sexta-feira, 6 de abril de 2018

"Um grande sol aproxima-se a nado"


"Um grande sol aproxima-se a nado" é um pequeno livro de poemas de Ângelo Alves, professor de Física e colaborador deste blogue. O Ângelo, que foi meu aluno, é um apaixonado da literatura, em particular da poesia, conhecendo bem a obra tanto dos poetas internacionais como nacionais. Este livro saído em 2017 na editora Temas Originais é o seu 5.º livro de poesia. O primeiro foi "Doidivino" (Temas Originais, 2012), ao qual se seguiram ("Falo do fundo", 2014, Papiro), "O Leve Odor dos Noveleiros" (Temas Originais, 2016) e "O Grande Nada Azul, (Temas Originais, 2016).

O título do último livro inspira-se num verso do poeta Paul Célan (1920-19670), do livro "A Rosa de Ninguém"(no original "Die Niemandsrose", 1963) . Célan, nascido na Roménia, viveu boa parte da sua vida na rança, mas escreveu em alemão. Sobrevivente do Holocausto, suicidou-se por afogamento no rio Sena aos 49 anos (resultado talvez de doença mental que o assolava), após ter revelado um enorme talento literário, reconhecido por alguns prémios.

Curiosamente, também há uma Rosa nos poemas de Ângelo Alves reunidos nesta sua obra. E é uma Rosa de ninguém:

"Dei o nome Rosa
À minha solidão.

E, como o xaile negro
Que roça o jardim
E vai ornamentar
O puro coração,
Amo-a com desespero
E a vejo brotar.

E agora sinto
O abismo da cova,
A terra, o caixão,
A entrega do sino
E a pedra velada
P'la minha solidão."

Palavras simples, que exprimem sentimentos intensos. O mar e o Sol sobre o mar (na capa, a preto e branco porque a colecção se intitula "Preto no Branco", talvez seja o Sol de Quiaios) têm também uma presença intensa no livro.:

"O poema é a espera
Melindrosa de escuma.
O poema é uma criança
Que na escuma se ateia,
Eo mar a avançar como sol.

O poema é sol e a escuma -É a criança do mar.
E da areia."

Há uma Rosa que terá aparecido a rivalizar com o Sol sobre o mar:

"Os seios bagoados -
Os meus olhos brotando,
Bago a bago,
O mar magoado.
Oscular os seios dourados
E fazer de cada dedo
Um barco, um barco... -
O meu sonho gorado."

O encontro foi fugaz e só perdura nos poemas:

"Olhámo-nos, enquanto uma vaga
Nascia no horizonte
E expirava  no areal.

Olhámo-nos, enquanto uma lapa
Se alapava no sol
E voltava ao sal."

O Ângelo está muito longe de estar isolado como autor de formação científica que escreve poesia. A ciência não chega evidentemente para descrever a vida, as intensas ainda que fugazes experiências de vida (seja a vida verdadeiramente vivida ou a vida mental, pois "o poeta é um fingidor"). Mas leiam s outros poetas se conseguirem o livrinho, uma raridade.

Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...