Novo texto de João Boavida, antes publicado no diário As Beiras.
Os jovens, e não só, hoje, inventam palavras para reduzir o dicionário. Que já não sabem o que seja mas de que têm alguma memória pelo que ouvem a avós e outros caretas de igual antiguidade. Esforçam-se bastante a inventá-las para não terem que se esforçar a aprender as já inventadas, numa criatividade autófaga, que vai comendo as raízes à própria criação. E assim vivem cada vez mais de subentendidos, contribuindo para que as nossas capacidades intelectuais sejam cada vez menos.
Curioso fenómeno de contra-cultura, que a cultura deixou criar e que, estando em processo de aceitação geral, fará do pensar - tarefa já penosa para tantos - um penar para todos e uma pena enorme para Portugal inteiro.
Mas como há autores que insistem no trabalho inverso de criar palavras novas, será interessante ver quem vencerá. Um dia haverá - talvez ainda - estudos sobre os resultados desta guerra entre os que precisam sempre de mais palavras e os que precisam cada vez mais de menos.
Porque há autores com o hábito das palavras nascidas ou renascidas. Mia Couto é um deles, inventa-as a toda a hora, e com um olhar inocente que irritaria os que todos os dias as apagam do falar. Se o lessem, claro. Aquilino Ribeiro e o brasileiro Guimarães Rosa também tinham essa mania. Iam ao mais recôndito do dicionário e traziam de lá, para a luz do dia, palavras inesperadas, belas e antigas. Outras vezes inventavam-nas. Irritando mesmo os que, ainda hoje, usam o dicionário «com mão diurna e nocturna», como dizia o nosso Herculano. Porque não se lêem duas páginas deles sem dar de caras com termos que carecem de consulta. E pior ainda: que nem sempre do dicionário constam. São regionalismos, ou inovações para traduzir uma ideia, expressar uma imagem que as palavras conhecidas não dão, ou não conseguem traduzir naquele matiz, ou para aquele pensamento. Porque, por vezes, uma ideia, uma força de sentimento ou uma intuição precisam de inventar palavras. Os Quatro sonetos a Afrodite Anadiómena, de Jorge de Sena, (Pandemos, Anósia, Urânia e Amátia) são um bom exemplo de palavras que não são nada e são tudo: sem significado conhecido ressoam com a força invisível de um magma das profundezas. Assim se enriquece a língua, e o pensamento que puxa por ela e por ela é puxado. Assim se torna mais inteligente um povo. Voltemos pois aos textos mais ricos e mais fortes, os que nos elevam e engrandecem, caros professores de Português. Os jovens, refilando embora, um dia agradecerão. De outro modo, nem isso ou assim nem de forma nenhuma.
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3 comentários:
Sim, é o (único) caminho certo. Que não estamos a seguir. E como já escrevi noutra ocasião, citanto o meu amigo António Bastos, distinto professor de Português no liceu Sá de Miranda, que se auto-congratula frequentemente por há meia dúzia de anos ter deixado o ensino, mas que ainda agora é procurado por pais que querem os seus filhos a aprender bem a língua "mátria", qualquer dia passaremos a comunicar por estalidos e grunhidos...
É que há alunos no décimo ano que simplesmente não entendem grande parte do que lhes tentamos explicar, e não entendem não por serem destituídos, não entendem porque não conseguem dar significado ao que dizemos...
Outros, por exemplo, não conseguem ler, soletram...
Ora, é tempo de perguntar: onde estão os responsáveis por isto? Quando (e como) lhes vão/vamos pedir contas?
Citando o filósofo Wittgenstein "Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo"
Cruz Gaspar
Não sei porquê, mas a leitura deste texto, talvez por qualquer desviada associação de ideias, despertou na minha memória outro escrito de Agostinho de Campos que também falava da "Estética da Língua Portuguesa", mas abordando "o indefinido 'um' e o seu zum-zum", zum-zum de que João Boavida se libertou porque apenas dez indefinidos uaou.
Mas nada melhor do que dar uma olhada ao artigo de Agostinho de Campos que pode ser lido na página 22, e aproveitar a Crónica da Quinzena subscrita por Aquilino Ribeiro (p. 6), na revista Ilustração n.º 9, de 01.05.1926.
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