sexta-feira, 19 de outubro de 2007

SOBRE A MOTRICIDADE HUMANA

Meu prefácio ao livro de Manuel Sérgio "Para um Novo Paradigma do Saber... e do Ser" (Ariadne, 2005):

Poder-se-á estranhar que seja um físico a prefaciar um livro de um professor de Filosofia português que se tem especializado (e notabilizado!) na epistemologia da motricidade humana, um novo nome para uma nova ciência cujo escopo é vasto: o desporto, a dança, a ergonomia, a reabilitação, enfim tudo o que tenha a ver com o movimento do corpo ou “físico” humano. De facto, o físico que assina por baixo confessa que pouco sabia sobre os assuntos do “físico”. Mas confessa também – e daí o dever e o prazer do presente refácio – que muito ficou a saber sobre a filosofia do “físico” depois de ter lido este pequeno-grande (pequeno no tamanho, grande na diversidade e profundidade dos temas) livro.

É curioso o duplo sentido da palavra “físico”. Qualquer bom dicionário informa: físico (do grego “ physikós”, da natureza) significa, por um lado, “s. m., aquele que estuda Física ou é versado nela; adj. relativo à Física, relativo às condições e leis da natureza, corpóreo, material, natural” e, por outro, “s. m. médico (termo antigo); adj. conjunto das qualidades externas do homem, aspecto, configuração, conjunto das funções fisiológicas”. Há obviamente algo de comum entre os dois sentidos, o universal e o humano: o “físico” denota nos dois casos o que é material, palpável. E tudo o que é material move-se, seja um corpo celeste seja um corpo terrestre! A Física começou precisamente com Galileu com o estudo do movimento dos corpos inanimados, como um grave perto da Terra ou a própria Terra (“eppur si muove”), mas o mesmo Galileu estudou Medicina na Universidade de Pisa e interessou-se pela resistência dos corpos vivos (o livro “Diálogo sobre Duas Ciências Novas” começa pela análise do que acontece a corpos animais que caem, o que, convenhamos, é bem mais grave do que a queda de corpos inanimados). Foi ainda Galileu que reflectiu sobre a metodologia científica: não apenas fundou uma ciência como a fundamentou, propondo uma teoria da prática. Hoje a Física continua a ser a ciência geral da matéria, da energia e do movimento, que não pode deixar de informar a “nova ciência” do movimento do nosso corpo, a ciência da motricidade humana. Um físico é uma pessoa curiosa e quer naturalmente saber o que é a “nova ciência” e qual é a relação que as “velhas ciências” têm com a “nova”...

Um físico, se acaso o não soubesse, ficaria a saber da leitura deste livro de uma nova editora (a Ariadne de Coimbra, a quem se desejam grandes êxitos) que há mais mundos para além do físico, embora esses mundos estejam de uma forma ou de outra ligados ao físico. Por exemplo, a partir de numerosos dados das modernas neurociências tem-se concluído que o físico e psíquico, o corpo e a mente, se ligam de uma maneira complexa mas vital para as duas partes. Esta mensagem é muito clara na discussão que Manuel Sérgio tem desenvolvido, numa obra já hoje muito rica e largamente citada, em torno da filosofia da motricidade humana. . O material e o mental estão intimamente associados. A filosofia da “nova ciência” tem de partir do princípio que o ser humano é um todo: uma vez que o movimento voluntário do corpo é obviamente comandado pela mente, de nada vale considerar o corpo sem a mente. Um físico concorda sem qualquer reserva mental com esta tese: acontece até que muitos dos seus colegas investigam não só o corpo (há muito que a Medicina não dispensa o saber e as técnicas da Física) mas também o cérebro humano (modelos e ferramentas da Termodinâmica e da Mecânica Estatística têm sido aplicadas ao estudo dos processos cerebrais, como é ilustrado por exemplo pelo estudo das redes neuronais). Os sucessores de Galileu, talvez um pouco arrojadamente, procuram saber como a consciência e a vontade podem emergir a partir de elementos meramente físicos...

Na primeira das três lições de Manuel Sérgio que se reúnem no presente volume, todas elas bem pensadas e escritas – é a primeira lição que dá justamente o título ao livro – um físico é confortado por outras abundantes concordâncias. Acontece que o pensamento de Manuel Sérgio se revela claramente influenciado, para não dizer mesmo seduzido, pelas propostas do físico-químico belga de origem russa Ilya Prigogine a respeito da irreversibilidade do tempo e da reconfiguração das ciências que sobrevém quando ela é suficientemente valorizada. A partir dos seus estudos dos fenómenos irreversíveis, como são os fenómenos que ocorrem nos sistemas biológicos (sistemas que trocam matéria e energia com o exterior), Prigogine e a sua escola têm reclamado o papel central da “seta do tempo” na adequada descrição científica do mundo e têm procurado extrair as implicações dessa centralidade para a própria filosofia das ciências (a este respeito é entusiasmante a leitura do livro “A Nova Ciência”, escrito por Ilya Prigogine em conjunto com Isabelle Stengers, filósofa e historiadora das ciências também belga, e de que existe uma edição portuguesa do prelo da Gradiva). A palavra-chave no pensamento de Prigogine é “complexidade”, uma palavra de resto muito querida para o sociólogo francês Edgar Morin. O corpo é um sistema complexo. A mente é um sistema complexo. O complexo corpo-mente é eminentemente complexo. O movimento do corpo comandado pela mente só pode ser comprendido no quadro das chamadas “ciências da complexidade”. Só o reconhecimento prévio da complexidade pode permitir o sucesso de trabalhos de investigação na área do corpo e da mente, em geral, e do movimento voluntário do corpo, em particular. A tradição reducionista que os físicos conservam desde o tempo de Galileu poderá não ser a melhor chave para abrir portas nos edifícios onde eles hoje pretendem em entrar. Há que conseguir e prosseguir um pensamento global, sistémico, que se preocupe mais com o todo do que com as partes...

Um físico – ou outro leitor – fica, portanto, a saber com esta obra de Manuel Sérgio que a motricidade humana possui a marca inegável da complexidade. Neste livro retira também - assim como retirará outro leitor - a mensagem de que o diálogo interdisciplinar, o diálogo entre a Física, a Medicina, a Psicologia, a Filosofia, etc., é hoje fonte irrecusável de novos saberes. E fica – ficamos todos - à espera que o professor da Universidade Técnica de Lisboa (pessoa generosa, que é também poeta e que foi também político) continue, com a actualização e a frescura que tão bem revela nestes seus escritos, a regalar-nos com as suas inovadoras reflexões!

8 comentários:

Fernando Dias disse...

Ora aí está, a Complexidade e a Transdisciplinaridade.
Que há mais mundos para além do que é descrito pelos físicos, isso já não é novidade. Meter tudo debaixo do chapéu reducionista da física, como a vivência da sensibilidade humana, foi utopia de alguns mas que hoje pouca gente acredita. Cada vez se vê melhor que o reducinismo fisicalista à la Steven Weinberg apenas serve para um número limitado de coisas.

Mas a mente não é uma coisa que se liga ao corpo ou ao cérebro. A mente constitui um determinado tipo de propriedades que é uma aptidão de um corpo vivo no seu inter-relacionamento com o mundo. Mas uma estaca a demarcar um terreno também faz parte da mente. Claro que o corpo é um todo e é como tal que deve ser encarado.

Ilya Prigogine remete para a Fenomenologia, que é uma abordagem do mundo que a maioria dos físicos sempre ignorou, não Schrödingher nem Heiseberg, ou mesmo Niels Bohr, mas indispensável para compreender o que é a mente. Aquela ideia cartesiana substancialista, mente de um lado e corpo do outro, (do ponto de vista fenomenológico, dou como exemplo o filósofo Merleau-Ponty e o neurocientista Francisco Varela), não funciona.

Anónimo disse...

Já que se fala em complexidade ofereço o link do

Programme européen MCX
"Modélisation de la CompleXité", com

Le petit lexique des termes de la complexité

Ei-lo:

http://www.mcxapc.org/static.php?file=lexique.htm&menuID=lexique

Anónimo disse...

A ciência vem reforçar a complexidade do corpo com a mente, já que o material não tem reação alguma sem o comando do cérebro. Relacionamento este, onde a complexibilidade não se estabelece sem o comando mental.

Anónimo disse...

As pesquisas relacionadas a ação humana, vem tratar a motricidade como uma complexa estrutura dependente uma da outra. A matéria necessita da mente para se interagir como meio, as acões dependem da mente para a realização do ato.

Anónimo disse...

Jamaica Bezerra Pontes
O corpo precisa da mente e a mente precisa do corpo. A motricidade é algo que precisa ser trabalhado para se ter um bom desenvolvimento.

Anónimo disse...

O ser humano precisa de motrocidade para realizar seu desenvolvimento e seus atos ,porque o corpo e a mente é o centro da estrutura física e mental do ser humano ,para se ter mais conhecimento .
03/03/2009 11:15

Unknown disse...

Ricardo Pereira

aonde conseguir esse livro?
ricardo19sbc@yahoo.com.br

Anónimo disse...

A motricidade , e algo que precisa ser trabalhado para se ter um bom desenvolvimento.O corpo necessita do celebro , eo celebro precisa do sistema nervoso para sentir o nossos sentimentos , de dor , de alegria em nosso corpo.

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