sábado, 10 de novembro de 2012

CONTRIBUTOS DOS TRÊS LIBERAIS, G. CENTAZZI, COR. AMORÓS, E D. PEDRO IV PARA A GINÁSTICA NA CASA PIA - 4

Quarta parte do texto do Professor João Boaventura. As anteriores podem ser acedidas a partir daqui

Amorós, apesar das boas impressões que os seus Ginásios colheram, não só pelos resultados positivos obtidos nos jovens e adultos praticantes, como pelo aparato que as grandes dimensões dos aparelhos atraíam, fascinando os curiosos e encantando os turistas, decidiu publicar em 1821, Gymnase normal, militaire et civil. Idée et état de cette institution au commencement de l’année 1821, et moyens de la rendre aussi complète, générale et utile que sa destination le demande [20] ( Ed. P.N. Rougeron, Paris, 1821), onde acentua, a pp. 5 da Introdução, uma solicitação alargada a todas as entidades, oficiais e privadas, no sentido de permitir a construção do palais de la jeunesse ou dar aos Gymnase normal, civil et militaire et tous ses accessoires, la grandeur convenable et des formes dignes de la France.

Ora esta petição não teria muitos fundamentos considerando que, em 1821, o Estado já lhe concedia 20.000 francos por ano, ou seja € 165.200, e seria aumentado, em 1924, para 32.000, que o mesmo é dizer € 264.320 [21], além de uma pensão pessoal. Importa referir que o poder público começou a considerar, contas feitas, que as somas eram desproporcionadas face às possibilidades do erário, pelo que a questão foi levantada na Câmara dos Deputados, onde a maioria concordou em reduzir os gastos, o que traduziria já alguma animosidade contra Amorós.

Esta designação repete-a, na mesma página, dois parágrafos abaixo: L’inspection seule du plan du Gymnase ou palais de la jeunesse (…). A seguir reproduz um Extrait du Rapport sur le Cours de Gymnastique de M. Amorós, depois a Déclaration de plusieurs témoins et pères de Famille, e ainda o mais importante, o Extrait du Rapport fait par la Commission de la Société de Médecine de Paris, com nota altamente positiva ao projecto que Amorós vinha desenvolvendo.

A administração para a instrução elementar também aprova o Relatório, tal como os Inspectores da Universidade na Comissão da Instrução Pública. No índice da referência, que ocupa 6 páginas, contam-se 10 relatórios, 1 declaração, 6 cartas, e 39 opiniões, o que permite deduzir a larga faixa de contactos empreendidos por Amorós para desenvolver e alcançar os fins propostos de erguer o Grande Palácio da Juventude. Simultaneamente, lançou um Prospecto de 4 páginas anunciando a publicação das suas três obras, e os respectivos preços, 6 francos, cada um dos dois primeiros volumes, o equivalente em moeda actual a € 49,56, cada, e o Atlas, 20 francos, que equivale a € 165,20, e cujas capas se reproduzem mais acima. A 1.ª edição seria posta à venda em 1830, e custariam os três volumes 32 Fr.Franc., ou seja, na moeda actual, € 234,32.

Como os únicos manuais autorizados pelos serviços da instrução primária, em 1835, foram os dois volumes de ginástica de Amorós, talvez se explique as várias reedições da obra.

Dado este inusitado trabalho para um homem, com os créditos profissionais já firmados e reconhecidos, ter-lhe-ia sido fácil obter mais fundos para alargar a obra e alcançar o Palácio da Juventude que honrasse mais ainda a dignidade gaulesa, como proclamava, pelo que a inclusão de todos os relatórios obtidos, desde as famílias aos médicos, a que acrescem ainda as impressões colhidas pelos turistas estrangeiros que, atraídos pela propaganda, se deslocavam a Paris para ver a aparelhagem e os trabalhos dos ginastas, visitas que obrigaram Amorós a organizar visitas guiadas. Todos os relatórios se encaminhavam no sentido de convencer as autoridades públicas e privadas da sua utilidade.

Assinale-se, como exemplo, de entre as muitas opiniões que Amorós regista, a tecida por um turista holandês:

Un professeur hollandais, qui voyage pour observer les Gymnases de l’Europe, et qui a déjà visité ceux de Berlin, de Schnefetal et de Berne, déclara, devant les personnes présentes aux exercices, qu’il trouvait les machines du Gymnase de Paris infiniment mieux faites er mieux conçues que celles de Jahan, de Guthsmutz et de Clias, et qu’on devait tirer de ces machines un parti plus avantageux. Quand il vit pratiquer les exercices, son étonnement redoubla ; leur nouveauté et leur utilité le frappèrent, et il assura avoir plus gagné dans cette séance, en connaissances gymnastiques, que dans tous les voyages qu’il avait fait (Op.cit., pp 83-84).

Era indubitavelmente uma apologia amorosiana e representaria uma opinião abalizada para atrair algum investimento público e privado dados os fins patrióticos expostos.


A gravura representa o Coronel Amorós orientando uma classe de ginástica 
(Fonte: Aula de Desporto e Ginástica para Crianças, cena da série Tableaux de Paris, c. 1820 (cor liyho), 
Marlet, Jean Henri (1771-1847) /Colecção Privada /Arquivos Charmet /The Bridgeman Art Library). 

Os aparelhos destinavam-se igualmente à juventude pelo que a preocupação em apetrechar as escolas constituíam as preocupações centrais do criador do sistema.
Prancha n.º 1
Seguindo a numeração das máquinas de 1 a 11, como na escrita, temos: 1. Traves apoiadas em suporte; 2. Troncos de árvore, para dificultar o andar; 3. Trave para as crianças desde 2/3 anos até às de 7/8 de idade, para se sentarem e progredirem da frente para trás e de trás para a frente, até atingirem o final da trave; 4. A mesma trave destinada às crianças mais crescidas, graduando-se a altura para aumentar ou diminuir a dificuldade; 5. Mesa redonda pequena para saltos, para as crianças mais pequenas; 6. Mesa redonda média; 7. Cavalo de volteio pequeno; 8. Cavalo médio para o mesmo efeito; 9. Cavalo maior, para os rapazes mais velhos; 10. Escada para saltos em altura; 11. A mesma escada vista lateralmente. 
Prancha n.º 2
Pórtico 12. Para crianças mais pequenas; e 
Pórtico 13. Para adolescentes e homens, e a partir dos 7/8 anos de idade. 
Prancha n.º 3. 
Pórtico 14. Para as crianças que hoje estariam na 3.ª classe do básico

Considerando que os Ginásios duraram entre 1815 e 1837, importa referir – como argumentos de peso a juntar aos expostos na publicação propagandística de Amorós – que Victor Hugo, Honoré de Balzac e Napoleão III, foram alunos do pai da Ginástica Francesa. Foram? Já indagaremos. Com efeito, nos anos de existência dos Ginásios, Victor Hugo (1802-1885) teria, em 1815, 13 anos; Honoré Balzac (1799-1850), 16; e Napoleão III (1808-1873), 7 anos. Quem o refere é o magistrado judicial Adolphe Touttfait (1907-1990), numa conferência apresentada na Académie des Sciences Morales et Politiques, em Paris, em 08.11.1971, com o título Les Activités Physiques et Sportives Partie Integrante de l’Éducation.

Poderia Amorós ter incluído os nomes dos escritores e do Imperador no seu inquérito? Não, porque Honoré de Balzac só começou a viver em Paris, em 1819, aos 20 anos de idade, e até 1926 escreveu 9 romances assinados com pseudónimo, portanto, desconhecido ainda como escritor, vivendo com muitas dificuldades e muitas dívidas. Victor Hugo ganhou um prémio da Academia Francesa, aos 15 anos, e fundou uma revista, com o irmão, aos 17 anos, e era ainda um ilustre desconhecido. Napoleão III, em 1815, com 7 anos de idade, exilou-se para Alemanha e Suíça, e só regressaria em 1840, com 36 anos de idade. Sem desmerecer das fontes omissas na conferência de Adolphe Touttfait, não se vê na panorâmica biográfica dos futuros escritores e do futuro Imperador, fundamentalmente na dessincronização das datas, como tão destacadas personagens pudessem frequentar os Ginásios de Amorós.

Flaubert, que nasceu em 1821, e que à data do encerramento definitivo dos Ginásios, em 1837, atingia os 16 anos de idade, através da ironia mordaz poderia ter constituído um obstáculo aos desejos de Amorós, não fora o facto de ter publicado Bouvard et Pécuchet, em data tardia, 1881, porque na citada referência transmitiu, através do diálogo dessas duas personagens boçais, no Capítulo VIII a enormidade e a comicidade involuntária da ginástica de Amorós, oferecendo literalmente um exemplo de "huîtres perlières de la bêtise humaine".

Flaubert colocou os dois personagens a tentar cumprir o programa do Manuel d’Éducation Physique de Amoros, findo o qual concluíram que décidément la gymnastique ne convenait point à des hommes de leur âge; ils l'abandonnèrent, n'osaient plus se mouvoir par crainte des accidents, et restaient tout le long du jour assis dans le muséum, à rêver d'autres occupations.

Já aqui aflorava alguma animadversão à ginástica da parte da elite que assistia aos espectáculos (ver indumentária da assistência na imagem em baixo), cuja similitude com o circo esvanecia a ideia propalada por Amorós de que pretendia alargar os benefícios da educação física ao maior número possível de pessoas. O ambiente negativo que se vinha urdindo ao seu trabalho teria sido a razão maior da exposição de Amorós, publicitando testemunhos positivos de pessoas gradas da sociedade, e não apenas a construção do Palácio da Juventude.


Ginásio particular de Amorós, na Rue Jean-Goujon, n.º 6 
A indumentária da assistência não é a da classe desfavorecida 
(Com a de vida vénia de Fabienne Legrand et Jean Lagegaillerie, « L’éducation physique au 
XIX & au XXe 1. en France», ed. armand colin-bourrelier, Paris, 1970, Planche III) 

Assemelhava-se ao que Friedrich-Ludwig Jahn tinha sofrido, em 1820, devido a invejas da elite, e resultou no seu afastamento compulsivo durante dez anos. E Amorós, conhecedor da história, queria evitar a todo o transe passar pela mesma humilhante situação.

Se era verdade que durante o reinado de Luís Filipe de Orléans (1830-1848) os grandes projectos de Amorós estavam a dar os seus frutos relativamente à preparação militar dos soldados, também apresentavam alguns retrocessos, principalmente depois da revolução de 1830, quando teve de enfrentar problemas administrativos com o governo, e enfrentar alguns inimigos.

Amorós informou-se sobre o ambiente urdido e pôs tudo a claro nas Mémoires du colonel Amoros, directeur et fondateur du Gymnase Normal Militaire et Civil, contre le Comte Cormier du Médic, capitaine du 3e régiment d’Infanterie de l’ex-garde royale, e revelou como o Conde Cormier, depois de conseguir ganhar a sua confiança, acabou por ser admitido como instrutor colaborador no Ginásio Normal Militar. Participava nos trabalhos mas começou por criar um ambiente menos propício e inculcando nos professores e alunos, que Amorós era corrupto, que eles podiam perfeitamente orientar os Ginásios com metade das ajudas do governo. Amorós, logo que se certificou da origem da indisciplina, revelou quem tinha sido o seu fautor, dirigiu-se ao ministério da guerra a pedir uma comissão, só de militares, encarregada de averiguar de onde partiam as calúnias contra a sua pessoa, e esclareceu os destinos das subvenções, lembrando que a preparação do exército francês para a expedição a África, onde o seu filho Manuel participou e morreu, teria custado 2.000 Fr., mas fê-la gratuitamente.

Amorós saiu ileso mas a mancha propalada pelo boato soez ficou, perturbando os trabalhos que continuavam a ser objecto de críticas e de desconfianças quanto aos métodos aplicados. O ministro da guerra, para apaziguar o ambiente concedeu-lhe o cargo de Inspector dos Ginásios Militares (gymnases régimentaires et divionnaires) de toda a França. Apesar dos escassos recursos o ministro ordenou a organização de três ginásios militares em Montpellier, Arras e Metz, na Academia Militar de Daint-Cyr, e no Real Colégio Militar de La Flèche, com o que se esvanecia aos poucos a necessidade do Ginásio Normal Militar de Paris, pelo que o governo acabou definitivamente com o mesmo, como também tinha já ocorrido ao Ginásio Normal Civil.

Aliás, em conflito aberto com o ministro já tinha declarado por escrito, em 20.12.1837, que todo o material do Ginásio Normal Militar lhe pertencia como autor e inventor e que o ministério não podia de nenhuma forma apropriar-se do mesmo. Mas as decisões já estavam tomadas.

Em 29.01.1838, o ministério da guerra coloca Amorós sob a dependência do Estado-Maior, devido à sua idade, 67 anos, e, no caso de discordar, poderia pedir a reforma ou apresentar o seu protesto por escrito ao Conselho de Estado, no prazo de 3 meses. Na resposta, expressa na Représentation de M. Amoros a M. le ministre de la guerre; (au sujet de l’état-major des places (ed. Dupont, Paris, 1838), considera que a sua função foi sempre a de educador e professor de Ginástica, Educação Física e Moral, durante toda a vida, função que desempenhou com o à vontade de quem abarcou uma boa causa. Dispensa as novas funções por contrárias ao seu estatuto de professor e educador. Mas o ministério da guerra manda desmantelar o Ginásio Normal Militar de Paris, por desnecessário, considerando que nos regimentos principais já havia ginásios, monitores e instrutores formados por Amorós para prosseguirem com o sistema de ginástica francês.

Sentindo que as forças vivas lhe retiravam os apoios publica ainda, em 18.06.1838, Exposé du Colonel Amorós à la Chambre des Pairs, sur le Gimnase Normal Militaire, defendendo a necessidade da sua manutenção. Em vão. Morreu o Ginásio mas ficaram as sementes. Permanecerá activo no seu Ginásio Particular até morrer, em 1848. Os seus restos mortais repousam no cemitério de Montparnasse, em cuja lápide mandou inscrever este epitáfio: Ci-gît le colonel Amorós, mort avec le regret de n’avoir pas fait assez pour la gymnastique, à cause des obstacles qu’on lui a toujours opposés.

Contudo, em 15.07.1852, a obra de Amorós reabriu, com nova designação: École Normale Militaire de Gymnastique de Joinville-le-Pont, onde muitos oficiais portugueses foram colher ensinamentos, pelo menos até 1939, data do seu fecho. E mais. Victor Duruy, ministro da instrução pública, ao organizar, em 1869, a ginástica em todos os estabelecimentos de ensino, ordenou que a mesma seguisse os fundamentos do modelo de Amorós, o que constitui um elogio aos trabalhos desenvolvidos pelo pai da ginástica francesa.

Segundo Piernavieja del Pozo, Amorós era um humanista ilustrado, conhecedor dos clássicos da literatura greco-latina, dominando a anatomia e a fisiologia pelo contacto com os médicos que faziam parte da sua equipa de trabalho, e pela leitura assídua das obras de referência, o que lhe permitia escrever alguns artigos sobre ginástica médica na Gaceta Médica de Madrid, em 1834, descrevendo as curas conseguidas nos Ginásios Normais de Paris. Este facto chamou a atenção dos médicos franceses que acabaram por formar uma Comissão encarregada de avaliar o trabalho de Amorós, e cujas conclusões se traduziram neste texto:

Este honorable gimnasiarca posee todos los conocimientos e toda la experiencia necesarios para dirigir y asociar utilmente la gimnasia a la ortopedia (…), los establecimientos del Sr. Amorós reúnen todas las ventajas posibles tanto para fortificar todos los órganos y toda la economía animal, como para corregir las desviaciones parciales del estado normal del tronco y de los miembros y regularizar la acción, en definitiva, para mejorar la constitución física (…). En consecuencia, esta comisión propone otorgar as coronel Amorós una medalla de 1.ª clase. Estas conclusiones son adoptadas por unanimidad. (In Francisco Amorós y los inicios de la educación física moderna. Biografia de un funcionario al servicio de España y Francia, de Rafael Fernández Sirvent, ed. Publicaciones Universidad de Alicante, 2005, p. 260).

O conseil municipal, numa das suas últimas sessões, decidiu atribuir o nome do coronel Amoros a uma das ruas de Paris, considerando que a ele, cujo túmulo se encontra no cemitério de Montparnasse, se deve a fundação da primeira escola de ginástica (La Presse, Paris, 23.10.1894). Segundo informação da Federação Francesa de Ginástica, na sessão do Conselho Municipal de 15.12.1894, foi aprovada a proposta, mas sem concretização, porque no Dictionnaire des rues de PARIS não há nenhuma rue Amoros. A ideia seria a de escolher uma das ruas do Bairro Grenelle, perto do local onde foram construídos os três Ginásios.

Com efeito, Centazzi, além de dedicar a sua tese de fim de curso a Amorós, cita três casos de curas conseguidas, sem indicar a fonte, se pessoal, se revistas médicas, o que indicia a fonte documental, já que em todas as narrações nunca refere qualquer contacto pessoal, o que lhe era possível, entre a sua chegada a Paris, em 1829, e a sua saída, em 1834, espaço de tempo coincidente com o do funcionamento dos Ginásios Normais Militar e Civil. Nem o facto de as curas figurarem nas revistas médicas aguçou a curiosidade de Centazzi, quando frequentava os quatro anos do curso.

Anota-se que, em 1961, na sua curta auto-biografia [23], Centazzi relembra que “…poucas semanas antes de eu me doutorar chegou a Paris o Senhor D. Pedro IV, visitou os ginásios do coronel Amorós, e resolveu que se fundassem, neste reino, escolas iguais àquelas. Precisava-se de alguém… que fosse competente para fazer as devidas aplicações da ginástica á higiene, e medicina, e coadjuvasse mr. Marquer (oficial do exercito francês, nomeado para director do ginásio português) em todos os trabalhos tendentes á administração, organização, direcção, e mais partes teóricas, e técnicas do estabelecimento", e que, dada a ausência de concorrentes, o convidaram para o lugar de adjunto do director do ginásio normal, militar e civil, sobre o qual declararia: “Quanto ao ginásio teve a sorte de muita coisa com que se desperdiçaram avultadas somas, isto é, morreu á nascença. O director Marquer voltou para França, com cinco anos, que lhe deram a titulo de indemnização, e o seu hábito de Cristo; e eu fui agregado ao real colégio militar”.

O texto é pouco claro porque, a ideia de D. Pedro IV, era Marquer montar um ginásio na, e instruir os alunos da Casa Pia, e aqui Centazzi opina que o destino teria sido o do Colégio Militar, de onde sairia, permitindo-lhe substituí-lo e entrar como agregado.

De qualquer forma, e retomando o tema, como Centazzi se doutorou em 09.08.1834, a ideia que daqui subjaz seria a de que D. Pedro IV, teria estado em Paris, na melhor das hipóteses, em Junho ou Julho, porque se torna difícil saber a quantas equivalem as poucas semanas antes de se doutorar. A hipótese de Junho não se pode pôr porque a guerra liberal estaria a finalizar, o que se confirmou com a assinatura da Convenção de Évora-Monte, em 26 de Junho de 1834 [24]. Há que ter em conta que, em Junho de 1834, depois da rendição de D. Miguel, poucas pessoas sabiam da gravidade do mal do Rei-Soldado [D. Pedro IV]. Mas o seu estado era já desesperado, pois os excessos cometidos durante o cerco do Porto transformaram a sua tuberculose, insidiosa e crónica, numa tuberculose galopante [25], vindo a falecer em 24.09.1834, o que dificultava a noticiada visita de D. Pedro IV a Paris.

Na história da educação física nacional a versão seria a de que, em 1834, a ginástica amorosiana foi introduzida por professores e monitores franceses como Darras (1835), Delauney (1858), e Jean Roger (1865) (in H. de Genst, Histoire de l’Éducation Physique, Tome II, p. éd. Maison d’Édition A. de Boeck, Bruxelles, 1949, p. 278).

Na imprensa noticiava-se que se sabia “com algum fundamento, que se procura fundar em Lisboa um gymnasio normal, civil e militar, para cuja direcção foi chamado um hábil discípulo do coronel Amoros” (In O Panorama: jornal literário e instrutivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, vols 1-2, Lisboa, 1837, p. 118). Notícia baldada porque em 1837 o Ginásio Normal, Civil e Militar de Paris ia ser desmantelado.

O Dr. José Pontes tem outra história: “Chegou a visitar Lisboa um discípulo do famoso Amoros. Foi chamado por D. Pedro IV, a fim de estabelecer uma Escola Normal de Gimnástica, mas o plano apresentado por este professor era tão vasto que só para o espaço requerido para a sua execução era pequena toda a grande cerca do mosteiro de Belém" (In Quási um Século de Desporto-Apontamentos para a História da Educação Física em Portugal, ed. Soc. Nacional de Tipografia, 1934).

O médico Fernando Correia (1893-1966) apresenta outra versão, não datada, a de que, o director da Casa-Pia, José Maria Eugénio de Almeida, teria mandado vir de França, um professor, que ensinava o método de Amorós [26], mas Rocha Morais e Fernando Barreto asseveram que o referido director só assumiu o cargo em 1860, data em que, de facto, requisitou um professor Jean Roger, da Escola Militar de Saint-Cir, e não o tenente Marquer, acrescentando que, em 1834, D. Pedro IV, depois da sua visita à Casa Pia, tendo notado o fraco aspecto físico e pouca a higiene dos seus alunos, resolveu introduzir o ensino da ginástica, chamando a Lisboa um discípulo de Amorós, com o objectivo de estabelecer na Casa Pia uma Escola Nacional de Ginástica. Simplesmente o plano apresentado por este professor foi tão ambicioso que, só para a sua execução, era pequena toda a grande cerca do Mosteiro de Belém!. Verificando que o seu plano era inexequível, o referido professor abandonou as suas funções, o que é mais plausível do que ir a Paris, em momento político ainda muito perturbado, e com a saúde em estado muito crítico. Falta saber qual a Casa Pia visitada por D. Pedro IV, e em que data. O que se tentará esclarecer.

NOTAS:

[21] A equivalência de valores foi colhida no site Discussion: Livre tournois (01.11.2012)

[22] Decreto de 21.12.1912 - É constituída ums missão composta de quatro oficiais destinada a frequentar o curso da escola normal de ginástica e esgrima de Jouin-Ville-le-Pont, que começa e 1 de Fevereiro de 1913 e termina em 30 de Abril do mesmo ano. (DG n.º 9, 11.01.1913) (M.Guerra)
[23] Op.cit.
[24] D. Miguel, com a sua comitiva, embarcou em Sines no dia 1 de Junho de 1833, às 6 horas da tarde a bordo da Fragata Inglesa Stag. Foi sob muitos apupos, e com forte escolta, que conseguiu embarcar. D. Carlos de Bourbon de Espanha, com a sua comitiva, embarcou no mesmo dia, em Aldêa-gallega, no Tejo, para bordo do navio de guerra inglês Donegal (Crónica Constitucional de Lisboa, n.º 132, 06.06. 1834).
[25] http://torredahistoriaiberica.blogspot.pt/2011/02/enfermidades-e-morte-do-imperador-d.html (19.09.2012).
[26] A educação física e a medicina em Portugal, in Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. Tomo XCIX, n.º 6, Junho, p. 77, e n.º 7, Julho. Este artigo figura igualmente no periódico Revista Médica, também de 1935, nos n.º 12 (25 de Set.), n.º 15 (10 de Nov.) e n.º 17 (10 de Dez.)
[27] In Subsídios para a História da Educação Física na Casa Pia de Lisboa 1780-1987, ed. Casa Pia de Lisboa, 1987, p. 47.


João Boaventura

(Continua aqui)

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