Em 1999 foi publicado em França um livro cujo título é: La Vie Sexuel de Immanuel Kant. O autor que consta na capa é Jean-Baptiste Botul. A apresentação, com duas páginas e meia, é assinada por um tal Frèdèric Pàges. Este explica ao leitor estarem reunidas, na pequena obra dada à estampa, umas certas conferências proferidas por aquele.
Tais conferências, supostamente guardadas no arquivo da Associação dos Amigos de Jean-Baptiste Botul, teriam acontecido em Maio de 1946, no Paraguai, destinando-se a uma colónia de alemães fugidos da sua cidade, quando o Exército Vermelho a conquistou.
Seriam peculiares esses alemães: por admirarem o filósofo que escreveu a Crítica da Razão Pura, deram o nome de Nova Konigsberg à sua pátria (que assemelharam à velha Konigsberg), “vestiam-se, comiam, dormiam como ele” e “davam o mesmo passeio lendário” que ele. Porém, se lhe seguissem as passadas no que respeita à vida sexual, extinguir-se-iam… Foi esse o desafio que Botul, apresentado como um obscuro "filósofo de tradição oral" do sul de França, nascido em 1896 e morto em 1947, terá aceitado, sendo que da sua reflexão dependeria o futuro dos neo-kantianos exilados.
Consta que, em 2009, o conhecido filósofo Bernard-Henry Lévy, terá citado Botul numa conferência na École Normale Supérieure, tendo, mais recentemente, reincidido num livro de peso - com 1340 páginas: De la Guerre en Philosophie.
Tudo isto faria sentido se Botul não fosse… uma figura inventada. Pois é, saiu da imaginação de um jornalista com sentido de humor e audácia, que é, nem mais nem menos, do que o tal Pagès, apresentor do livro...
Em comentário ao sucedido Lévy afirmou "Parece que me deixei enganar, como todos os críticos literários que citaram o livro quando ele foi lançado".
Todos, talvez seja um exagero, pois na recensão que eu li, em Agosto de 2004, quando o livro saiu em Portugal (na Cavalo de Ferro), da autoria de Ana Cristina Leonardo e que foi publicada no jornal Expresso, reconhecia-se a farsa: "Pelo meio das jocosas ideias acerca das relações entre a vida pessoal e sistemas de pensamento, Botul lança as raízes da desconfiança: até que ponto é sério o discurso da filosofia ou, pelo menos, até que ponto o podemos levar a sério?"
Quem diz filosofia, diz ciência... Esta "paródia", tal como a de A. Sokal, tem um mérito: levar-nos a aprodundar as fontes, questionarmo-nos acerca do que lemos, duvidarmos do que nos é apresentado. Em suma, sugere-nos que não nos acomodemos no conforto das ideias que nos chegam, que as cruzemos, que as indaguemos.
Nota: Uma entrevista recente a Bernard-Henry Lévy sobre o assunto pode ser vista aqui.
terça-feira, 16 de março de 2010
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7 comentários:
Ao grupo ( De rerum natura ).
Sou um Professor, Biólogo e Químico, que busca divulgar o Verde Vida. São imagens ricas e textos simples, dedicados à causa ambiental/humanística. Visite-o e opine, se puder.
Felicidades em sua jornada!
Cara Helena Damião,
É a primeira vez que vejo uma pedagoga portuguesa referir-se a Sokal, está, por isso, de parabéns!
Na minha inocência da altura (1996), julguei que após a aprovação pela conceituada revista "científica" "Social Text" do seu artigo, produzido através da junção e disjunção de expressões aleatórias retiradas de várias fontes, o pós-modernismo e todos os seus derivados tivessem um fim... no entanto, parece que por cá esta cultura anti-cientifica multiplicou-se e agarrou-se que nem lapa a vários sectores da sociedade não permitindo a sua evolução natural...
Helena Damião, muito obrigada pela referência à minha crítica. Recentemente, voltei a esse assunto na Pastelaria, a propósito do livro de Lévy que refere no seu post
Aqui deixo o link
http://wwwmeditacaonapastelaria.blogspot.com/2010/02/ora-aqui-esta-outro-que-nunca-me.html
Eu já li o sokal no século XXI e fiquei desapontado por ver que afinal ainda se continuavam com essas práticas!
É muito importante verificar e validar todas as fontes, dai que para cada assunto se deve recolher o máximo de informação possível e confronta-la.
O problema é que há muita preguiça, na universidade o professor pede um trabalho de uma disciplina que vale 50% da nota, o aluno pega em 2 ou 3 livros e está feito, não há análise crítíca !
Depois, nas ciências sociais os erros perpectuam-se no tempo: Vejamos o exemplo seguinte: Na primeira republica afonso costa fez um discurso em que prometia erradicar a religião em duas gerações.
Pura invenção de um jornalista, esse discurso não existiu e foi desmentido dias depois, acontece que ainda há pessoas que escrevem livros de história (ou que dizem ser livros de história) em que afirmam o tal discurso como se tivesse existido!
Como a ciência humana e social não é de aplicabilidade prática, há pouca validação pelos pares e as mentiras, erros e outras tretas passam como coelhos por redes amplamente rotas da crítica !
Caro Fartinho da Silva
Digo-lhe mais, a "paródia" de Sokal analisa-se, desde que veio a público, nas Ciências da Educação, sobretudo nos cursos Mestrados, como me parece que não podia deixar de ser.
Cumprimentos,
Helena Damião
Cara Ana Cristina Leonardo
Muito obrigada pelo link que me enviou, tem informação preciosa que já tratei de guardar.
Aproveito para a felicitar por essa sua recensão pois é um texto claríssimo que me levou a ler o livro em causa, logo em 2004.
Cumprimentos,
Helena Damião
Helena,
É fantástico que Botul seja uma invenção, ou será que estamos de novo a ser enganados? E também fui enganado (soube agora), o que no fim de contas é também bastante interessante. Pode um autor falso ser mais verdadeiro que um autor que existe?
É que mesmo sendo irónico e jocoso Botul tem alguma coisa a dizer. Aliás, achei também muito interessante a sua correspondência com Landru "Landru, precursor do feminismo: correspondência inédita 1919-1922" / Henri Désire Landru, Jean Baptiste Botul ; ed. estabelecida por Christophe Clerc e Bertrand Rothé
E acho que não tem grande relação com o caso Sokal. Botul é uma criação que passou a existir, tem alguma coisa a dizer; poderemos citá-lo ou citar o(s) seu(s) verdadeiro(s) criador(es). Da obra buffa de Sokal só poderemos citar a existência e a acção, não o conteúdo.
Sérgio Rodrigues
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