sábado, 10 de novembro de 2018

JAZIDA COM PEGADAS DE DINOSSÁURIOS DE CARENQUE


Para vergonha do “Instituto de Conservação da Natureza”, a jazida com pegadas de dinossáurios Pego Longo (Carenque) que, há 21 anos, por solicitação minha, em nome do Museu Nacional de História Natural, classificou como MONUMENTO NATURAL (Dec. Nº 19/97, de 5 de Maio), encontra-se no mais confrangedor abandono, convertida, de novo, em vazadouro clandestino e densamente invadido pela vegetação autóctone, mais parecendo uma selva conspurcada por lixo.

Diz o diploma legal que criou este Instituto (agora também, ilogicamente, dito “das Florestas”), que é de sua competência zelar pela protecção e conservação dos Monumentos Naturais que oficialmente classifica.

Uma vergonha!

Esquecidas também dos poderes local (a autarquia sintrense) e central, as pegadas de dinossáurios de Pego Longo (Carenque), em fase acelerada de destruição, estão bem vivas na mente de todos os que, como eu, sabem do que estão a falar, ou seja, os geólogos, docentes e investigadores nacionais nesta área científica e todos os especialistas internacionais que aqui acorreram, das Américas à China e à Mongólia, sem esquecer, claro, os nossos vizinhos da Europa. Estão, ainda, no coração de todos os que respeitam os valores da Natureza.


A luta pela defesa desta jazida paleontológica, que ficou conhecida por “Batalha de Carenque”, remonta a 1986, (há 32 anos, portanto) quando dois finalistas da Licenciatura em Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa, Carlos Coke e Paulo Branquinho, meus ex-alunos, descobriram um vasto conjunto de pegadas de dinossáurios no fundo de uma pedreira abandonada, na altura a ser usada como vazadouro de entulhos e lixeira clandestina, em Pego Longo, concelho de Sintra, na vizinhança imediata de Carenque.

Esta importante jazida paleontológica corresponde a uma superfície rochosa com cerca de duas centenas de pegadas, de onde sobressai, pela sua excepcional importância, um trilho com 132 metros de comprimento, no troço visível, formado por marcas subcirculares, com 50 a 60cm de diâmetro, atribuídas a um dinossáurio bípede. Além deste, considerado na altura o mais longo trilho contínuo da Europa, identificaram-se, na mesma superfície, pegadas tridáctilas atribuíveis a carnívoros (terópodes), parte delas igualmente organizadas em trilhos. O chão que suporta estas pegadas corresponde ao topo de uma delgada camada de calcário do Cretácico (com cerca de 92 milhões de anos), com 10 a 15cm de espessura, levemente basculada para Sul. Muito fracturada (à escala centimétrica), esta camada assenta sobre uma outra, bem mais espessa, de natureza argilosa, condições que dão grande fragilidade a esta camada e, portanto, a esta jazida.

Para além das consequências inevitáveis de degradação decorrentes do uso deste enorme buraco como vazadouro, fui alertado, em Maio de 1992, para o facto de o traçado da então projectada Circular Regional Exterior de Lisboa (CREL) vir a destruir a maior parte do trilho principal, precisamente no seu troço mais interessante. Louvavelmente, a Brisa, empresa interessada neste processo, apercebeu-se do valor patrimonial em causa, mantendo-se em consonância com o Museu Nacional de História Natural na procura de soluções que corrigissem uma tal situação, não desejável.

Após uma longa batalha, de que a comunicação social de então deu ampla divulgação, a abertura dos túneis de Carenque foi, finalmente, a solução aceite pelo governo, representando para as finanças públicas um esforço acrescido, na ordem de um milhão e seiscentos mil contos (8 milhões de euros), merecedor de aplauso. Dois anos e meio depois, a 9 de Setembro de 1995, o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva inaugurava a CREL, tendo tido a atenção de me incluir na comitiva que com ele percorreu os túneis de Carenque sob as pegadas de dinossáurios que tanta tinta têm feito correr. Terminava, assim, uma primeira batalha entre os cifrões e a cultura científica, de que esta, em boa hora, saiu vitoriosa.

Mas a guerra não ficou ganha. Há, ainda, como todos sabemos, uma última batalha que é imperioso e urgente ganhar. Ganhá-la passa pela conveniente musealização do sítio, cujo projecto de arquitectura, “Museu e Centro de Interpretação de Pego Longo (Carenque)”, da autoria do Arqº. Mário Moutinho, aprovado pela Câmara de Sintra em 2001 (sob a presidência de Edite Estrela), aguarda há 17 (dezassete) anos o necessário cabimento de verba.

Desde então, com a queda da presidência do PS para o PSD, nada mais foi feito. Simpático, acolhedor e, até amistoso no modo como sempre me recebeu, Fernando Seara nada fez pela salvaguarda deste importante geomonumento. Idêntico tratamento recebi, mais recentemente, de Basílio Horta, mas, infelizmente, tudo continua nos esquecimento. O desinteresse destes senhores pela cultura científica é evidente e lamentável.

A concretização deste projecto não necessita ser encarada em bloco. Pode ser faseada no tempo, começando pelas peças mais urgentes e atractivas. Não é compreensível ter-se dispendido tanto dinheiro na abertura dos túneis, para salvaguarda da jazida, e não viabilizar, agora, o financiamento necessário à conclusão da obra prevista e tirar dela os dividendos culturais e pedagógicos que é lícito esperar como potencial pólo de atracção turística.


Passados 32 anos sobre a sua descoberta, o trânsito automóvel flui normalmente sob um raro e valioso património, lamentavelmente deixado ao abandono. Entretanto, a jazida degrada-se sob a vigência de uma administração cega, surda e muda, indiferente aos milhões já ali investidos, não obstante a obra em falta representar muito pouco face à cifra já gasta com a abertura dos túneis.

E quando, em nome dos euros, se argumenta contra este empreendimento, podemos responder com o enorme potencial turístico desta jazida. A topografia do terreno permite uma boa adaptação do local aos fins em vista, dispondo do lado SW de um pequeno relevo (residual da exploração da pedreira) adaptável, por excelência, a miradouro, de onde se pode observar, de um só golpe de vista e no conjunto, toda a camada – uma imensa laje pejada de pegadas – levemente basculada no sentido do local do observador, numa panorâmica de justificada e invulgar grandiosidade. Em acréscimo deste significativo potencial está o facto de a jazida se situar na vizinhança de uma grande metrópole e numa região de intensa procura turística (Sintra, Queluz, Belas) e, ainda, o de ser servida por duas importantes rodovias, a via rápida Lisboa-Sintra (IC-19), por Queluz, e a Circular Regional Externa de Lisboa (CREL-A9) que a torna acessível pelo nó de Belas e, no futuro, mais comodamente, pelo nó de Colaride.

O reconhecimento desta jazida como valioso e excepcional relíquia geológica e paleontológica, à escala internacional, é hoje um dado adquirido. Assim e tendo em conta a condição privilegiada da região sintrense e a sua classificação, pela UNESCO, como Património Mundial, justifica-se todo o envolvimento que possa surgir, por parte das administrações local e central, nesta realização, que transcende não só as fronteiras da autarquia, como também as do País.

Todos sabemos que os dinossáurios constituem um tema de enorme atracção entre o público e que qualquer iniciativa neste domínio da paleontologia está votada ao sucesso. Nesta realidade, a Jazida de Pego Longo, convenientemente adaptada a uma oferta de turismo da natureza, de grande qualidade e suficientemente bem equipada e promovida, garante total rentabilidade a todo o investimento que ali se queira fazer.

Pela minha parte, continuo a oferecer, graciosamente (como sempre fiz), o meu trabalho na concretização deste projecto. Como cidadão profundamente envolvido nesta causa, sinto-me no dever e no direito de nela voltar a insistir. Esquecidas dos poderes local e central, as pegadas de dinossáurios de Carenque estão bem vivas na mente de todos os que, como eu, sabem do que estão a falar, ou seja, os geólogos, docentes e investigadores nacionais nesta área científica e todos os especialistas internacionais que aqui acorreram, das Américas à China e à Mongólia, sem esquecer, claro, os nossos vizinhos da Europa. Estão, ainda, no coração de todos os que respeitam os valores da Natureza.

Lembrando a sessão de dia 11 de Fevereiro de 1993, no Parlamento, sob a presidência do, para mim, saudoso Prof. Barbosa de Melo, na qual foi votada, por unanimidade (coisa rara), a recomendação ao executivo, no sentido da salvaguarda desta jazida paleontológica, apelo, uma vez mais, ao governo e à autarquia sintrense que reúnam vontades e interesses a fim de que se não perca este valioso património tão antigo quanto cento e doze mil vezes a História de Portugal.

A M Galopim de Carvalho

Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...