sexta-feira, 29 de abril de 2011

O ESPANTOSO CASO DO GATO PRETO


“Senti logo não sei que torpe eternecimento que me amolecia o coração. Era a bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros e irremediavelmente estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem” (Eça de Queiroz, 1845-1900).


De um amigo de longa data e grata amizade recebi este mail em resposta a um outro que lhe enviei e que será transcrito mais abaixo. Embora não me tivesse sido pedido anonimato para a sua divulgação pública, entendo que os mail's são privados devendo, como tal, ser mantida a confidencialidade do seu subscritor. Com a data de hoje, reza esse mail:


"Meu caro Rui, tens carradas de razão. Eu também tenho uma experiência. Há cerca de dois anos, na Loja do Gato Preto, em Lisboa, no Chiado, numa confusão de gente, roubaram-me uma carteirinha onde tinha todos os meus cartões, incluindo os de crédito. Um quarto de hora depois, já estava numa delegação do BES, a cancelar os cartões - tarde demais: já me tinham fanado 900 euros. Fui participar à polícia do Rossio. A chefe disse-me que até tinha as fotografias dos elementos da gang romena que andava a fazer esses roubos. Mas que já nem valia a pena prendê-los, porque, poucos minutos depois, aparecia um advogado bem falante que os fazia soltar... Eu disse à chefe que a Loja do Gato Preto tinha videovigilância e que talvez fosse útil a polícia ir ver o filme (eu dera a hora exacta do roubo). Resposta: se eu quisesse que a polícia utilizasse a videovigilância teria que pagar 180 euros! Quer dizer, a polícia tem ao seu alcance uma possibilidade de prova, mas só faz uso dela se a vítima pagar. Isto não é surrealista? Meu caro Rui, isto é como a América: legisla-se para proteger o bandido. Os malandros têm muito mais garantias do que os cidadãos honestos. Não é por acaso que o pacote "anti-corrupção" do João Cravinho não passou no Parlamento. O lider parlamentar do PS que fez obstrução chama-se Alberto Martins e é Ministro da Justiça...
Um abraço”.


Reporto-me, agora, ao mail que enviei ao meu amigo com o seguinte teor:


“Meu Caro: O meu último post, publicado ontem, dia 28, no DRN, intitulado “A lei protectora de malfeitores em nome da sua privacidade”, relata a impunidade em nome do direito à privacidade. O que me sucedeu agora, poderá vir a suceder a qualquer outro. Provavelmente, já tem acontecido. Limito-me, portanto, a deixar um alarme a todo aquele que possa pensar que as câmaras de vigilância nos põem a coberto de casos como este. Um grande abraço. Rui”.


Uma análise, ainda que ligeira, destas duas ocorrências leva-nos à conclusão que casos semelhantes tiveram interpretações diferentes por parte das autoridades policiais no que se refere ao visionamento das câmaras de televisão. Por último, como uma espécie de aviso à navegação, e como é meu hábito, cito a vox populi: “Nas costas dos outros lemos as nossas”!

P.S.: Penso que o título deste post se prestava a titular um romance policial. A vida, ela própria, não é, por vezes, um romance de que nos fazemos, ou nos fazem, personagens?

8 comentários:

joão boaventura disse...

Caro Rui

Não é tarde nem cedo, aí o tens The case of the black cat, bem como The Black Cat, de Edgar Allan Poe, que aí deixo para quem o quiser ler este fim de semana,e que estuda a teoria psicológica da culpa. E há ainda um gato preto de desenhos animados, o célebre Gato Félix, do século passado.

À vous de jouer

Um abraço

Rui Baptista disse...

Caro João: Precisamente por me ter lembrado (tardiamente) dos títulos dos livros que indicas,resolvi alterar o título do post. Aliás, a adjectivação de "espantoso" deu-lhe uma intencionalidade bem a-propósito.

Um abraço amigo.

joão boaventura disse...

Caro Rui

Por qualquer deficiência minha não foi possível codificar o Gato Félix para fácil consulta da memória passada.

Em tais circunstância retorno, porque o mais teimoso é o que vence, para reintroduzir O Gato Félix, que nos ensina a fazer diamantes, para ver se nos livramos dos três Reis Magos (FMI, CE, BE) que só trazem mirra, para nos mirrar.

Um abraço

Anónimo disse...

Os olhos tem a justiça
desde nascença tapados:
esta é a imagem castiça
que vem dos tempos passados.

A cegueira continua
na contemporaneidade:
é sempre assim que ela actua
ante a criminalidade.

Só mudará quando um dia
se operar às cataratas,
corrigindo a miopia,
vendo as coisas mais exactas.

Até lá, caro Doutor,
não teremos mais remédio
que aguentar este horror
sem que haja termo intermédio!

JCN

Fartinho da Silva disse...

De facto este regime está completa e absolutamente caduco! Os sinais são tão claros e evidentes que fico espantado com a indignação que tantos me manifestam quando faço esta simples e evidente afirmação!

Anónimo disse...

Aproveitando a deixa:

A TROIKA

Os três reis magos vieram,
de mãos vazias chegaram;
quando partiram, levaram
tudo aquilo que quiseram!

JCN

Francisco Domingues disse...

Para mudar esta (in)justiça e não só, o povo que se levante e escreva ao Presidente!
Carta aberta ao Sr. Presidente da República
«Sr. Presidente,
Já que fomos obrigados pela incompetência dos agentes políticos – todos incluídos! – a ir para eleições,
Já que nenhum dirigente partidário oferece credibilidade para, seja qual for o resultado das eleições, formar um governo de unidade nacional como se impõe, de momento,
Já que Portugal só parece ser governável com um governo apartidário ou supra-partidário,
Já que não se levanta em Portugal nenhum movimento popular, como na Islândia, impondo um tal governo que ponha ordem em todos os agentes políticos incompetentes que têm de passar pela vergonha – vergonha que é cúmplice com todo um povo que os elege! – ser ensinados pelo FMI a fazerem as contas "de casa"...,
Cabe-lhe a si, Sr. Presidente, tomar a iniciativa, no exercício da sua magistratura activa e no espírito da Constituição, como diz o Prof. Jorge Miranda, dizer ao País, mesmo antes das eleições, que não nomeará qualquer um dos líderes partidários para primeiro ministro, mas uma personalidade credível da área do partido mais votado, personalidade que formará o tal governo de unidade nacional, governo que execute o programa do FMI, obtendo simultaneamente o compromisso escrito entre todos ou a maioria dos partidos, sobretudo PSD e PS, de nenhum boicote por parte da Assembleia da República às severas medidas adoptadas, incluindo, obviamente, a redução de deputados para o máximo de 180, segundo a Constituição.
Por favor, cumpra este seu dever para com Portugal!
Cumprimentos.»
Se uma boa parte dos portugueses enviasse ao Presidente uma carta como esta, seria um acto de patriotismo muito maior do que ir votar (em quem, se nenhum deles é credível?) ou votar em branco (os votos em branco não são contados par coisa nenhuma – trabalho inútil, portanto!) ou simplesmente abster-se – acto desagradável para quem o motivo não é a preguiça mas o não ter ninguém em quem se reveja como patriota credível que queira realmente servir Portugal e não servir-se...
Quem concordar, avance! Basta ir ao Google e clicar em “Escreva ao Presidente”.

joão boaventura disse...

Caro Francisco Domingues

O seu apelo presidencial para a nomeação de “uma personalidade credível da área do partido mais votado” parece inviável, porque inviáveis parecerão todos os cenários possíveis, se atentarmos que as maiorias prolongadas no governo acabam por dar com os burrinhos na água.

Se atentarmos na história dos governos de iniciativa presidencial, verificamos que têm a mesma duração patenteada no regime da I República. Isto é dizer dias ou meses.

O II Governo Constitucional de Portugal tomou posse a 23 de Janeiro de 1978. Cessou funções a 29 de Agosto de 1978, na sequência de desentendimentos entre os partidos que garantiam o seu apoio parlamentar. A sua formação resultou de um acordo de incidência parlamentar entre o PS e o CDS porque não havia uma maioria parlamentar. Mas dois galos na mesma capoeira ainda duraram sete meses, até abortar, por força da instabilidade

Alfredo Jorge Nobre da Costa foi o primeiro escolhido pelo Presidente da República (Ramalho Eanes) para chefiar um governo de iniciativa presidencial, o III, desde 28.08.1978 a 22.11.1978, ou seja, durante 3 meses. Os partidos políticos acusavam-no de não representar nenhum partido, dizia Freitas do Amaral, ao que o Eng,º Nobre da Costa respondeu que isso não era verdade, porque ele representava a maioria do povo que se abstivera.

Como os partidos pensam mais no próprio umbigo do que no umbigo da Nação, aí o temos novamente à espera de quem irá para o palco. Ramalho Eanes resolveu, até às novas eleições nomear Carlos Alberto da Mota Pinto, que tinha entrado em ruptura com Sá Carneiro em 1975, para formar o IV Governo Constitucional, o que cumpriu desde 22.11.1978 a 07.07.1979, em tempo mais largado, perto de 8 meses. E não durou mais tempo porque Mota Pinto resolveu apresentar uma moção de confiança, dando oportunidade aos partidos de alcançarem o poder. Em vão…

Ramalho Eanes, pelo método da tentativa e erro, faz outro ensaio nomeando Maria de Lourdes Pintassilgo para a formação do V Governo Constitucional, que duraria 5 meses, desde 31-7.1979 a 03.01.1980.

Como vê, Caro Francisco Domingues, os governos de iniciativa presidencial não funcionam porque os partidos estão marginalizados, e os partidos são máquinas de guerra vocacionadas para alcançar o poder.

Com a agravante de querer sugerir ao Presidente da República, que é uma figura marcadamente introspectiva, que nomeie uma figura do partido que tiver mais votos mesmo sem ter a maioria. Isso era uma afronta às maiorias que se poderiam formar, e o Presidente, apesar de excessivamente introspectivo (o povo lá sabe do que gosta), certamente não lhe vai fazer a vontade.

Por isso não escrevo ao Presidente a perfilhar o seu pedido.

Mas, Caro Francisco Domingues, terá de saber então qual a minha opinião, já que discordo da sua. E vou ser-lhe franco. Também não sei, porque as experiências políticas são como os gatos pretos que procuramos num quarto escuro.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...