Minha coluna no último JL:
Um sítio especial da minha
biblioteca contém livros sobre bibliotecas.
Foi o escritor argentino Jorge Luís Borges que disse que imaginava «o
paraíso como uma espécie de biblioteca». Assim, os lugares da Terra onde há bibliotecas
são uma espécie de paraísos. Alguns desses lugares distinguem-se pela sua particular
beleza. Os livros estrangeiros sobre «as
mais belas bibliotecas do mundo» incluem normalmente a Biblioteca Joanina da
Universidade de Coimbra e a Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra. É o caso do magnificente livro The World’s Most Beautiful Libraries,
do italiano Massimo Listri, mestre da fotografia de arquitectura e de ambiente (Taschen, 2018) De facto, essas duas bibliotecas são «joaninas»
por ambas estarem associadas ao rei D. João V: a Biblioteca Joanina coimbrã
começou a ser construída em 1717, tendo ficado concluído em 1728 (demorou até
1750, quando morreu o rei Magnânimo, para as estantes ficarem preenchidas com
livros e até mais tarde para abrir as portas), ao passo que a Biblioteca de
Mafra, cujo edifício começou a ser construído também em 1717 tendo ficado
concluído em 1730 (a biblioteca só ficaria completada, com a maioria dos livros
no seu sítio, no final do século XVIII).
O livro Bibliotecas.
Maravilhas de Portugal, da autoria do fotógrafo e editor Libório Manuel Silva
(CentroAtlântico.pt, 2013), exibe, através de belas fotografias, e após eloquente
prefácio de Eduardo Lourenço, as 21 “maravilhas” bibliotecárias do nosso país.
Como não podia deixar de ser, lá estão a Biblioteca Joanina e a Biblioteca do
Palácio de Mafra. Mas há mais maravilhas como as menos conhecidas Biblioteca
Pública de Braga, Biblioteca da Academia Militar, Biblioteca da Academia das
Ciências, Biblioteca da Assembleia da República e Biblioteca Pública de Évora
(refiro apenas algumas das que conheço, havendo outras que estão na minha
«lista de desejos»).
Acaba se sair do preço da mesma editora
o segundo volume dessa obra: Bibliotecas. Maravilhas de Portugal, vol.
II, bilingue como o primeiro (português-inglês), mas agora com o carácter
bilingue do livro patente na capa, pois o título inclui Libraries. Wonders
of Portugal. Tendo a mesma altura, o segundo volume é mais largo,
beneficiando a apreciação das fotografias. Desta vez o prefácio é do bibliófilo
argentino Alberto Manguel, o amigo de Jorge Luís Borges que decidiu recentemente
instalar a sua biblioteca em Lisboa. Curiosamente, Manguel dedica o seu texto a
Eduardo Lourenço, retribuindo a dedicatória que Eduardo Lourenço lhe tinha
feito há oito anos. E, ao resumir a história das bibliotecas portuguesas, não
se esquece de louvar as Bibliotecas Joanina e de Mafra. Desta vez, o
autor-fotógrafo surpreende-nos com uma série de fotografias de 22 bibliotecas portuguesas
que, em geral, são pouco conhecidas (três delas são antigas bibliotecas, pois são
espaços religiosos que hoje estão despidos de livros). Destaco algumas das bibliotecas
aqui reveladas e que tenho o gosto de conhecer: a Biblioteca da Casa de Mateus,
o Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, a Sala Chinesa da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, a Biblioteca Velha do Seminário Maior de
Coimbra, a Biblioteca Municipal Palácio Galveias, a Biblioteca da Imprensa Nacional – Casa da
Moeda, e o Arquivo Histórico e Biblioteca do Museu de Ciência da Universidade
de Lisboa. Mais uma vez fiquei com vontade de visitar aquelas que ainda não conheço.
Uma das bibliotecas que mais me surpreendeu
é precisamente aquela que está representada na capa e merecer uma longa menção
do autor na sua introdução (ao contrário do vol. I, Libório Silva não apresenta
uma descrição sumária de cada uma das bibliotecas). Trata-se da Biblioteca do Palácio
Patiño, em Alcoitão, Cascais, uma grandiosa mansão que foi adquirida nos anos
1950 pelo multimilionário boliviano Antenor Patiño (1896 - 1982), o «rei do estanho». Em 1961 ele
mandou fazer uma réplica em pequena escala da Biblioteca Joanina de Coimbra, que
tem também colunas em pirâmide invertida e abundante chinoiserie na espantaria.
Libório Silva descreve o baile de gala que teve lugar nessa palácio em 6 de
Setembro de 1968, precisamente o dia em que António de Oliveira Salazar entrou
de urgência no Hospital da Cruz Vermelha, um mês após ter sofrido uma queda no
Forte de Santo António, no Estoril. Convidados do faustoso baile eram estrelas
de cinema como Gina Lollobrigida, Zsa Zsa Gaboir e Audrey Hepburn e membros de famílias
reais como Margarida da Dinamarca, Irene
da Holanda e Soraia da Pérsia. O autor, que teve acesso à biblioteca Patiño em
circunstâncias que não relata, salienta que as suas fotografias são um
exclusivo, acrescentando que nada se sabe sobre o recheio dessa biblioteca.
Patiño ocupou a casa em 1981,
mas ela ficou desabitada em 2009, quando morreu a sua segunda mulher. A moradia
de luxo foi vendida em 2016 por 12 milhões de euros, estando hoje a propriedade
em redor ocupada com um condomínio de luxo. Esta cópia da Joanina foi, de facto, uma extravagância de um homem muito rico. Quando escrevi com Paulo
Mendes, um colega meu físico e excelente fotógrafo, o livro Biblioteca
Joanina. Universidade de Coimbra (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013),
não sabia da existência desta réplica.
Tirando o caso da Biblioteca Municipal de Galveias, em Lisboa, e da Biblioteca Municipal de Reguengos de Monsaraz, as bibliotecas do segundo volume são privadas ou institucionais, não estando em geral abertas ao público. Mas a Biblioteca Velha do Seminário Maior de Coimbra, uma pequena preciosidade, pode ser visitada no quadro do circuito turístico daquele seminário. É uma biblioteca barroca que acresce em Coimbra à Joanina. Curiosamente, uma biblioteca parecida com a Joanina, mas construída no século XX (1938) na Universidade de Coimbra, é a Sala Chinesa da Faculdade de Direito, inacessível aos turistas, mas mostrada no novo livro.
Recomendo o álbum de Libório
Silva que nos leva, com esplêndidas imagens, a sítios desconhecidos que merecem
ser conhecidos. Estou certo de que não serei apenas eu a querer visitar as bibliotecas desconhecidas mostradas
neste livro.
Carlos Fiolhais
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