domingo, 18 de dezembro de 2016

"Nessas circunstâncias só nos resta ir para o inferno!"

Na sequência de mensagem anterior.
"Por ocasião de uma conferência que realizei há uns anos na Alemanha tive o ensejo de conhecer o responsável de uma cadeia [de televisão] que se deslocara para me ouvir juntamente com alguns colaboradores (...). Durante a nossa discussão fez afirmações inauditas, que se lhe afiguravam naturalmente indiscutíveis. «Devemos oferecer às pessoas o que elas esperam», afirmava, por exemplo, como se fosse possível saber o que as pessoas pretendem recorrendo simplesmente aos índices de audiência.Tudo o que é possível recolher, eventualmente, são indicações sobre as preferências dos telespectadores face aos programas que lhe são oferecidos. Esses números não nos dizem o que devemos ou podemos propor, e esse director da cadeia também não podia saber que escolhas fariam os telespectadores perante outras propostas. De facto, ele estava convencido de que a escolha só seria possível no quadro do que lhe era oferecido e não perspectivava qualquer alternativa. Tivemos uma discussão realmente incrível. A sua posição afigurava-se-lhe conforme os «princípios da democracia» e pensava dever seguir a única direcção compreensível para ele, a que considerava «a mais popular». Ora, em democracia nada justifica a tese deste director de cadeia, para quem o facto de apresentar programas cada vez mais medíocres corresponde aos princípios da democracia, «porque é o que as pessoas esperam». Nessas circunstâncias só nos resta ir para o inferno!" 
Estas palavras são do filósofo Karl Popper, registadas num pequeníssimo livro Televisão: um perigo para a democracia, em colaboração com John Condry, datado de 1993/94 ( a edição portuguesa é da Gradiva, 2012). Não é uma declaração contra a televisão, ou a favor da censura em televisão, mas contra a ignorância que já, à altura, invadia esse meio de comunicação que chegou como nenhum outro a toda a gente. E continua...
"A democracia (...) não é mais do que um sistema de protecção contra a ditadura, e nada no seio da democracia proíbe as pessoas mais instruídas de comunicarem o seu saber às que o não são. Pelo contrário, a democracia sempre procurou elevar o nível de educação; é essa a sua autêntica aspiração. As ideias deste director de cadeia não correspondem em nada ao espírito democrático, que sempre foi o de oferecer a todos as melhores possibilidades e oportunidades. Inversamente, os seus princípios conduzem a propor aos telespectadores emissões cada vez piores, que o público aceita desde que se lhes acrescente violência, sexo e sensacionalismo. De facto, quanto mais uso se fizer deste género de ingredientes, mas se incita as pessoas a voltarem a pedi-los. E, como estas práticas são as que os produtores compreendem melhor e as que suscitam mais facilmente a adesão do público, renunciamos a propostas mais exigentes. Contentamo-nos em acrescentar pimenta aos programas. E um director de cadeia acredita ter resolvido o problema desta forma. Foi o que aconteceu ao longo dos anos desde que a televisão surgiu: acrescenta-se sempre mais pimenta aos pratos de má qualidade para disfarçar o seu gosto detestável ou insípido."

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