Por vezes há notícias demasiado curiosas para não serem referidas. Não sabemos se esta em especial terá alguma consequência no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, pelo que deixamos à análise dos nossos leitores esta possibilidade.
Em causa está um decreto publicado na edição de 28 de Setembro do Diário Oficial do Distrito Federal, em que o governador José Roberto Arruda demite o gerúndio de todos os órgãos do GDF. De acordo com a assessoria do governador, tão radical medida deve-se a alguns assessores que estão sempre «fazendo, providenciando, estudando, preparando, encaminhando», mas nunca concluem um trabalho ou estabelecem um prazo para a sua finalização. Arruda perdeu a paciência e proibiu o uso do gerúndio «para desculpa de ineficiência», como se pode ler no texto do decreto que transcrevemos:
Decreto nº 28.314, de 28 de Setembro de 2007
Demite o Gerúndio do Distrito Federal, e dá outras providências.
O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100, incisos VII e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, DECRETA:
Art. 1º Fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal
Art. 2º Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de ineficiência.
Art. 3º Este decreto entra em vigor na data da sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 28 de Setembro de 2007.
119º da República e 48º de Brasília
JOSÉ ROBERTO ARRUDA
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
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13 comentários:
tem alguns dados que a moçada que resolve o gerúndio com a construção com preposição e infinitivo precisa saber:
1º o Arruda, do DEM, segue a cartilha do partido que recomenda factóides a torto e a direito durante as administrações.
2º a classe política demora um pouco mais do que o mundo pra perceber as coisas em geral. então, ele só recebeu agora um e-mail-corrente pregando o anti-gerundismo que assola o telemarketing que circula há uns seis anos – quando o FHC ainda era presidente e o Arruda ainda não teria violado (percebam o futuro do pretérito forçado) o painel do Senado nem sido queimado pela base governista à época.
Assim, ao receber o e-mail que circula repetidamente sem parar, ele teve a idéia de criar um factóide.
José Roberto Arruda é um dos mais refinados crocodilos do pântano político brasileiro! Renunciou ao mandato para não ser cassado, no escândalo da violação do painel eletrônico do Congresso na cassação do mandato do ex-senador Luís Estêvão. Lembro-me de vê-lo chorando, em discurso no plenário, enquanto jurava, pela honra dos 8 filhos que não sabia de nada. Uns dias depois admitiu que sabia de tudo e renunciou ao mandato.
eu compreendo o que os amigos brazucas (sem ofensa) estão dizendo.
contudo:
"Art. 1º Fica demitido o Gerúndio [...]."
quem é o sr Gerúndio?
cumps
Semiótica ou semanticamente, e vemos isso na língua inglesa como uma conjugação perifrástica, o "estou falando ou fazendo" (brasileiro) corresponde ao "estou a falar ou a fazer" português.
O "estou falando ou fazendo" é mais suave enquanto que o nosso "estou a falar ou a fazer", é mais agressivo e musculado.
De resto a língua brasileira tende a adocicar a língua como uma vez explicou o saudoso Gilberto Freyre na sua obra "Casa Grande & Senzala" :
"A ama negra fez muitas vezes com as palavras o mesmo que com a comida: machocou-as, tirou-lhes as espinhas, os ossos, as durezas, só deixando para a boca do menino as sílabas moles".
O Governador devia ser aconselhado a ler a "Casa Grande & Senzala" do sociólogo Gilberto Freyre, e aprender que há muito brasileiro que, apesar de saber que o gerúndio não tem princípio nem fim, é responsável e eficaz, e que em Portugal, há muito português que não usando o gerúndio é irresponsável e ineficaz.
pois fuja-se do gerúndio "A gente vai estar planejando" e "Vamos estar criando" por "Vamos planear (br. planejar)" e, mais simplesmente, "Planeemos", no presente conjuntivo, com força de imperativo.
Acontece é que ainda no pretérito perfeito do verbo, "planeámos", "nós planeámos fazer isto e aquilo", como no organigrama presente, o Sr Director nem assim terá a certeza do serviço!
E melhor será sempre dizer: "Senhor Director, após acção aturada, aqui tem a obra feita"!
Apesar de tudo o Acordo Horrorgráfico vai tardando. Felizmente!
Artur Figueiredo
uma delícia (para além das raízes políticas) políticas acima referidas
Para quem tiver paciência e tempo pode consultar os links abaixo para saber o que se passa com a língua portuguesa no Brasil:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252005000200015&script=sci_arttext
http://www.linguaportuguesa.ufrn.br/pt_3.3.a.php
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/hlpbrasil/index.html
http://www.portugues.com.br/historia4.htm
e no Museu da Língua Portuguesa
http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/
A pessoa que "faz" não responde habitualmente "estou a fazer" ou "estou fazendo"; diz: "daqui a 2 horas está pronto" ou coisa parecida.
Por isso, seja ou não um crocodilo, o homem tem razão para mim e agradeço terem aqui colocado este post - já o enviei para toda a gente que me lembrei que se empenha em andar com as coisas para a frente.
Já que se comentou o acordo ortográfico, etc, seria bom que prestassem atenção ao grande impulso que os brasileiros têm dado à lingua portuguesa. Uma lingua que sem eles estaria condenada à quase extinção pela sua insignificância dimensional e irrelevância como ferramenta de comunicação na actualidade. Mas quem anda na net encontra um imenso mundo em português cá posto pelos brasileiros.
Por último, é preciso não esquecer que os brasileiros introduziram no português uma beleza e clareza dicional quase sem paralelo noutras línguas - só comparo mesmo ao italiano. Em minha opinião.
Em http://www.rtp.pt/index.php?article=301128&visual=5:
DECRETO SOBRE O GERÚNDIO É "IRÓNICO"
O decreto em que um governador brasileiro `demite` o gerúndio é "irónico", para além de não se poderem `demitir ideias, objectos ou conceitos`, salientam duas investigadoras do Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Clara Nunes Correia e Teresa Brocardo salientam também que o uso do gerúndio no Brasil e em algumas regiões do Alentejo e do Algarve é de certa forma um "traço conservador" do uso da língua, pois hoje, em português contemporâneo, a norma é dizer, por exemplo, "estou a ler" e não "estou lendo".
A agência Lusa pediu a Clara Nunes Correia e Teresa Brocardo um comentário sobre o decreto do governador Federal, José Roberto Arruda, que "demite` o uso do gerúndio.
As investigadoras afirmam, numa resposta por escrito, que, como falantes do português, só entendem tal decreto como "irónico".
"O valor `de continuidade` de um determinado acontecimento linguístico é marcado de formas muito diferentes nas línguas naturais. Em Português, o gerúndio é apenas uma das formas a que temos acesso para construir esse valor", explicam as especialistas.
"Naturalmente que o que está em causa neste suposto `decreto` prende-se com o uso de uma forma gramatical que é entendida como `característica` sociológica de um determinado grupo de falantes, sub-entendendo-se uma crítica à não produtividade conclusiva` das tarefas definidas. Só que este problema não é do foro da linguística ou da gramática mas das ciências sociais que estudam e caracterizam os grupos sociais e as suas dinâmicas".
Enquanto linguistas, as inquiridas consideram o decreto em questão como "`absurdo` puro".
"Os gramáticos e os linguistas só descrevem as línguas ou constroem regras de gramática porque as línguas existem e só existem porque são (ou foram) faladas. Quando falamos, representamos o mundo que nos rodeia. Ora o recurso a formas linguísticas que marcam a não conclusividade de um dado estado de coisas é um facto que pode ser descrito como tal mas não pode ser julgado como qualquer juízo (positivo ou negativo) de quem usa essas formas", explicam as duas investigadoras.
Instadas a pronunciarem-se sobre o uso do gerúndio nas variedades do Português como no Alentejo, Clara Nunes Correia e Teresa Brocardo explicam que "a utilização do gerúndio em expressões do tipo das referidas, sendo comum no português brasileiro, não ocorre, como se sabe, na variedade padrão do português europeu, em que para exprimir o mesmo valor se usa normalmente uma perífrase com `a+infinitivo` (`estou lendo` / `estou a ler`)".
Mas, salientam, a utilização do gerúndio neste tipo de expressões é normalmente assinalada como um dos traços distintivos de uma sub-área dos dialectos portugueses centro-meridionais, na qual se incluem, de facto, zonas do Alentejo, mas não exclusivamente, visto que a zona do Sotavento algarvio corresponde a um `continuum` dialectal daquelas zonas.
"Este traço é, portanto, diferenciador de áreas dialectais do português europeu, não sendo característica da `norma` apenas por não ocorrer na sub-região do mesmo conjunto de dialectos (centro-meridionais) com a qual esta é normalmente identificada, e que tem o seu centro em Lisboa".
"De um ponto de vista da história da língua, o uso de sequências com gerúndio com verbos como `estar`, `andar`, `ir`, entre outros, atesta-se em fases da língua mais antigas, sendo, portanto, a sua ocorrência nos dialectos referidos, bem como no Brasil, assinalado como traço conservador, em contraste com a `inovação` correspondente ao uso de `a+infinitivo`", opinam as investigadoras.
Inquiridas sobre a utilização do verbo "demitir" pelo governador em relação a uma forma verbal, as duas investigadoras salientam que "os verbos em Português, e em todas as outras línguas, relacionam-se com entidades diferentes consoante as suas características gramaticais".
"Assim, associamos ao verbo demitir, obrigatoriamente, um sujeito com vontade própria e um objecto que possua as propriedades de `poder ser demitido`. Deste modo, só posso demitir alguém - se tiver poder para isso - e nunca posso demitir ideias, objectos ou conceitos".
"Se, mais uma vez entendermos este `despacho` como irónico podemos considerar que o autor do despacho - porque institucionalmente ocupa um cargo que lhe dá, entre outros, o poder de demitir os funcionários e os colaboradores - usa esse poder para `demitir` até as formas linguísticas que os falantes usam".
"Se o entendermos cientificamente gera-se uma impossibilidade - absurda - e verdadeiramente marcadora de ignorância do uso mais elementar da língua".
"A ser este o caso - o que nos custa acreditar - o problema é sério e grave. Tal como será sério e grave se o autor do despacho entender o seu cargo de forma tão prepotente que até lhe permite `controlar` o que os falantes dizem e pensam. Mas, mais uma vez, este é um problema de cidadania - ou de democracia. Aqui os linguistas só se pronunciam enquanto cidadãos do mundo", concluem Clara Nunes Correia e Teresa Brocardo.
© 2007 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A
Apenas uma curiosidade:
Na sua obra «Manual de Jornalismo», Ricardo Cardet dedica um capítulo inteiro a esse tema:
«O abuso do gerúndio», que refere como sendo «...o sinal mais característico da pobreza de redacção de um repórter».
Veja o que está escrito acima:
"Clara Nunes Correia e Teresa Brocardo salientam também que o uso do gerúndio no Brasil e em algumas regiões do Alentejo e do Algarve é de certa forma um "traço conservador" do uso da língua, pois hoje, em português contemporâneo, a norma é dizer, por exemplo, "estou a ler" e não "estou lendo". "
O gerundio é a forma dominante da língua a muitos séculos... á partir do Séc XIX partes de Portugal passaram a adotar o infinito gerúndico ... veja bem: partes de Portugal, porque O Alentejo e em regiões do Algarves, o suo do gerundio eh dominante.
Portanto o infinitivo gerundico Não é a forma do "Português Contemporâneo" como sugerem as referidas professoras e sim uma exceção, no tempo e no espaço.
Por essas e outras é complicado pensar em Acordo Ortográfico
Oh pessoal... isso eh para ser analisado no campo da sociologia da política brasileira.. meu Deus, não tem nada de Gerúndio ou de Norma Ortográfica no Decreto do Governador.. ai ai..
a colega acima escreve: "Se o entendermos cientificamente gera-se uma impossibilidade - absurda - e verdadeiramente marcadora de ignorância do uso mais elementar da língua"...
sem comentários, né ?
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