As decisões respeitantes à educação escolar dependem, em grande medida, do modo como se concebe a aprendizagem. Isto foi assim no passado, é assim no presente e presumo que será assim no futuro. Genericamente, essas concepções tende a situar-se em pólos antagónicos: num a aprendizagem é afirmada como emergindo, brotando, de dentro do aprendiz; noutro é afirmada como exterior ao aprendiz e que, nessa medida, tem de lhe ser proporcionada.
Exemplifico com duas passagens de trabalhos publicados no mesmo ano:
“Com vista a construírem progressivamente os seus conhecimentos, as crianças deverão ter oportunidade de manipular, explorar, iniciar e escolher (…). O papel do professor é, muitas vezes, o de uma fonte de recurso que dá uma ajuda e não tanto um orientador. Não queremos dizer com isto que a orientação do professor nunca é oportuna; queremos apenas salientar o papel crucial que a auto determinação desempenha no crescimento e na aprendizagem…” Williams, Rockwell & Sherwood, 2003, 31.
“… o conhecimento deve ser transmitido (responsabilidade das gerações adultas) e tem que ser assimilado (responsabilidade das novas gerações): eis aqui o papel da escola. Os jovens têm que estudar, têm que cumprir os ritos e com a disciplina do trabalho conceptual. Fraco favor lhes fazemos quando supomos que o saber se constrói a partir da interacção com o meio, como se o saber brotasse por mágica, ludicamente, sem o esforço de aprender e de apreender o que outros que nos precederam foram construindo, implantando, descartando, interrogando…” Núñez, 2003, 27.Aceito a discussão, muitas vezes tensa, entre representantes destas duas concepções, mas, de maneira alguma, aceito a imposição. Documentos como aquele em que ontem me detive impõem uma concepção de educação. E impõem-na como se fosse a única e como se fosse perfeita. Não é assim: a concepção de educação que esse documento veicula está longe, muito longe, de ser aceite no campo da pedagogia como "a" concepção.
No caso, essa imposição é particularmente grave por ter a chancela de uma das instituições internacionais que, neste momento, formatam o pensamento educativo e ditam o rumo do currículo escolar em múltiplos países. Discordar é uma heresia.
Referências completas:
- Núñez, V. (2003). Los nuevos sentidos de la tarea de enseñar. Más allá de la dicotomia “enseñar vs. asistir”. Revista Iberoamericana de Educación, (33). Recuperado em 7 de Maio, 2009, de http://www.rieoei.org/rie33a01.htm
- Williams, R. A., Rockwell, R. E. &; Sherwood, E. A. (2003). Ciência para crianças. Lisboa: Instituto Piaget.
1 comentário:
Esta questão lembrou-me o que disse Noam Chomsky, numa entrevista em Cambridge, em 2012. Quando questionado sobre a cultura intelectual e o que lhe acontecerá nesta era da tecnologia, respondeu:
"Vai degradar a cultura intelectual."
Sobre o livro electrónico afirma:
"Têm vantagens. Podemos ler uma meia dúzia de livros numa viagem de avião. Por outro lado, quando leio um livro que me interessa, quero fazer comentários nas margens, quero sublinhar coisas. Quero tomar notas na badana. Caso contrário nem sei a que voltar. Não dá para fazer isso da mesma maneira num livro electrónico. As palavras limitam-se a passar-nos pelos olhos. ...
O mesmo acontece com a Internet. Acesso à Internet é uma coisa fantástica. Há uma quantidade imensa de material disponível. Por outro lado, é evanescente. A menos que saibamos aquilo que procuramos, que armazenemos a informação de modo adequado, contextualizando-a, é como se nunca a tivéssemos visto. De nada serve termos montes de dados disponíveis a menos que sejamos capazes de lhes dar sentido. E isso requer pensamento, reflexão, questionamento. Julgo que estas capacidades estão a ser degradadas até certo ponto."
Noam Chomsky, Mudar o Mundo, Bertrand Editora, 2014.
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