Trancrevemos um artigo de opinião de Victor Hugo Forjaz, Professor de
Vulcanologia, escrito a propósito do dia 13 de 0utubro, Dia dos Desastres Naturais:
1- Ao
longo de cada ano existe uma já longa lista de "dias comemorativos",
desde o Dia Mundial das Zonas Húmidas, a
2 de Fevereiro ao Dia Internacional das Montanhas, a 11 de Dezembro, passando
pelo Dia Internacional da Literacia, a 8 de Setembro. O Dia dos Desastres Naturais deveria ser o mais importante dos
Açores, dado o galopante
analfabetismo que grassa por todas
as ilhas, presentemente
contaminadas por um ebolante surto de futebol e de pirosas "casas
dos segredos", habitadas
por gente dos mais humilhantes habitats. Até porque
"analfabetismo" é um conceito cada vez mais alargado, mais abrangente - já não basta saber ler e escrever, como no tempo do Doutor Salaza… Nestas ilhas as variantes de analfabetismo assustam. O analfabetismo politico - acentuadamente esquecido e desleixado - é uma dessa chagas
açorianas e pode explicar a vergonhosa percentagem de
abstenção em actos
eleitorais fulcrais, realidade a
que os partidos pouco se dedicam ou aplicam receita. Porém o dia mundial
comemorativo mais curioso é o que
se marcou para 13 de Outubro, porque é
móvel como certas festas religiosas, ou
seja, deve ser evocado num combinado dia
de Outubro, chamando-se Como a lista
anual de "dias" vai engrossando ano após ano, os dias
nacionais, europeus, internacionais e mundiais banalizaram-se e deixaram de
agregar a pedagogia que os aureolava. Enfim - é a vida! (como dizia o
tal senhor).
2- No
caso dos Açores os dias comemorativos são poucos, secos de ideias e
pouco credíveis. Salvo os que, muito bem aceites, incluam ementas pesadíssimas
com coentradas sopinhas de pão (as afamadas sopas do banco bom), couvinhas do quintal, roxas e perfurantes vinhaças de
tintol americano e arroz doce peganhento de canela - tudo de borla e repetido. Por esse motivo, com a crise eurótica (de euros) por que
passamos (nem todos…), os dias
comemorativos andam muito esquecidos. Quem quer comemorar, à escala de
arquipélago, para que todos se sintam juntos e menos isolados, o Dia da
Poesia, o Dia do Livro,o Dia do Clima, o Dia Nacional da Água, o Dia do Animal,
o Dia do Voluntário? Este último - um dos mais importantes - é uma
aflição porque vivemos em terra onde o voluntariado cada vez mais escasseia ou
se deturpa. Desgraçados os voluntários
que nos hospitais, nos grupos de auxílio a pobres e desprotegidos ainda se
amarram, por espírito de solidariedade, a causas! Nestas ilhas as causas são cada vez menores
e mais perseguidas! Mas são cada
vez mais numerosos os que exigem que a Região-Estado tudo deve fazer… e pagar. ´
Mas - Como o tema de hoje é
específico, passemos ao dito - porque interessa comemorar as Reduções dos Desastres Naturais?
3 - Há muitos anos que me dedico a esse tema. Deambulei por esse mundo dos desastres sísmicos,
vulcânicos e de deslizamentos (de terras, a que os geosabichões da ilha chamam
agora de" movimentos de massa", como se fossem um banco!). Em 1984 até fui frequentar um curso internacional do US Geological Survey,em Denver - Colorado, com uma geofísica do
ex-INMG, que felizmente desapareceu.Uma vez mais integrei uma equipa científica de apoio ao vulcão Santa Helena e aprendi
actuações muito úteis. Mais tarde estive em Disaster City, no Texas, onde participei em diversas
operações de socorro em simulacro sísmico e vulcânico. Também estive em Itália a
aprender a arrefecer lavas do Etna e a
encaminhar a fase fluida das lavas
vermelhas para topografias adequadas.
Para meu treino pessoal, incluindo no Japão, deliciei-me com esses
conhecimentos. Para a Região a minha evidente experiência pouco serviu
porque entrei na lista negra do Dr. Ricardo Barros, eterno e verdadeiro chefe
da Protecção Civil dos Açores e dá em diante - kaput! - Deixei a Universidade
aos 70 anos sem um simples adeus do reitor De Menezes e também não disseram good buy, até por educação de berço ou mera e súbita delicadeza, os
inefáveis docentes que meti no Departamento de Geociências quando de mim precisaram. Alguns, há anos, eram
apenas "militantes" das ruas da cidade, passeantes das
calçadas de basalto polido. Agora são
importantissimos políticos da governança. Não estou arrependido dessas
bondades - apenas concluí que não soube escolher melhor. Amen!
4-
Bem gostaria, neste dia comemorativo, de elogiar as diversas equipas anti-desastres naturais
do arquipélago. Mas não o devo nem posso, apenas para ser simpático. Os nossos
bombeiros são bestiais? São - mas precisam de experiência em coisas que
irão surgir. Assim, de facto, sendo a Islândia tão aparentada e
tão próxima, a poucas horas de voo e
estando a vulcão fissural Bardarbunga em plena actividade,
durante meses veranis, quem, dirigente (da Protecção Civil),
se deslocou, que se saiba, aquela área? Para observar, para aprender, para conhecer materiais, estratégias e até erros? A actuação de bombeiros, de
forças de segurança e de militares é essencial em todos os cenários de desastre
natural. No cenário sísmico, um dos agentes
muito perturbadores, com as poeiras e o caos destrutivo, é a chuva . No cenário vulcânico, totalmente diferente, os agentes parasitas e incómodos são bem maiores, caso de gases, de cinzas,
de ventos, de enxurradas (além da
sismicidade acompanhante). O que sabem as Protecções Civis Regional e
Municipais sobre o Bardarbunga da Islândia ("gémeo" do Complexo dos Picos de S. Miguel, dos Sistemas Fissurais da Terceira, da Graciosa, do Pico, de
S. Jorge e do Faial)? O que aparece no
youtube ou são remetidos pelos amigos? E sobre as mortes recentes
do Otake do Japão , com
similitudes com o Vulcão do Fogo de S. Miguel?
O Dia das Reduções
das Catástrofes Naturais não se destina a meter medo. Destina-se também a advertir. E os geólogos, cada um com a
respectivas especialidade, competência e entusiasmo, não devem prescindir do seu papel social, afastando as teias do
sensacionalismo e das querelas pessoais. E os senhores do Governo, já que
gastam tanto dinheiro em festivais e festivalecos, sem retorno de qualquer tipo, pelo menos que apoiem mais a prevenção
de desastres naturais. Incluindo a tal cultura de protecção civil, tão badalada e útil. Não se zanguem com este reformadinho....
Amen!
Victor Hugo Forjaz,
geólogo -- vforjazovga@gmail.com
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