domingo, 4 de março de 2012

Ainda o IRS, a Doença e a Velhice

"Não há nada mais relevante para a vida social do que a formação do sistema de justiça” (Ruy Barbosa, co-autor da Constituição da 1.ª República do Brasil, 1889).

O meu último post, “A Balada da Neve, os Velhos e os Doentes” (01/03/2012), teve, por parte do leitor, Francisco Domingos, o comentário que transcrevo na integra:

"Este texto merece um comentário: é fácil, e talvez demagógico, criticar medidas economicistas e reivindicar cuidados de saúde para os velhos, sobretudo pobres, que não têm como pagar as enormes despesas que as suas doenças, crónicas ou não, implicam. Difícil é tentar um equilíbrio entre o desejável e o possível. Está tudo dependente da economia. Se não produzimos riqueza suficiente, como podemos ter uma saúde de luxo? Se uns ganham escandalosamente (Mexias e Bavas: 3 milhões/ano, Catrogas: 45 mil/mês, Furtados: 30 mil/mês, etc., etc.); se há trabalhadores de 1.ª (os dos transportes, da CGD, do BDP, etc., que têm medicamentos gratuitos, complementos de reforma, subsídios de doença, subsídios de especificidade do trabalho, subsídios de comparência, etc., etc.) e trabalhadores de 2.ª que são os outros todos; se a justiça não funciona para os ricos mas apenas para os pobres, os advogados apenas defendendo os criminosos ricos porque lhes pagam fortunas,etc., etc.; num país como este de corrupção generalizada, como ter uma saúde totalmente humanizada, em que os mais necessitados teriam a prioridade?”
Nem de propósito, ou até bem a propósito, o Diário de Coimbra (03/03/2012) noticiava na sua 5.ª página, em chamada de primeira página, com o título “Infecções respiratórias motivam ‘corrida’ aos Hospitais da Universidade”, o seguinte, em transcrição parcial:

“O pneumologista Manuel Fontes Baganha [professor catedrático jubilado] admitiu ontem que as dificuldades económicas dos portugueses, nomeadamente da população mais idosa, poderão ser uma das razões para o aumento ‘anormal’ dos casos de infecções respiratórias e, consequentemente, da mortalidade que se tem registado nos últimos dias”.
Isto leva-me a clarificar a minha posição para que não possa ser tido como demagógico o meu último post aqui publicado correndo o risco de ser interpretado como a reivindicação abusiva de cuidados de saúde sem ter em linha de conta “o equilíbrio entre o desejável e o possível”. Aliás, permito-me pensar não ter sido essa a intenção do supracitado comentário, porquanto o que eu defendo não é “uma saúde de luxo”, mas uma saúde paga por todos para todos, através dos respectivos impostos descontados ao longo de uma vida de trabalho.
Apesar de tudo, julgo que ambos estamos de acordo que não se deve substituir o esforço em diminuir as "gorduras do Estado” a troco de tornar cada vez mais magra a classe média e os pobres esquálidos. Ele mesmo, o leitor Francisco Domingos, o defende com a crítica que faz a vencimentos escandalosos e a benesses não menos criticáveis.

A título de exemplo, colhido entre muitos outros e em demonstração que este assunto tem sido motivo da minha já longa atenção, transcrevo parte de um antigo post meu, aqui publicado, “Um tecto para as despesas de saúde?” (15/03/2010):

“Como se nós tivéssemos um Serviço Nacional de Saúde de boa saúde (ora, num direito que assiste a qualquer cidadão de procurar o que mais lhe convém na vida, assiste-se à hemorragia de muitos dos melhores médicos dos hospitais públicos para o sector privado), Francisco Louçã, dirigente do Bloco de Esquerda, em debate televisivo com José Sócrates (RTP1,O8/09/2009), defendeu a ideia peregrina de que as despesas com consultas médicas em consultórios privados deviam deixar de contar para efeitos de desconto no IRS.


(…)
Mas detenhamo-nos, apenas, no caso dos medicamentos. Actualmente, são deduzidos para efeitos de IRS 30% das despesas feitas nas farmácias com determinados medicamentos. Ou seja, quem tem uma saúde de ferro beneficia do dom precioso em não gastar um cêntimo em medicamentos. Por outro lado, quem tem uma saúde frágil que anda associada, frequentemente, a achaques da velhice, como sejam, por exemplo, para não falar de outras graves, bem mais graves, doenças do foro reumatismal, em que, para apaziguar dores insuportáveis, o paciente é obrigado a encharcar-se em analgésicos, gastando quantias que fazem perigar, ainda mais, o seu periclitante equilíbrio financeiro em busca de uma dignidade humana que não se curve amparada por uma bengala para não abdicar da sua ascendência bípede de milhões de anos.

A ser levada avante esta medida [redução para 20% das despesas com cuidados de saúde para efeitos de IRS] um doente de magros ou remediados cabedais de vencimento ou esquálida reforma que, porventura, tenha uma gripe ao atingir o referido tecto terá que deitar contas à vida e pedir a Deus para que uma possível pneumonia não lhe bata à porta na pior altura. Ou, nessa infelicidade, empenhar os anéis para ficar com os dedos, ou mesmo sem os anéis e os dedos, como se a própria vida 'não fosse o último hábito que se quer perder porque é o primeiro que se toma', como escreveu Alexandre Dumas Filho.

Tratar atempadamente da nossa saúde não é o mesmo que adquirir um bem que se possa dispensar ou adquirir mais tarde quando a vida corre melhor! Atento à situação de verdadeira crise económica em que a grande maioria dos estratos sociais deste país mergulharam, e que não deve ser paga, apenas, por aqueles que cumprem com grande sacrifício os seus impostos (como escreveu Peter Vries, 'os ricos não são como nós: pagam menos impostos'),manifestou-se, dias atrás, publicamente contra esta medida o CDS/PP ao declarar publicamente que rejeita o PEC (13/03/2010).


Ir buscar umas migalhas no cotão de certos bolsos, que a actual crise virou do avesso, e não em ordenados escandalosos, sinecuras principescas e chorudas contas bancárias é o mesmo, como nos ensina a sabedoria popular, que 'poupar no farelo para gastar na farinha', promovendo o desaparecimento de uma classe média com reformas que se degradam de ano para ano, necessitadas, como tal, de cuidados fiscais intensivos que lhes transmita e à economia portuguesa um novo e desejável alento para sair do pântano em que se encontram mergulhadas.

Num abreviar de razões, a solução deve ser procurada numa ainda mais apertada malha que taxe o cidadão com sinais exteriores de riqueza, segundo os seus reais rendimentos e haveres e não sobre aquilo que ele dolosamente possa declarar serem os seus hipotéticos rendimentos e haveres. A isto, sim, chama-se, com toda a propriedade, justiça fiscal!”


Moral da história:
A própria Esquerda, representada pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Socialista, desrespeita na prática os fundamentos de um Estado defensor de um Serviço Nacional de Saúde, como existe em países sociais-democratas do Norte da Europa ou na própria Inglaterra. Como acreditar, então, que a posição do CDS/PP – ao recusar o corte das deduções fiscais em Saúde (Correio da Manhã, 13/03/2010)– pudesse vingar numa ainda maior perseguição fiscal aos velhos e doentes deste pobre país (descontando apenas 10% das despesas com saúde, para efeitos de dedução no IRS, situação agravada por um tecto menor), também ele velho nos seus mais oito séculos de vida e vicissitudes sem conta?

4 comentários:

Anónimo disse...

A doença e a velhice não existem, é tudo invenção.
Atenciosamente
Manoel de Oliveira

Rui Baptista disse...

Caro Manoel de Oliveira: A continuar nesta senda, a doença e a velhice só passarão a existir nas classe pobre e média. Aqueles outros, que Peter Vries. acima citado, diz pagarem menos impostos, terão sempre o aspecto jovem(a cirurgia plástica disso se encarregará).

Quanto à doença ela continuará a decrescer nas classes abastadas, através de uma medicina preventiva em recurso a médicos privados. Eu que não me identifico com a esquerda (qualquer que seja a roupagem que veste ou transveste) que promete um Serviço Nacional de Saúde em tempos de vacas gordas para o tentar destruir em tempo de vacas magras. Como diria a Edithe Piaf, "c'est la vie". Mas uma vida pouco cor-de- rosa. Com desgosto, o reconheço ou sou obrigado a recohecer!

Rui Baptista disse...

Errata: Na 3.ª linha, 3.º §, onde está, "Eu que não me identifico...",rectifico para "Eu não me identifico..."

Consultora em Educação disse...

Como conviver com o idoso

Ivone Boechat (autora)

1- Nunca pergunte a um idoso: qual é o segredo de viver tanto assim? Porque a pessoa não vai lhe convencer ou vai dizer que não sabe a resposta. Quem vai adivinhar como se vive anos e anos, com tanta virose, corrupção, mentira, tapeação, bala perdida, exploração... ruindade!
2- Nunca telefone ou visite um idoso entre 12:00h e 16:00h. TODO idoso gosta de descansar nesse período sagrado.
3- Jamais conte um problema ao idoso. Ele vai poder ajudar? Também não seja o problema do idoso: é covardia. Ele não vai ter como se defender.
4- Nunca interfira na decisão do idoso: se ele decidiu ser enterrado ou cremado. Não fique reclamando do preço da cremação, do túmulo..Nem fique agourando e perguntando o que a família deve escrever por cima do túmulo.
5- Nunca diga ao idoso: essa história você já me contou dez vezes. Diga a ele que a história é interessante e o ajude a resumi-la. Ele vai entender que a história é conhecida!
6- Não estimule o idoso a se lembrar de um fato que lhe cause sofrimento. Desvie sempre a tristeza para o lado bom de tudo.
7- Não explore a disponibilidade do idoso, lembre-se que ele já trabalhou muito e hoje não tem mais resistência, saúde e vigor para tomar conta de problemas e cachorros... dos outros. Deixe em paz o cartão bancário com o pagamento da minguadíssima aposentadoria. Vai à luta!
8- Mude o canal da TV quando o assunto é desgraça!
9- Ao visitar o idoso, leve algo que lhe faça bem à saúde: boa conversa, estímulos, boas notícias... palavras cruzadas, linha para crochê... uma fruta que ele possa consumir... um livro. Nas festas de aniversário e Natal, seja criativo! Chega de tanto pijama e chinelo.
10- Lembre-se: a pessoa idosa tem todo direito à felicidade e não vai ser você que vai atormentar os derradeiros dias da vida de ninguém. Exercite a gratidão, o perdão, a solidariedade e chega de despejar lixos de traumas, tristezas antigas e carências na caçamba que a vida cismou de colocar na porta de quem lutou tanto para resistir às intempéries.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...