segunda-feira, 9 de abril de 2018

"Estar em casa" de Adília Lopes


Adília Lopes, o pseudónimo literário de Maria José Viana Fidalgo de Oliveira (Lisboa, 1960), é uma das mais originais poetas contemporâneas. Consultada a Wikipédia ficamos a saber que é filha de uma assistente de Botânica da Universidade de Lisboa e de um professor do ensino secundário e que frequentou sem ter concluído o Curso de Física daquela Universidade. O seu primeiro livro de poemas é de 1985 ("Um jogo bastante perigoso"). A sua obra reunida, intitulada "Obra" é de 2000 (Mariposa Azul). Há uma nova edição actualizada intitulada "Dobra" (Assírio em Alvim, 2009, 1.ª edição e 2010, segunda edição). Depois da dobra Adília Lopes tem continuado a publicar:

  • Manhã (Assírio & Alvim, 2015)
  • O Poeta de Pondichéry (Assírio & Alvim 2015 - Coleção: Assirinha; com desenhos de Pedro Proença)
  • Bandolim (Assírio & Alvim, 2016)
  • Z/S (Averno, 2016)

O último volume, acabado de sair na Assírio e Alvim, intitula-se "Estar em casa". Na linha de "Bandolim", não parece um livro de poesia. São aforismos, jogos de palavras, pequenas histórias, apontamentos, pequenas histórias e recordações de infância. A dedicatória é à sua gata Lu. Inclui fotografias dos avós e da pequena Maria José, sozinha e com o pai.

A ciência, tal como noutros li aparece amiúde, tal como a abrir uma citação do professor de Matemática José Sebastião e SIlva na p. 13 e do físico e padre jesuíta francês Noê Regnault na p. 20, a referência á física do balançar das flores na p. 42, três textos com curiosas discussões matemáticas ("54-45", "O Calendário" e "O Um") nas pp. 64-69, um comentário de um biofísico sobre o computador ("é um monstro") na p.  72, e o jogo de palavras "eclipse/elipse, na p. 75. Mas na maior parte das páginas não há ciência nenhuma: há memória, lirismo, por vezes nonsense.

Admirador da sua "Obra" ou "Dobra", conforme lhe queiram chamar, destaco aqui dois textos de prosa poética, os dois referentes a cenas domésticas:

O BULE

"Tenho um bule de que gosto muito, que acho muito bonito. Mas de repente do que gostei mais foi de reconhecer a sombra do bule nas costas de uma cadeira, ae dar com a sombra do bule. É fácil dizer que lembra uma ave. Mas é o que está certo dizer. Essa repentina ave, estou a lembrar um verso, deu-me muita paz. Ao fim da tarde, depois de os amigos se terem ido embora, a sombra do bule fez-me ver como sou feliz às vezes."

(p. 59)

"A Lu estava a morrer e quis ir à janela apanhar Sol. De repente estava a olhar com muita atenção o almeida a varrer as folhas lá em baixo na rua.

De uma vez demorei-me mais, ao voltar a casa, a Lu pôs-me uma pata no peito com muita força. A Lu amava-me muito. Acho que só os animais são capazes de amar assim tanto. Eu não sou capaz."

(p. 79)

Há coisas que a ciência não consegue dizer. Mas a poesia consegue. 

13 comentários:

Anónimo disse...

De facto, a ciência é feia.

Anónimo disse...

Cada uma é pro que nasce!

Anónimo disse...

"Acho que só os animais são capazes de amar assim tanto. Eu não sou capaz.""
Horror!!

Anónimo disse...

Eu só sou capaz de amar animais.

Anónimo disse...

O cão Zico?
José

Anónimo disse...

E eu, quando dava aulas no Ribatejo, comi muitas vezes sopa de pedra!!!

Anónimo disse...

E depois da sopa um belo bife de animal (que eu amava!).

Anónimo disse...

Um bife mal passado, mas muito bem temperado com cabeças de alho!

Anónimo disse...

O meu gato vai acabar no prato.

Anónimo disse...

Ah-aja pa-ciência para anó-nimos pro-que
MJ

Anónimo disse...

Que desgosto para a Adília e para o Carlos.

Anónimo disse...

Pro que der e vier!
Como dizia Sophia Andresen:
"As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas"

Carlos Ricardo Soares disse...

É assim que o poeta é
a motivação do poeta
para ser poeta é
do mais sagrado que há
quem o tome por louco
que diz coisas estranhas
quem o não entenda
quem se ria
quem desdenhe
quem tolere
o poeta "trabalha pro bono"
por vezes com sacrifício da própria vida
a sua motivação não o implica com a desumanidade
nem com os ataques mortíferos e destruidores à natureza
nem com a ignorância e o amorfismo
o poeta não pretende roubar nada
nem tirar nada a ninguém
nem pretende ficar calado e quieto
quando é preciso ser alguém.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...