terça-feira, 17 de maio de 2011
A CIÊNCIA COM AS ARTES E AS LETRAS
Texto que saiu no último número do jornal cultural "As Artes entre as Letras", que acaba de fazer dois anos:
Tenho o gosto de colaborar, desde o primeiro número, no jornal As Artes Entre as Letras, em boa hora aparecido na cidade do Porto há 50 números, por feliz iniciativa da sua directora, Nassalete Miranda, que competentemente congregou e dinamizou uma pleiade de colaboradores (sinto-me um anão ao lado dos gigantes da cultura nacional). Dada a periodicidade quinzenal, o jornal apareceu há 25 meses atrás, que é como quem diz há cerca de dois anos. Cresceu e apareceu, promete crescer e aparecer mais, muitos parabéns!
Uma vez por mês, tenho enviado uma crónica onde falo de livros, em geral de divulgação de ciência, mas por vezes de outras áreas, incluindo a literatura. Julgo que a ciência fica bem ao lado das artes e das letras pois ela é afinal, de uma forma cada vez mais reconhecida entre nós, uma forma de cultura. Como outros colaboradores, venho do suplemento, com grande tradição entre nós, Das Artes e das Letras, que durante anos a fio saiu semanalmente com o Primeiro de Janeiro, sob a direcção sempre extraordinária de Nassalete Miranda. Já nessa publicação a ciência ficava bem com as artes e as letras. E já aí era permitido a um cientista que se alargasse sobre os temas do seu agrado. O ecletismo cultural e a liberdade intelectual sempre foram marcas distintivas tanto do Das Artes e das Letras como do As Artes Entre as Letras.
Que tem a ciência a ver com as artes e as letras? Pois tem muito mais do que o vulgo reconhece. Tanto a ciência como as artes e as letras são expressões elevadas da criatividade humana. Tanto umas como outras enriquecem quem as dá e quem as recebe. Se a ciência procura essa coisa tão sedutora mas ao mesmo tempo tão esquiva a que, à falta de melhor termo, chamamos verdade, as artes e as letras procuram essa outra coisa, à qual podemos dar os mesmos atributos, que dá pelo nome de beleza. O mais curioso é que verdade e beleza surgem, regra geral, intimamente entrelaçadas. Muitos cientistas usam até a beleza como critério na selecção da verdade. E muitos artistas não fogem à verdade, apesar de todo o fingimento de que são capazes. Como que justificando uns e outros, o poeta inglês John Keats, no seu poema Ode a uma Urna Grega, foi ao ponto de fundir os dois conceitos: “A beleza é a verdade, a verdade é a beleza, e isto é tudo/ o que sabes na Terra e tudo o que precisas de saber.”
Para procurar tanto a verdade como a beleza, existe um instrumento comum: a imaginação. A diferença é que a imaginação em demanda da verdade tem de estar limitada pelo nosso conhecimento do mundo, ao passo que a imaginação em demanda da beleza pode voar sem essa constrangedora peia.
Porquê a verdade? Porquê a beleza? Porque são luzes por onde nos podemos guiar. O gigante da ciência Albert Einstein resumiu assim a sua biografia, um ano antes de morrer, não se esquecendo de antepor a dimensão ética às dimensões estética e epistemológica: “Os ideais que iluminaram o meu caminho foram a bondade, a beleza e a verdade.”
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1 comentário:
Carl Sagan e Einstein foram definitivamnete os autores que me fizeram apaixonar pela Ciência com a mesma intensidade da paixão que já mantinha com as Artes e Letras, desde que me lembro de mim.
Primeiro o livro “ Cosmos”, uma linguagem acessível a explicar fenómenos cientíificos. Todos os capítulos são introduzidos com citações de poetas, filósofos antigos, pérolas do saber popular, ancestral e universal. As conexões antropológicas eram mais que entusiasmantes, e daí a entrar na ciência foi um sopro.
Em paralelo com as fantásticas noites de verão com amigos a olhar para o céu, fascinados, a descobrir constelações, distinguir astros e estrelas, ver a deslumbrante abóboda celeste atravessada pela via láctea, as estrelas-cadentes que envolviam um desejo… a experiência vivida -naquela altura ainda possível pois ainda não tinha chegado o disparate da exagerada iluminação nocturna.
Com Einstein, aquela famosa foto dele com a língua de fora com imenso sentido de humor e o olhar efervescente de vivacidade despertava-me imensa simpatia. Quando me veio parar às mãos a sua biografia, emocionei-me cataclisticamente pelo humanismo indiscutível deste homem, onde a honestidade não deixa margem para dúvidas. A beleza e a verdade são indissociáveis? Há casos em que sim!
HR
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