terça-feira, 9 de outubro de 2007
Entrevista com Claude Cohen-Tannoudji
No dia em que foi anunciado o Prémio Nobel da Física, desta vez a um francês e a um alemão, publicamos parte de uma entrevista feita por Patrícia Faísca ao Prémio Nobel da Física de 1997, o francês Claude Cohen-Tannoudji. O texto integral encontra-se no último número da "Gazeta da Física", revista da Sociedade Portuguesa de Física:
Claude Cohen-Tannoudji nasceu em Constantine, na Argélia Francesa. Em 1953 foi para Paris onde, em 1962, fez o doutoramento na École Normale Supérieure sob a orientação dos Profs. Kastler e Brossel. Entre 1964 e 1972 foi professor na Universidade de Paris e é, desde 1973, professor no Collège de France. Em 1997, partilhou o prémio Nobel da Física com William D. Phillips e Steven Chu, pela manipulação e arrefecimento dos átomos, com a luz produzida por lasers. Cohen-Tannoudji esteve em Lisboa, em Setembro de 2006, a convite do Centro de Física Teórica e Computacional da Universidade de Lisboa. Foi nessa ocasião que foi feita esta entrevista.
Na sua autobiografia Nobel diz, a certa altura, que o seu pai lhe ensinou o que considera serem as características mais importantes da tradição judaica: estudar, aprender e partilhar o conhecimento com os outros. Como avalia a importância que a sua actividade pedagógica tem tido?
Tem sido essencial. Penso que precisamos de uma compreensão total daquilo que ensinamos. De facto, a melhor maneira para aprender uma coisa é ter que a ensinar. Eu tive imensa sorte em estar no Collège de France, porque aí temos que ensinar assuntos diferentes todos os anos. Claro que é muito difícil, mas ao mesmo tempo obriga-nos a ler imenso. Hoje em dia publica-se tanto que apenas lemos o sumário de muitos trabalhos e damos-lhe uma vista de olhos rápida. Ensinar um certo assunto abordado num artigo obriga-nos a lê-lo em pormenor, e a perceber as ideias novas aí desenvolvidas. Ensinar algum assunto obriga-nos também a adoptar uma perspectiva abrangente, que é importante para desenvolvermos as nossas próprias ideias. De facto, decidi começar a fazer experiências de arrefecimento e “trapping” por causa daquilo que ensinei no Collège. Dei durante quatro anos aulas sobre arrefecimento de iões e átomos. Ao estudar os pormenores dos mecanismos, consegui desenvolver novas ideias e decidi trabalhar nesta área. Por isso, ensinar é essencial, e não imagino a investigação sem ensino, assim como não imagino o ensino sem a investigação. Se ensinarmos sem fazer investigação tornamo-nos obsoletos muito rapidamente.
Disse que Kastler era um poeta da física, que tinha imensa ideias elegantes, enquanto Brossel era um experimentalista notável que tinha um conhecimento profundo dos processos físicos. Concorda com Peter Medawar quando ele diz que a maior parte dos cientistas podiam facilmente ter sido outra coisa qualquer?
Sim, certamente. Eu penso que a ciência é uma forma de cultura e que se pode fazer ciência com estilos muito diferentes. Podemos, tal como um poeta, enfatizar a elegância e a beleza de uma ideia ou de uma experiência. É uma questão que tem a ver com a nossa personalidade. O Alfred Kastler e o Jean Brossel tinham personalidades diferentes mas complementares. Eles tinham imensas ideias elegantes e bonitas. Mas também é muito importante, especialmente em mecânica quântica, onde as imagens podem ser enganadoras, que essas imagens sejam consistentes com a teoria, e isso não é nada fácil. O problema da criatividade é imaginar situações novas, e ao mesmo tempo manter o rigor por forma a não nos perdermos em ideias sem sentido. É um equilíbrio delicado.
O seu livro de mecânica quântica teve um papel importante ao integrar vários tópicos da mecânica quântica nos programas da formação pré-graduada. Também foi importante na preparação de várias gerações de físicos e químicos. Acha adequados os curricula de física adoptados actualmente, ou existem tópicos que deviam ser introduzidos?
Tenho dificuldade em responder a essa pergunta porque deixei a universidade em 1973. Tenho estado no Collège onde ensinamos aquilo que queremos e por isso não tenho seguido a evolução do ensino da física nas últimas décadas. Penso que é importante manter uma visão moderna da física, bem como uma abordagem baseada nas experiências. Ao mesmo tempo, não devemos sobrecarregar os alunos com muitas matérias. É claro que, ao nível do ensino secundário, devemos tornar a física mais atraente mostrando a sua importância na vida do dia-a-dia: nos computadores, nos telemóveis, rádios, CD, DVD, etc. É importante ter a noção de que em qualquer objecto tecnológico existem efeitos quânticos. Também gostaria de enfatizar a importância de experiências pedagógicas do tipo “mãos na massa” que estão a ser testadas em vários países. Na escola primária, os miúdos mais novos, que são muito curiosos, devem explorar certas situações - com jogos ou pela observação de fenómenos simples e usando equipamento barato - que os levem a desenvolver uma abordagem científica e a fazer perguntas: “Por que é que isto funciona assim?”, “Como poderei ver que esta ideia é boa?” Penso que apresentar a ciência tal como ela é, como um jogo ou como uma história policial, e não como algo dogmático, é muito importante. Também acho que é importante ensinar história da ciência, mostrar como as coisas tem sido descobertas ou inventadas, e como o conhecimento tem progredido. É importante ter em mente esta perspectiva histórica quando se tenta melhorar a educação.
O que acha de levar a ciência ao grande público?
Tal como a arte, a música e a poesia, a ciência e a aventura científica fazem parte da cultura. É crucial criar nas pessoas uma atitude crítica por forma a evitar que aceitem ideias falsas e sigam caminhos errados. As pessoas devem ser treinadas para examinar cada situação de uma forma crítica e não cairem em disparates como a astrologia e o misticismo. A ciência também nos ensina como é importante discutir com os outros. Para testarmos a nossa hipótese temos que admitir o erro, e o desenvolvimento da nossa capacidade de diálogo é uma protecção contra a intolerância e o fundamentalismo. Por isso, é preciso levar a ciência ao público para proteger a sociedade do racismo e de outros desvios. Claro que existem cientistas loucos e racistas, mas de uma maneira geral os bons cientistas são contra o fanatismo e o fundamentalismo e compreendem claramente os valores da tolerância e o diálogo.
É membro do comité executivo do International Human Rights Network of Academies and Scholarly Societies. Os cientistas, em especial os laureados com o Prémio Nobel, têm uma responsabilidade especial em assuntos de ordem ética?
Há que ter cautela. É evidente que devemos protestar contra qualquer violação dos direitos humanos e ter sempre em mente considerações de ordem ética. No entanto, o facto de termos ganho o Nobel não significa que possamos ter ideias sobre qualquer problema. Como laureado Nobel tento tomar posições apenas em assuntos que sejam do meu domínio, ou seja, ciência e educação. É claro que como cidadão posso ter as minhas próprias opiniões sobre questões que dizem respeito à sociedade ou assuntos filosóficos, mas não quero expressá-las na condição de vencedor do Nobel. Isso não seria justo. É por isso que neste comité nós apoiamos cientistas, na maioria dos casos perseguidos e encarcerados, e algumas vezes condenados à morte, por regimes extremistas. Assinamos cartas que podem ajudá-los porque o governo que os condenou sabe, a partir desse momento, que o caso se torna do domínio público. Em alguns casos temos tido sucesso em ajudar a libertar estas pessoas, mas nem sempre é assim.
Que mensagem devia ser transmitida aos mais novos por forma a aumentar o interesse das novas gerações pela física?
Penso que seria bom mostrar que a ciência não é aborrecida; é uma aventura excitante. Conseguir isto depende essencialmente da habilidade dos professores para atrair intelectualmente os alunos para a ciência. Infelizmente os média e a televisão são demasiado passivos. Os miúdos passam muito tempo em frente da TV e aceitam o que vêem de uma forma passiva. Quando eu era criança discutia com os meus pais e amigos o que acontecia no mundo. Tínhamos mais tempo para ler e para discutir com as outras pessoas. Hoje em dia existem muitas coisas que nos podem distrair. Seria importante desenvolver desde muito cedo a capacidade de reflexão.
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