quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

MINHA ENTREVISTA À SÁBADO SOBRE CLONAGEM

Minha entrevista à jornalista Andreia Antunes, da Sábado (S.):

S. -  Acha que a clonagem pode trazer vantagens para o avanço científico, no sentido de haver melhores resultados na área da investigação?

CF- Sim, não só pode como tem trazido. A clonagem, o processo de fazer organismos com genomas iguais, existe naturalmente na Natureza (reprodução assexuada na Natureza de muitos seres vivos e o aparecimento ocasional de gémeos na reprodução sexual). Claro que os organismos não são iguais, porque os genes expressam-se de maneira diferente conforme a interacção com o ambiente. Na clonagem artificial, o homem consegue realizar esse tipo  de processos. 

A clonagen de plantas já se faz desde tempos bíblicos: muitas espécies agrícolas tiveram assim a sua origem. Experiências desse tipo já se fazem em animais  há mais de 130 anos, proporcionando um conhecimento científico cada vez maior e também  numerosas aplicações. Um marco foi  a primeira clonagem de mamíferos, a ovelha Dolly, feita em Edimburgo por Ian Wilmut e Keith Campbell em 1996. A ovelha já morreu e o próprio Wilmut morreu em Setembro passado, aos 79 anos, com Parkinson.

S- De que forma a clonagem pode ser utilizada na investigação médica para desenvolver terapias ou medicação?

CF- São inúmeros os avanços proporcionados pela clonagem. Basta pensar nos desenvolvimentos da agricultura e pecuárias, mas também na saúde humana. Não é apenas o progresso na compreensão da biologia do desenvolvimento, é também o melhor entendimento do funcionamento da genética (com implicações no estudo e tratamento do cancro), o fabrico de novos fármacos,  a compreensão do potencial das células estaminais, etc. Claro que, como qualquer ramo da ciência  e da tecnologia, coloca problemas éticos. Uma coisa é o que se pode fazer, que a ciência e tecnologia indicam com base na observação da Natureza. Outra é o que se deve fazer, que é uma questão  exclusivamente humana. Os cientistas devem ter comportamentos éticos, isto é, devem seguir as normais gerais da sociedade (que evoluem ao longo do tempo e que variam de cultura para cultura) e também as regras da sua profissão (que são mais universais: os  cientistas têm de aplicar com rigor o método científico). Embora os cientistas possam dar informação, as normas éticas são feitas pela sociedade. Como estamos a falar de vida, temos de considerar na clonagem questões de ambiente (incluindo o bem-estar animal) e de saúde humana.

S- Qual é a sua opinião sobre a ética envolvida na clonagem de macacos para testes em laboratório, considerando o equilíbrio entre avanços científicos e o bem-estar animal?

CF- Tem sido, desde a ovelha Dolly, feito inúmeras clonagens de outros mamíferos: ratos, coelhos, cabras, vacas, etc. A clonagem de primatas, que se fez pela primeira vez em 2018, levanta maiores problemas, dada a maior proximidade genética ao homem. Os chimpanzés têm cerca de 95% de identidade genética com os humanos. Os pequenos macacos que foram clonados - e em pequeno número - não são os mais próximos da espécie humana, o que significa que na evolução natural as espécies tiveram um antepassado comum há mais tempo.  Os macacos rhesus (o nome lembra-nos que o factor Rh do nosso sangue vem deles) foram já sequenciados neste século, depois do chimpanzé,

Têm cerca de 93% de sobreposição genética com o homo sapiens. Isso ajuda a explicar porq que razão têm sido usados em experiências biomédicas: foram dos primeiros seres vivos mandados para o espaço e têm sido usados para a compreensão de doenças , como alguns terríveis males biológicos que nos afectam (incluindo o Alzheimer). As experiências mais recentes referem-se à clonagem de um único indivíduo, sendo muito pequena a taxa de sucesso. São ensaios muito preliminares.

Os seus autores, que  dizem ter cumprido as normas éticas vigentes no seu país, defendem com a possibilidade de ajudar os humanos. Mas o assunto é  controverso: uma associação de defesa dos animais no Reino Unido diz que as experiências não deviam ter sido feitas, em nome do bem-estar animal. Este tipo de controvérsias é normal num tema deste tipo. Cada especialista ou grupos de especialistas, perante os mesmos dados, chega a conclusões diferentes, i.e., não há um único equilíbrio que possa ser feito. A ciência funciona assim, com discussões permanentes e em viva interacção com a sociedade. Lembro uma questão diferente, a fertilização in vitro, em que houve muitos adversários de início por ser antinatural e os bebes poderem nascer deficientes e hoje é um técnica segura a que recorrem por exemplo muitos casais inférteis.

S- Há limites éticos na clonagem de animais para investigações? Se sim, quais os limites que deveriam ser definidos e aplicados?

 CF- Claro que há. Não é fácil apontá-los em resumo pois são diferentes de país para país. O tipo de experiências que agora  se fizeram na China não poderia ter sido feito na União Europeia, pois as nossas normas o permitem. Mas não podemos querer impor as nossas normas de um modo universal, mas apenas tentar convencer os outros. Não há, de resto, um governo do mundo. Apesar de haver alguns casos de abusos éticos na ciência em vários sítios do globo - um caso notório foi a manipulação genética de embriões por CRISP (um assunto diferente da clonagem, porque neste caso há alteração genética) por um cientista chinês em 2018 que foi condenado e cumpriu pena - os cientistas têm um enorme cuidado com a ética, quer a geral quer a particular da ciência. Hoje há regulamentos e comités de ética onde quer que se faz ciência. Também na China, que se está a transformar numa potência da ciência e tecnologia - já publica mais artigos científicos que os EUA. O trabalho de clonagem recente foi publicado na "Nature Communications", revista de grande prestígio publicada no Reino Unido. Não o teria sido se tivesse havido qualquer indício de falta de respeito pelas normas éticas ou qualquer incorrecção científica. Um só trabalho em ciência diz alguma coisa, mas pouco: são precisos mais trabalhos para chegar a conclusões sólidas. Na clonagem do rhesus, seguiu-se uma técnica nova

S -     Em termos éticos, como a clonagem de macacos se compara com outras formas de testes em animais, e quais princípios devem guiar a tomada de decisões nesse cenário?

 CF- Há muitos testes em animais. Praticamente todos os avanços que hoje temos em biomedicina resultaram de testes em animais. As experiências de clonagem em primatas são muito poucas . Distinguem-se pelo seu grau de dificuldade técnica. E, claro, pelas maiores preocupações éticas que suscitam. A maioria dos testes de fármacos e de vacinas que se fazem cuidadosamente em humanos só acontecem depois de serem testados em aninais. Os ratinhos são os mais comuns, mas os primatas estão mais próximos geneticamente dos humanos. Há normas para o uso de animais em laboratório. Mas, ao contrário do que alguns grupos mais extremistas defendem, é impossível não fazer experiências em animais se queremos progredir na saúde humana: a nossa vida só tem tem sido, em média, maior e melhor por causa dos extraordinários avanços na biomedicina, baseados não apenas em teorias e simulações, mas principalmente em ensaios de laboratório com animais.

S-  Acredita que os benefícios científicos provenientes da clonagem de macacos justificam os potenciais dilemas éticos associados?

 CF- Não sei. É uma discussão em curso. Alguns cientistas dizem que sim. Alguns activistas dos direitos dos animais dizem que não. A E as normas éticas  normalmente evoluem em resultado dessa normal discussão.

S-.   Na clonagem de macacos, como podemos equilibrar os avanços científicos com a necessidade de respeitar a autonomia dos animais e evitar o sofrimento desnecessário?

 CF- Quer nessa quer noutras experiências de animais, esse balanço é sempre feito, embora de formas diferentes noutros países. Os cientistas têm de respeitar as normas éticas que resultam desse balanço. Se não respeitaram serão penalizados, podendo mesmos er banidos, quer pela comunidade científica quer pela própria sociedade.

S-   A clonagem de macacos pode levantar questões sobre o bem-estar desses animais. Como os princípios éticos podem orientar a maneira como abordamos essas preocupações?

CF- O bem-estar animal é, com certeza, uma questão em jogo e deve ser tanto quanto possível procurado. Mas há outras, como o bem-estar humano, que resulta do alargamento da ciência. A ética é precisamente a discussão dessas várias questões. Só se faz com essa discussão e nunca termina de ser feita. A seguir a umas questões virão outras. Teremos sempre problemas éticos. 

   S- Acha que a clonagem de macacos para testes em laboratório pode abrir precedentes para a clonagem de humanos?

CF- Espero bem que não.  Hoje é consensual em todo o mundo que a clonagem de humanos é uma má ideia, ainda que eventualmente seja possível, por prejudicar valores humanos. Sei que esse receio vem dos livros e romances de ficção científica (como "Admirável Mundo Novo» de Huxley), mas uma coisa é a imaginação artística e outra é a realidade. As histórias de ficção são úteis para nos alertar. A sociedade, informada pelos  cientistas, concorda com a proibição de quaisquer ensaios desse tipo. Os autores deste ensaio com os macacos rhesus concordam absolutamente e dizem que estamos muito longe dessa possibilidade, que poderá parecer próxima a um leigo. O que eles querem é fomentar a ciência e técnica, antevendo utilidades práticas. Mas, mesmo que estivesse próxima do ponto de vista científico-técnico, a sociedade - que somos nós todos - manda não tentar sequer nada em humanos. Esta é uma convicção universal.

S-.   Como é a comparação ética entre a clonagem de macacos para testes e a potencial clonagem de humanos para fins semelhantes?

CF- O caso da eventual clonagem humana - que não  podemos fazer nem devemos fazer -  levanta problemas muito mais graves do que a clonagem de macacos. Chamamo-nos homo sapiens, homem sábio, temos de mostrar sabedoria.

S- Considerando a clonagem de macacos para pesquisas neurológicas, qual é a sua perspetiva sobre os limites éticos relacionados à manipulação genética para estudar a cognição e comportamento?

CF- A proximidade genética entre primatas propicia o estudo neles de doenças neurológicas humanas. Por exemplo fármacos para doenças neurológicas fatais,  como o Alzheimer e o Parkinson, mentais - que são um mal que, sob diversas formas, está muito generalizado - são testados em primatas dentro de um quadro de normas éticas, que , como disse, varia com  a região e com o tempo.

S-   Como a clonagem de macacos para testes pode impactar a confiança da sociedade na pesquisa científica e quais medidas éticas poderiam ser implementadas para mitigar possíveis preocupações?

CF- O público tem confiança na ciência, embora haja aqui e ali alguma manifestação de desconfiança. Em Portugal assistimos  a um grande grau de confiança nas vacinação da COVID (em que se usaram vacinas revolucionárias de base genética), mais do que noutros países mais desenvolvidos. A confiança assenta na cultura científica, isto é, na percepção pela sociedade do que é a ciência. A escola deve proporcionar cultura científica, mas há outros meios como os de comunicação social. É preciso comunicar ciência com verdade, desmontando por exemplo as histórias de Frankenstein. E é preciso dizer que a ciência é uma dimensão humana, a que temos de acrescentar outras. A ciência funciona com ética: responde a problemas humanos e deve reflectir preocupações humanas.  os cientistas são seres humanos que respondem perante a humanidade. A ciência procura a verdade, e a ética - que está fora da ciência - procura a bondade. Não é apenas a ciência que nos salva, embora ajude muito: salvar-nos-á sobretudo a nossa consciência se a soubermos usar bem.


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