sábado, 6 de fevereiro de 2021

QUE ME PERDOEM OS CRÍTICOS LITERÁRIOS

                                
“Casos, opiniões natureza e uso / Fazem que nos pareça nesta vida / Que não há nela mais que o que parece” (Luís de Camões).

 Acabo de ler que o escritor António Lobo Antunes  é dos 49 nomeados para o Prémio Literário Dublin 2004, com o livro: “Até que as pedras se transformem leves como a água” (Lusa, 04/02/2021).

Que me perdoem os críticos literários de eu simples sapateiro de Apeles ter escrito o texto, “Lobo Antunes e Saramago,duas personalidades nas antípodas” (“De Rerum Natura”, 04/02/2021). E, principalmente, reincida transcrevendo-o que a ocasião de júbilo para a literatura portuguesa entendo conceder. Assim:

“O post de Augusto Küttner de Magalhães António Lobo Antunes, aqui publicado em anterioridade, teve, entre outras, a legitimidade e a virtude de trazer para a discussão pública os traços de personalidade bem diferentes de “dois bons escritores portugueses” e de enfatizar o que de bom para as Belas-Letras os dois representam.

Uma coisa comum os irmana: o terem ambos estado recentemente em situação de doença grave, que fez perigar as suas vidas. Para António Lobo Antunes essa proximidade com a morte, julgo eu, tornou-o mais humano, e aproximou-o mais de Deus. No caso de José Saramago, julgo eu, ainda, exaltou-lhe a doxomania bem patente nas entrevistas que dá sobre os livros que publica numa espécie de mercantilismo literário.

Mas reconheço falecerem-me conhecimentos para penetrar na insondável mente humana e seus desígnios. A outros caberá essa missão que poderá explicar o sadismo de José Saramago em chocar a opinião pública com o seu deambular incansável em temas de carácter religioso arreigados no povo por tradição, como diria Fialho de Almeida, para se alcandorar ainda mais alto ao Olimpo da fama. Seja com a preciosa ajuda dos seus apoiantes incondicionais ou seja, ainda, no papel de vítima perante os que dele discordam, num país que, segundo ele próprio diz, incorre no risco de desrespeitar o direito à liberdade de opinião numa espécie de retorno a fogueiras inquisitoriais. E aqui a sua razão pode encontrar caboucos sólidos na opinião de um juiz norte-americano: “O direito à liberdade de expressão não protege o direito de ter razão, mas o direito a não a ter”. Ou seja, os que discordam da sua razão devem respeitar o direito de Saramago em não ter razão.

Aliás, as críticas que lhe são feitas devem alinhar pelo mesmo diapasão. Os que discordam dos seus obcecantes e desvairados ataques à fé cristã têm o direito a não terem razão ou de darem razão ao Papa Bento XVI: “Quem quiser fugir das incertezas da fé terá de suportar as incertezas da ausência de fé, e nunca poderá dizer que a fé não é a verdade”.

Falemos agora de António Lobo Antunes e dos seus traços de personalidade que o colocam nos antípodas de José Saramago. Ou melhor, deixemos ser Laurinda Alves a falar dele numa bela crónica, intitulada “É bom beijar um homem e eu não sabia” (“I”, 24/25 Outubro 2009), sobre uma entrevista dada na RTP a Judite de Sousa. Escreve ela, a certa altura:

“António Lobo Antunes, o escritor que não gosta de falar de si nem gosta particularmente de ser entrevistado, aceitou ir ao programa de Judite de Sousa na quinta-feira passada e deu uma entrevista colossal. Falou de livros e escritas, hábitos e gostos, amigos e programas, e também de homens e mulheres marcantes na sua vida. Disse coisas maravilhosas naquele seu tom grave, meio surdo. De quem por princípio desconfia mas acaba sempre por demonstrar uma ternura fundamental. (…) Falaram sobre tempos antigos e coisas de agora, divagaram sobre o sentido da vida, nomearam Deus e elevaram a conversa a níveis de transcendência. Tocaram fatalmente nas questões que envolveram a doença e a convalescença do escritor. ‘O que passei a fazer diferente? Olhe, passei a beijar os meus amigos. É bom beijar um homem e eu não sabia’”.

Aceitemos, pois, a dádiva divina (ainda mesmo que a Saramago não agrade, porventura, a expressão) de termos em nossa contemporaneidade dois vultos grandes da cultura, e aceitemos, também, os traços idiossincráticos de duas personalidades tão diferentes mas afinal tão próximas do génio que os caracteriza como património literário de uma aldeia global sem fronteiras. Perante a intransigência de José Saramago em aceitar os princípios da fé cristã não se deixará de cumprir o propósito do filósofo Martin Buber: 

"Deus não me pedirá contas de eu não ter sido Francisco de Assis ou mesmo Jesus Cristo. Deus vai-me pedir contas de não ter sido eu completa e intensamente”. 

Ora, inegavelmente, Saramago é uma personalidade que vive o seu eu “completa e intensamente”. Pelo menos por este lado, o Nobel da Literatura pode dormir descansado! (Fim de citação).

De Jean de La Buyére, a promessa, “sê atrevido e terás sucesso”. Apesar desta promissória que a tenho por enganosa, porque nem sempre cumprida, mais do que temo, apavoro-me que o leitor ponha a minha cabeça no cepo da opinião pública interrogando-me: Quem te mandou a ti, sapateiro, tocar rabecão correndo eu riscos que a promissória optimista de Jean de La Bruyére te não contempla? E o machado do carrasco decapita-me em pena merecida ou não, sem apelo nem agravo! Até para evitar veleidades minhas futuras.

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