segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

«É nos laboratórios científicos que se prepara o futuro», lembra Carlos Fiolhais

Entrevista que dei à revista LÍDER:

É um decano em Física, um Professor e divulgador da ciência, talvez o cientista português pop mais acarinhado, não fosse também ele autor do podcast Ciência Pop, além de autor de manuais escolares, livros de divulgação  e artigos científicos. Os seus inigualáveis contributos na promoção da cultura científica não cabem em poucas linhas. Destaco a criação do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra, onde instalou o maior computador português para cálculo científico (Centopeia), e a direção da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Carlos Fiolhais é também conhecido como um “almocreve da cultura”, pela sua atitude intelectual de construir pontes entre pessoas das várias camadas etárias e das diversas disciplinas da Ciência.

Um verdadeiro otimista, para quem a conquista do conhecimento é infinita. Confia que a ciência continuará a progredir e que a nossa vida irá continuar a melhorar com base no conhecimento adquirido. É certo, para Carlos Fiolhais, que: «Sem a ciência e a tecnologia estaremos definitivamente perdidos».

E o Líder em Destaque da edição de inverno da Líder, que tem como tema “The Touch of the Future”.

Têm sido constantes e múltiplas as empreitadas da Humanidade para preparar o futuro. Quais foram as previsões mais erradas até hoje?

O futuro é sempre uma grande incógnita. Como disse o grande Físico Niels Bohr: “É muito difícil fazer previsões. Especialmente sobre o futuro.” São inúmeros os exemplos de previsões falhadas. No final do século XIX, houve quem pensasse que a Física estava terminada. Mas, no início do século, surgiu a Física moderna: a teoria quântica e a teoria da relatividade. Quando surgiu a aviação um grande chefe militar francês disse que não tinham qualquer valor para a guerra: nas primeira e segunda guerras mundiais foi o que se viu. Um almirante americano muito medalhado disse, na qualidade de especialista em explosivos, que a bomba atómica não iria explodir: em Hiroxima e Nagasáqui também foi o que se viu. Nos anos de 1960 e 1970 líderes de empresas como a IBM e a DEC previram, enganando-se redondamente, que não haveria mercado para computadores pessoais. Também no ambiente houve grandes previsões que falharam: como as previsões pessimistas sobre os recursos da Terra feita em 1972 pelo Clube de Roma. Para já não falar de muitas e variadas previsões do fim do mundo, que felizmente nunca aconteceram.

 O conhecimento tem-se revelado uma caixinha de surpresas. Que previsões nos pode dar a Ciência?

A Ciência, em particular a Física, fornece-nos leis que regem o funcionamento do Mundo. Com bases nelas podemos fazer previsões que não falham, como por exemplo a ocorrência de eclipses ou a trajetória de projéteis. Mas, quando os sistemas são complexos, como é o caso dos seres vivos, as previsões têm uma margem de incerteza. Nas Ciências Sociais e Humanos, essa incerteza é enorme. Nos seres humanos encontramos o máximo de imprevisibilidade.

 «O futuro vem aí e nós ainda não vimos nada. Vem aí a computação quântica», disse na Leadership Summit Portugal. Para que vai servir a computação quântica?

Os computadores quânticos, que já existem nos laboratórios (e é nos laboratórios científicos que se prepara o futuro!), vão ser muito mais rápidos do que os computadores do que hoje dispomos. Provavelmente não vão substituir os atuais, mas usados para resolver questões que exigem grande poder de cálculo. Podemos adivinhar que a computação quântica forneça o «músculo computacional» de que alguns problemas da inteligência artificial precisam.

Que problemas a Ciência tem vindo a resolver?

A Ciência organiza-se em várias disciplinas e em todas elas tem havido grandes avanços. Mas persistem inúmeras questões por resolver. Na Física sabemos hoje quais são os blocos constituintes do Universo e as forças com que eles interagem entre si, mas não sabemos o que são a energia escura e a matéria escura. Na Química sabemos fazer novos materiais, mas por exemplo ainda não temos modos muito práticos de guardar energia quimicamente. Na Biologia, conseguimos já prever a partir do código genético a estrutura das proteínas, mas ainda não sabemos como a vida começou. Na Medicina, conseguimos criar vacinas revolucionárias, como as da COVID-19, mas não sabemos quando e como será a nova pandemia. Prolongámos o tempo de vida dos humanos, mas ainda não curamos doenças como alguns cancros e o Alzheimer. Confio que a Ciência continue a progredir e que a nossa vida vai continuar a melhorar com base no conhecimento adquirido.

Há quem defenda que o futuro será bem melhor do que o conseguimos imaginar, uma vez que a Ciência e a Tecnologia, baseadas na inteligência humana, têm a capacidade de resolver os grandes problemas da Humanidade. Irá a Ciência e a Tecnologia salvar a Humanidade?

A Ciência e Tecnologia são apenas uma das dimensões da vida humana – com certeza, uma dimensão importante, mas longe de ser a única. Temos outras dimensões, como a Ética, o Direito, a Política, a Filosofia, a Religião, etc. Todas essas dimensões têm de se articular. Não são apenas a Ciência e Tecnologia que vão salvar a Humanidade, seja lá o que for salvar, mas sem eles estaremos definitivamente perdidos.

 Há uma espécie de batalha permanente pela superação. Onde devemos parar?

Toda a história da Ciência e Tecnologia nos mostra que há mais descobertas a fazer e que, portanto, o seu fim não está à vista. A conquista do conhecimento será provavelmente infinita. Quando respondemos a uma questão, abrem-se logo outras… Falamos, por isso, de progresso, cujo fim não está à vista. Mas progresso no conhecimento e na sua aplicação não significa necessariamente uma vida melhor para todos. São precisas, designadamente, e tendo em vista os valores e direitos humanos, solidariedade, bondade, humanidade.  Devemos parar não na aquisição do conhecimento, mas nas suas aplicações que prejudiquem os valores e direitos humanos. Como disse um médico e escritor francês do século XVI, François Rabelais, «Ciência sem consciência é ruína de alma.»

Vamo-nos transportar para o Futuro, quais vão ser as coisas mais transformadoras, que nem conseguimos imaginar que vão acontecer?

Ninguém previu a World Wide Web, feita pelos Físicos do CERN, na Suíça, em 1989, num projeto de Física fundamental. E ninguém previu a transformação profunda que ela causou na sociedade. Surgiram novas formas de comunicação, novos meios de acesso à informação e novas oportunidades de negócio. O Mundo mudou profundamente. É natural que novas surpresas voltem a acontecer.  Quais? Podemos imaginar muita coisa, mas a experiência adquirida até agora manda-nos ser prudentes se não queremos ser falsos profetas. E ser motivo para riso.

Mas o futuro não está isento de riscos. Quais serão os grandes perigos? 

Destaco três grandes desafios para a sociedade humana:  as alterações climáticas, a inteligência artificial e a edição genética. Todos eles representam perigos para a humanidade, mas temos a capacidade – digo mais, a responsabilidade - de evitar esses perigos.  Como não existe governo do Mundo, é difícil chegar a um entendimento global.

Está entusiasmado com o futuro?

Sim, estou. Quero estar no futuro para ver como é. Gosto de citar o Woody Allen quando ele disse: «Eu gosto muito do futuro, porque é lá que eu vou passar o resto dos meus dias.» Eu costumo dizer, para desafiar os meus amigos e conhecidos, que “o melhor ainda está para vir”. Mantendo sempre algum realismo, considero-me um otimista. Os cientistas costumam aliás ser otimistas, pois eles sabem que amanhã vão saber mais do que hoje e, com base nesse conhecimento alargado, poderemos viver melhor. Não está garantido, mas é nossa obrigação assumir e aprofundar essa possibilidade.

BI

Carlos Fiolhais, Professor catedrático de Física na Universidade de Coimbra

67 anos
Doutorado em Física Teórica (Universidade Goethe, Frankfurt am Main, Alemanha, 1982)

O que faz quando tem tempo livre? Ler, escrever, passear.

Livros da sua vida: Na Ciência: História do Átomo, de Rómulo de Carvalho; Cosmos, de Carl Sagan; A Nova Aliança, de Ilya Prigogine e Isabelle Stengers; e, fora da Ciência, Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll; Sinais de Fogo, de Jorge de Sena; Poesias completas, de Álvaro de Campos.

Podcasts: Os meus: Ciência Pop (com João Miguel Santos) e Mais lento do que a luz (com David Marçal).

Viagens de sonho:  Noruega, Islândia, Canadá.

Líder que o inspira: Albert Einstein.

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