o aluno toma contacto com um pouco de tudo, realiza o seu percurso escolar e escolhe, infalivelmente, a profissão que o faz sentir-se ativo, útil e feliz.»
Do 7.º capítulo: «Uma das maiores dificuldades no exercício do poder é que quem manda saiba com exatidão onde deve fazê-lo. Ou, pela inversa, onde não deve fazê-lo: onde ficar quieto.»
Do 8.º capítulo: «Conheço muitos casos de grandes defensores do papel da escola na educação para a cidadania que fazem como a mulher honesta quando passam por um grupo de alunos que cruzam injúrias e palavrões, ou prometem chegar a vias de facto. Não tenho nada contra o recato e a prudência da mulher honesta. Apenas me oponho a que seja ela a responsável por ensinar os meus concidadãos.»
Do 9.º capítulo: «Que fazer a jovens com certificações de nível 4 num qualquer domínio — literatura, serralharia, química, desporto, o que for? Dar-lhes saída para o mundo do trabalho, mantendo portas abertas no prosseguimento de estudos.»
Do 10.º capítulo: «São precisos manuais escolares para tudo quanto é disciplina? Claro que sim. É vantajoso deixar a gestão deste mercado nas mãos de editoras? Claro que não.»
Da conclusão: «O quadro geral deve ser de gratuidade. Como já foi dito, extensiva aos materiais de estudo e prática da aprendizagem, às duas refeições que os estudantes terão durante o seu dia escolar, à assistência médica, dentária, medicamentosa, aos transportes escolares onde necessário, numa escola a funcionar, num só turno diário, em condições arquitetónicas dignas, equipada para o regular funcionamento de todas as atividades que por lá ocorrem.»
Acabo de falar do livro de um professor sobre a sua profissão. Ao longo dos anos li alguns: um é português, os outros nem por isso. Todos são recomendáveis. Não resisto a juntá-los em fim de conversa:
BARZUN, Jacques — Teacher in America. Indianapolis: Liberty Fund, 1981.
HIRSH, Jr., E. D. — The Schools We Need; And Why We Don’t Have Them. [nova intr. pelo Autor]. New York: Anchor Books, 1996/99.
LE BRIS, Marc — Et vos enfants ne sauront pas lire... ni compter!: La faillite obstinée de l’école française. Paris: Stock, 2004.
RIBEIRO, Gabriel Mithá — A Pedagogia da Avestruz: Testemunho de um Professor. 2.a ed. Lisboa: Gradiva, 2004.
António Mouzinho
1 comentário:
Ó sacrilégio: Não refere o «Eduquês...» do ministro Crato.
Imperdoável!
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