Meu artigo no último "As Letras entre as Artes":
Ao filósofo Demócrito, dos
séculos V e IV antes de Cristo, é atribuída a frase: “Por definição há cor, há doce e há amargo, mas na realidade só há átomos e espaço
vazio”. Distinguimos as cores, o vermelho do azul por exemplo, mas o
que são elas no fundo? E qual é a sua relação
com os átomos?
O grande físico inglês Isaac
Newton, em finais do século XVII e inícios do século XVIII, tentou responder a estas questões a partir
das suas investigações experimentais com um prisma de vidro: um feixe de luz branca
do Sol, disperso pelo prisma, originava todas as cores do arco-íris (não sete,
mas em rigor infinitas), formando o “espectro de luz”. Vale a pena ler o relato
da sua experiência nos Philosophical Transactions da Real Sociedade de Londres:
“Para cumprir minha promessa anterior, devo
sem mais cerimónias informar que, no começo do ano de 1666 (época que me
dedicava a polir vidros óptico de formas diferentes da esférica), obtive um
prisma de vidro rectangular para tentar observar com ele o célebre fenómeno das
cores. Para este fim, tendo escurecido o meu quarto e feito um pequeno buraco
na minha janela para deixar passar uma quantidade conveniente de luz do Sol,
coloquei o meu prisma numa entrada para que ela [a luz] pudesse ser refractada para a parede oposta. Isso foi
inicialmente um divertimento muito prazenteiro: ver todas as cores vivas e assim
intensamente produzidas, mas, após um tempo dedicando-me a estudá-las mais
seriamente, fiquei surpreso por vê-las…”
Newton pensava que a luz era formada por
corpúsculos (átomos, num certo sentido) e que a corpúsculos de tamanhos
diferentes correspondiam cores diferentes, por atravessarem o prisma de modo
diferente. Para ele, a cor era uma propriedade da luz e não dos corpos. Vemos,
por exemplo, um corpo vermelho, porque ele reflecte para nós luz com essa cor
(para Newton seria feita de corpúsculos ”vermelhos”). Se o branco dá as cores, as cores também dão o branco: O
chamado disco de Newton (um círculo com as cores do arco-íris), quando posto a
girar, é visto como branco.
À teoria de Newton reagiu, no início do século
XIX, o escritor alemão Wolfgang von Goethe. Para eles as várias cores da luz
nunca poderiam dar branco, ao contrário do que pretendia Newton. Goethe
observou, tal como Newton, o comportamento espectral da luz, mas discordando dele,
tentou formular uma teoria alternativa. O resultado foi o seu livro de 1810, A Doutrina das Cores. Para Goethe, o
vermelho era a impressão causada no nosso olho por uma luz branca que tinha
atravessado um meio translúcido como o prisma. Para Newton a cor era uma
propriedade objectiva da luz, ao passo que para Goethe ela era uma propriedade
subjectiva no olho. Na visão de Goethe, dado o imprescindível papel do sujeito,
o objectivo e o subjectivo, se quisermos ciência e poesia, não eram facilmente
dissociáveis. O homem faz parte da Natureza e, sem o considerar, não se poderia
compreender a Natureza. Como escreveu no
poema A Natureza:
“Natureza! Por ela rodeados e a ela
ligados, não nos é permitido sair do seu amplexo, nem penetrar nela mais
profundamente. Sem lho pedirmos e sem nos avisar, ela acolhe-nos no vórtice da
sua dança, e lança-se connosco, até que cansados, caiamos nos seus braços.”
Do ponto de vista científico, Newton estava
basicamente certo e Goethe errado. A teoria das cores de Goethe não conseguiu
competir com a teoria de Newton. No século XIX, a teoria corpuscular da luz
foi, porém, substituída pela teoria ondulatória: a luz não é formada por
corpúsculos, mas sim por ondas e as ondas correspondentes, tendo luzes de diferentes
cores diferentes comprimentos de onda (o comprimento de onda é a distância
entre dois altos sucessivos de uma onda). Mesmo substituindo partículas por
ondas, o fundamental da teoria da cor de Newton permaneceu intacto: a cor é uma
propriedade da luz e a luz branca resulta da soma de luz de várias cores.
Foi preciso chegar ao século XX para, com a
teoria quântica, se perceber a relação profunda entre luz e matéria Hoje é bem
conhecido que a matéria é feita de átomos e estes recebem ou enviam luz, embora
apenas de certos comprimentos de onda. Menos conhecido é o facto de que alguns
dos nomes maiores da teoria quântica, como o alemão Werner Heisenberg, se terem
detido na questão de Goethe sobre a origem das cores. Em 1941, Heisenberg proferiu
uma palestra na Hungria em que abordou em pormenor a querela entre Goethe e
Newton. Na versão húngara da palestra, há uma nota em apêndice que diz o seguinte:
“Deste estado de coisas [a física quântica]
pode extrair-se a esperança de que, num tempo não muito distante, será possível
abrir uma vereda para o entendimento da vinculação entre os domínios das
ciências naturais e do espírito.”
Não há a certeza que a nota seja da autoria
de Heisenberg. Mas o seu espírito é. A física quântica voltava a dar um lugar
ao observador, um lugar que tinha sido tirado pela física clássica.
1 comentário:
Nem foi com a física clássica que o observador foi retirado (já em Aristóteles tinha sido, por exemplo), nem a física clássica retira o observador, como qualquer pessoa minimamente conhecedora da obra de Newton sabe, nomeadamente pelo "binómio conceitos verdadeiros/relativos".
Por outro lado, os corpúsculos em Newton são átomos em sentido genuíno, não apenas "em certo sentido".
Sabe-se pouco disto por aqui.
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