Meu artigo no mais recente "M(A)GAZINE", jornal das actividades de âmbito cultural do El Corte Inglês (na imagem o planisfério de Cantino):
Comemoram-se este ano 600
anos da data, 1418, em que os navegadores João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira chegaram à ilha
de Porto Santo, no arquipélago da Madeira. A partir dessa de então, nos séculos
XV e XVI, os portugueses escreveram a sua página mais brilhante na história do mundo.
Portugal estava numa posição privilegiada para ser pioneiro a enfrentar o mar
desconhecido. Escreveu Camões. “Eis aqui,
qual come da cabeça/ De Europa toda o Reino Lusitano/ Onde a Terra se acaba e o
mar começa.” Em 1474-75 os portugueses
eram os primeiros a atravessar o equador, descobrindo que havia lá gente e que,
portanto, as zonas tórridas eram habitáveis, ao contrário do se supunha. Em 1498
Vasco da Gama era o primeiro europeu a chegar à Índia por mar. Em 1500 Pedro Álvares Cabral chegava ao Brasil,
quando ia a caminho da Índia. Uma parte da América do Sul fica nos antípodas de
uma parte da China, pelo que, ao contrário do que os antigos julgavam, podia
haver gente nos antípodas. Antes de Gama e Cabral, em 1472, Colombo, um genovês
ao serviço da coroa espanhola, tinha chegado à América (o nome só foi dado no
século seguinte), pensando ter alcançado a Ásia por ocidente.
Foi o tempo dos Descobrimentos, que hoje é interpretado como o tempo da
pré-Revolução Científica, isto é, o tempo em que os valores da observação e da
experiência se começaram a afirmar. “A
experiência, que é a madre das cousas, nos desengana e de toda a dúvida nos
tira,” escreveu Duarte Pacheco Pereira. A palavra “descobrir” apareceu pela
primeira vez em língua portuguesa, como chama a atenção o historiador David Wootton
em A Invenção da Ciência. Segundo
ele, a palavra começou a ser usada em português em 1484, tendo aparecido em
1551 pela primeira vez no título de um livro,
a História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, de Fernão
Lopes de Castanheda. Em francês só apareceria na capa de um livro em 1553, em inglês
1563 e em alemão em 1613. Os portugueses descobriram novas terras, novas
espécies, novas culturas e até… novo céu (Pedro Nunes dixit). Não admira por isso que o geógrafo Jared Diamond tenha
afirmado recentemente em Lisboa: “Se
Lisboa só pudesse ter um museu, esse museu devia ser o das descobertas.” É,
porém, um museu que ainda não existe…
Mas, nesse grande empreendimento a que se chama primeira globalização pois
sítios remotos do globo passaram a ficar em contacto, sobressai um aspecto que
foi essencial para a formação do mundo moderno. Em 1513 o mercador Jorge
Alvares desembarcou na China, tentando estabelecer comércio que de início foi proibido,
por não respeitar as leis chineses. Mas, pouco a pouco, através não só de
comerciantes, mas também e principalmente de missionários (portugueses ou
estrangeiros que tinham de passar por Portugal por ser o único sítio europeu de
onde se podia ir para a Índia, China ou Japão), houve trocas civilizacionais
com a China seguidas de trocas, a partir de 1542, com o Japão. Esse intercâmbio
permitiu levar para Oriente a Revolução Científica que então se afirmava na
Europa. O telescópio e o relógio mecânico foram levados para Oriente como que
retribuindo o papel e a bússola que os chineses tinham dado aos europeus. Se
hoje a China é um país triunfante na economia mundial, tal se deve à sua
ciência e tecnologia, cuja semente foi lançada nos séculos XVI e XVII.
No novo curso “História da Ciência em Portugal” que vou realizar no El Corte Inglês, entre Novembro e
Janeiro, irei descrever, em mais pormenor, a marca que, nos séculos XV e XVI, os
portugueses inscreveram no mundo.
1 comentário:
Bom, entendendo "globalização" nesse sentido lato de exploração, descobertas e intercâmbio cultural, a primeira globalização foi Viking: da Terra Nova à Ucrânia, passando pela Gronelândia, Islândia, Galiza, Mediterrâneo, os Vikings percorreram por mares e rios uma parte importante do planeta, alargando muito o mundo conhecido à época. É verdade que não converteram essa epopeia em Ciência e Cultura, mas os Portugueses também não - desbarataram tudo em ostentação. Na verdade, a única diferença relevante foi na cartografia, que avançou muito nas Descobertas mas que os Vikings, mais de 5 séculos antes, obviamente não dominavam.
É de qualquer modo abusivo, 'patrioteiro', reivindicar o mérito de uma globalização para que até Veneza ou a Hansa contribuiram muito mais.
Enviar um comentário