Minha intervenção nos "Diálogos com António", que acaba de sair na Revista "Mensageiro de santo António": Uma das indeléveis etapas históricas da Europa foi a Idade Média cristã. Foi no extraordinário século XIII, que viveu Santo António, o português de maior fama global. A ordem em que ele entrou em 1220 tinha sido fundada por São Francisco de Assis 11 anos antes.
Não foram frades menores alguns membros dessa
ordem: basta referir, nesse século, São Boaventura
e Roger Bacon, o primeiro filósofo e teólogo
e o segundo físico experimental quando ainda
inexistia tal ofício. Nesse século viveu também
um outro português global, Pedro Hispano, que,
com o nome de João XXI, foi o primeiro e único
papa português. Tal como Santo António, nasceu
em Lisboa e andou por terras de Itália e França.
Foi na Idade Média que surgiu, ligada à Igreja,
uma instituição que hoje perdura, por se ter sabido
renovar: a Universidade. Criada em 1290, a
Universidade de Coimbra resultou de uma petição
ao rei dirigida pelos superiores de São Vicente
de Fora (Lisboa), de Alcobaça e de Santa
Cruz de Coimbra: lembro que Santo António foi
de São Vicente para Santa Cruz, num percurso
que Gonçalo Cadilhe descreve num livro recente.
Depois da Idade Média, a Europa foi também
a pátria do Renascimento, onde o humanismo
floresceu e a Revolução Científica despontou,
do Iluminismo, onde a razão se afirmou como
baluarte da mente e a ideia de progresso se consolidou,
e da Revolução Francesa, cujo lema se
mantém atual.
A ideia dos Estados Unidos da
Europa, que Vítor Hugo avançou,
em 1849, no Congresso
Internacional da Paz, está em
boa parte consubstanciada
na União Europeia, que tem
proporcionado paz e desenvolvimento
após duas guerras
devastadoras. Hoje podemos
andar em boa parte da Europa
sem trocar de moeda nem
mostrar cartão de identidade.
No entanto, o futuro europeu
está enublado: não
há suficiente coesão
(veja-se a falta de
ajuda a Itália
no pico da
pandemia),
a liderança política é débil, os
nacionalismos espreitam e a
democracia liberal corre riscos.
Não se sabe bem como é que
os estados da União vão continuar
unidos.
Portugal, pela sua posição geográfica,
nunca teve uma relação
fácil com a Europa. Largando o
continente, os Portugueses souberam,
nos séculos XV e XVI,
empreender a primeira globalização,
ao descobrir novas terras
e novas gentes e ao colocar
a cultura europeia em diálogo
com outras. Foram
missionários
alguns
dos primeiros
europeus a chegar
por mar à
Índia, à China
e ao Japão, onde
havia antigas
civilizações.
Semeando a Revolução Científica
na China, foi o jesuíta
Manuel Dias que, em 1614,
publicou, em mandarim, as
descobertas astronómicas que
Galileu tinha feito cinco anos
antes. Mas, muito antes, já os
franciscanos tinham estado no
Império do Meio: o franciscano
João de Montecorvino chegou
à China em 1294.
Apesar da denúncia, pela geração
de 70, da distância que nos
separava da Europa, os nossos
séculos XIX e XX foram, em
grande parte, tempos de isolamento.
O Estado Novo cultivou
a ideia do “orgulhosamente
sós,” sustentando-a com a
grandeza geográfica: havia um
mapa da Europa coberto com
as “províncias portuguesas”, do
Minho a Timor. A 12 de Junho
de 1985, véspera do dia de Santo
António, com a assinatura
de Mário Soares no Mosteiro
dos Jerónimos, voltámos finalmente
a ser europeus.
Tem sido a Europa que nos tem ajudado à modernização,
erguendo não apenas um sistema
de infraestruturas mas também um sistema de
ciência.
Terá a Europa futuro? Olhando para o globo,
concluo que a única alternativa à Europa é ela
própria. Oxalá ela – e nós nela e com ela – se saiba
reconstruir, reformular, reciclar, consciente da
sua longa e rica história. Vários tipos de reciclagem
já nela ocorreram, como lembrou Eduardo
Lourenço: “Podemos sempre reciclar-nos, porque
este é o continente de Platão, de São Tomás
de Aquino, das catedrais e de Galileu”.
Nesse processo, podemos, em Santo António,
colher duas lições:
Uma é a relevância da circulação internacional.
A viagem leva-nos ao encontro do outro e, sem
ela, este não passará de realidade virtual. A outra
é o valor da palavra. Os seus sermões são grandes
testemunhos do poder da palavra. O que falta à
Europa para ela ter futuro e
nós termos futuro nela?
Faltam palavras mobilizadoras
de futuro, palavras
que criem o desejo
comum de futuro.
Quando a construção
do futuro europeu
se afigura
hercúlea, o que
fazer? O que se
puder. Disse
Santo António:
“Quem
não pode fazer
grandes
coisas faça ao
menos o que
estiver na medida
das suas
forças, certamente
não
ficará sem recompensa”.
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