quinta-feira, 28 de abril de 2011

Portugal, Poetas, Liberdade e Cidadania 2


Segunda parte da antologia de textos sobre Portugal e cidadania, escolhidos por José Cymbron da Fundação Aristides Sousa Mendes (em cima Miguel Torga):

Diário (Miguel Torga, excertos)

25 de Abril de 1975 – Eleições sérias, finalmente. E foi nestes cinquenta anos de exílio na pátria a maior consolação cívica que tive. Era comovedor ver a convicção, a compostura, o aprumo, a dignidade assumida pela multidão de eleitores a caminhar para as urnas, cada qual compenetrado de ser portador de uma riqueza preciosa e vulnerável: o seu voto, a sua opinião, a sua determinação. Parecia um povo transfigurado, ao mesmo tempo consciente da transcendência do acto que ia praticar e ciente da ambiguidade circunstancial que o permitia. O que faz o aceno da liberdade, e como é angustioso o risco de a perder! Assim os nossos corifeus saibam tirar do facto as devidas conclusões. Mas duvido. Nunca aqui os dirigentes respeitaram a vontade popular, mesmo quando aparentam promovê-la. No fundo, não querem governar uma sociedade de homens livres, mas uma sociedade de cúmplices que não desminta a degradação deles.

25 de Abril de 1981 – Um dia de cava e de retórica, de manhã a semear batatas no quintal, de tarde a ouvir os discursos que no parlamento celebravam a data de hoje. Agora, no sossego da noite, estou a pensar se não haverá um grande equívoco em determinadas certezas. Se, na verdade, a democracia em que vivemos nos não terá sido dada sem querer pelos próprios que agora se gabam da munificência. Necessitados de credibilidade na hora subversiva, encostaram-se à palavra miraculosa. E a palavra, arbitrariamente utilizada, acabou por os obrigar à observância da sua estrita significação.

Três sílabas de sal (Manuel Alegre)

(…) Fui no verbo navegar
Para além do mar sem fim
Só nunca pude chegar
A Portugal que há em mim

(…) Ser marinheiro é dobrar
Hoje aqui o Bojador.

A Emigração (José Estêvão)

(…) Moralizar, desacumular, repartir, produzir, são quatro chaves que podem conter a população. E moralizar é educar, estabelecer igualdades justas, proclamar o código dos direitos e deveres. Desacumular é destruir monopólios nocivos, concessões usurpadoras, privilégios inadmissíveis. Repartir é dividir a população em relação à extensão do solo e à sua fertilidade. Produzir é acumular os meios que podem tornar as subsistências mais numerosas, baratas e gerais.

(…) O Indivíduo que emigra não é um nómada, um selvagem só possuidor de armas e duma tenda portátil, para quem a deslocação é fácil e a locomoção desembaraçada: é um homem que tem uma pátria, família e amigos. A partida é sempre dolorosa, e muitas vezes quase impossível. A facilidade, a indiferença em deixar o solo natal só se dá em duas classes verdadeiramente antípodas: nos filósofos e nos criminosos.

(…) Hoje a emigração é uma lamentável servidão. O colono quando mete o pé no barco, já é escravo do negociante pelo seu transporte. Levantou um crédito sobre a sua vida e força. Se tem a felicidade de resistir às intempéries do clima, às diferenças de alimentação, à saudade pungente da pátria, poderá pagar essa letra de sangue que sacaram sobre ele, e ele selou com lágrimas. Se não puder, então, perecerá, e perecerá escravo da emigração. Este recurso é falso e impotente. Na nossa emigração para o Brasil, o painel das misérias que lá vão passar os nossos emigrados contrista e envergonha um coração português. Muitos dos nossos vão lá ser vendidos como escravos a esses senhores de engenho, duros aristocratas do capital, que não vêem lágrimas, porque só vêem ouro. As emigrações são uma anomalia que envergonha a época em que vivemos, sem, de nenhuma forma, remediar os males da população.

(…) Os problemas, que nos cercam e apertam, ou nos hão-de esmagar ou hão-de ser resolvidos. O terreno é difícil e desconhecido, bem o sabemos. Mas hemos de tentá-lo e estudá-lo por todos os meios.

(…) A nossa população tem subido a quatro milhões de habitantes, e cresceria mais se se removessem os obstáculos que impedem o seu desenvolvimento. (…) Mas dirão: que ganhávamos nós com isso? Vermo-nos a braços com as dificuldades e complicações de uma população exorbitante? Devemos apagar o fogo ou lançar-lhe lenha? Sigamos o destino e o progresso, lancemos-lhe lenha, e que a fornalha arda com todo o seu brilho. A Providência velará por nós. Muito há a crer também no homem, neste Proteu de mil formas, de mil recursos, nesse vasto compêndio onde cada geração vai decifrando uma linha. Confiemos nele, e confiemos no Criador, que de certo tem mil segredos ainda para lhe revelar.

Lancemo-nos, pois, nesta cruzada do progresso; entreguemo-nos de alma e coração às suas vantagens e inconvenientes; poupemos os nossos filhos; e não vamos cometer crimes pelo desejo de evitar males. Deixemo-nos ir embalados por esta embarcação que marcha veloz para um mundo desconhecido. Aproamos ao oriente, havemos de chegar a algum porto. E tenhamos presente sempre o alcance das quatro palavras que, como quatro colunas, encerram a questão que nos tem ocupado: Moralizar, desacumular, repartir, produzir.

É Urgente Descobrir (Carlos Queiroz)

na flora da fantasia,
uma espécie de semente
que gere a pura alegria
e se possa introduzir
nas almas de toda a gente.

1 comentário:

Anónimo disse...

Essa semente encoberta
é coisa que não existe:
toda a alegria consiste
em ter a mente liberta!

JCN

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