sexta-feira, 12 de março de 2010

NÃO ERRAR É HUMANO


Minha crónica no "Público" de hoje:

Um condutor morreu porque ia a passar no sítio errado (ao quilómetro 59,4 da auto-estrada A4, perto de Amarante) à hora errada (às 20h 25m do dia 10 de Março). Oito operários sobreviveram, apesar de feridos, ao desabamento do viaduto que estavam a construir. A probabilidade de um acidente desses acontecer era baixíssima. Devia até ser zero, pois nas obras de engenharia como esta os erros são simplesmente intoleráveis.

Podia ser qualquer um de nós que ia a passar. E somos nós que, de uma maneira ou de outra, vamos pagar o que se passou. De modo que é legítimo interrogarmo-nos: Porque é que, entre nós, há mais erros do que devia haver? A resposta é simples: por não termos suficientemente interiorizada a cultura do erro, isto é, por, nas nossas profissões, nas nossas vidas, não fazermos do erro um inimigo a quem recusamos tréguas. Não prevenimos os erros. Não castigamos quem erra. E, pior, não aprendemos com o que se passou de errado.

O processo de averiguar quem vai casar com a culpa, no caso de Amarante, já começou, mas infelizmente estamos habituados a que ela morra solteira. Um caso semelhante de queda de um viaduto da A15, nas Caldas da Rainha, ocorrido em 2001, no qual morreram quatro trabalhadores, demorou oito anos até ser julgado em tribunal. Em 2003, um viaduto para passagem pedonal desabou sobre o IC19, em Queluz, escassas horas após terem sido concluídas obras de reparação, fazendo, como que por milagre, apenas quatro feridos. Todos nos lembramos do alarido causado por esses graves acidentes. Mas alguém sabe qual foi a causa dos erros e quem errou? Não podemos remediar o passado, mas devíamos ter aprendido com o que se passou.

O austríaco, naturalizado britânico, Karl Popper analisou, do ponto de vista filosófico, a questão do erro. E ensinou-nos que, para evitar o erro, é preciso a auto-crítica, é preciso a crítica dos outros e é preciso aceitação (mais até: agradecimento) da crítica dos outros. Quando isso não se faz, acontece o encobrimento, individual ou colectivo, do erro. E esse encobrimento, como está à vista, é a via aberta para a próxima catástrofe.

O que é o erro? Como identificá-lo para melhor o prevenir? No presente contexto, trata-se de um desvio em relação a uma norma estabelecida, que se destina a alcançar um certo objectivo, tendo por base os factos conhecidos. A força da gravidade puxa para baixo a massa de ferro e betão dos viadutos em construção, mas existem planos e procedimentos bem estudados pela ciência e pela engenharia e repetidamente comprovados de modo a evitar que tal aconteça. Deve aprender-se com o que se fez e também com o que não se fez. Se existisse cultura do erro, os casos que, em Portugal, correram mal deveriam ter servido de lição às empresas de obras públicas e às instituições que gerem essas obras de modo a torná-los irrepetíveis.

O recente desastre da Madeira é a este respeito muito ilustrativo. Ocorreram, evidentemente, condições meteorológicas extremas. As antigas apólices de seguro falavam dos “actos de Deus” para não cobrirem essas situações. Contudo, houve decerto maus planeamentos e más construções, antigas e recentes, que, combinadas com as más condições, originaram o desastre. Este tinha aliás sido anunciado por alguém que tinha a cultura do erro. É, por isso, patético ouvir o Presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, dizer que só caíram as obras dos outros e não as suas, ao mesmo tempo que insultava os seus críticos lançando-lhes os epítetos de “canalhas” e “intelectuais”. Tão habituados estamos às patetices, há tantos anos vindas do Funchal, que já ninguém é capaz de reagir.

Voltando a Popper, que Jardim não leu: “Devemos lutar permanentemente contra o erro(…) mas não podemos nunca ter a certeza de que, mesmo assim, não cometemos erros.” Pode ser que o erro seja inevitável, mas, por isso, devia também ser igualmente obrigatória a humana tentativa de o evitar. Já sabemos que errar é humano. Mas o provérbio podia bem ser outro: Não errar é humano.

3 comentários:

joao de miranda m. disse...

Bom texto.

João de Castro Nunes disse...

Será isto o humanismo integral... apregoado por Terêncio ("nihil humani a me alienum")?!... JCN

Jorge Pires Ferreira disse...

Quem depois de catástrofes como a da Madeira diz: "Isto era previsível"; "sabíamos que ia acontecer", "só os cegos é que não viam", "vem nos manuais" e coisas do género, das duas uma: a) deve ser responsabilizado por saber e não ter dito nada antes de ter acontecido; b) deve ir trabalhar para a previsão de catástrofes.
As recentes catástrofes naturais vieram mostrar que também há treinadores de bancada nesta área.

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