sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
O MUNDO NÃO PIOROU
Meu artigo de opinião no jornal "Público" de hoje:
O escritor inglês G. K. Chesterton, no seu famoso livro “O Homem que era Quinta-Feira” (publicado em 1908), coloca um grupo de anarquistas a conspirar no terraço de um hotel de luxo em Londres, com vista para a Leicester Square. Um dos conspiradores explica assim a ideia, tida por genial, do chefe: “-Ele agora insiste, até limites inconcebíveis, na ideia de nos ocultarmos mostrando-nos bem(...) Disse que se não parecesse que nos escondíamos ninguém nos procuraria". O seu interlocutor pergunta-lhe atónito: “-E o que dizem as pessoas?” Ao que o conspirador responde: “O que dizem é simplicíssimo. Que somos um grupo de cavalheiros joviais a brincar aos anarquistas.”
O primeiro-ministro português, José Sócrates, poder-se-á ter inspirado em Chesterton se acaso conspirou contra a imprensa no restaurante de um hotel de luxo na Avenida da Liberdade, em Lisboa, juntamente com dois dos seus ministros mais próximos. E o que dizem as pessoas? Pois não dizem que ele estava a brincar, antes o tomam a sério.
Há fortes razões para acreditarmos que o político que, um dia, se auto-intitulou “animal feroz” não gosta de certas vozes da comunicação social. Chegou ao cúmulo de apresentar uma queixa-crime contra João Miguel Tavares, jornalista do Diário de Notícias, só por ele ter escrito, num tom humorístico: “Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina”. Com o bom-senso que faltou ao queixoso, o Ministério Público mandou arquivar o processo por não ver na crítica mais do que o normal exercício da liberdade de imprensa.
A invectiva de José Sócrates contra o jornalista da SIC Mário Crespo não decorreu à porta fechada, mas sim num sítio público e, pelos vistos, num tom de voz suficientemente alto para ter chegado até nós. Não foi “jornalismo de buraco de fechadura”, pois ninguém colocou o ouvido na porta. O primeiro-ministro é que não reparou que não havia porta.
Não pode um governante dizer o que quiser sobre quem quiser? Poder, pode, mas não é a mesma coisa dizê-lo em público ou em privado, à porta aberta ou à porta fechada. Ficamos com a ideia de que pretende mesmo que se saiba o que pensa sobre os jornalistas. Ele próprio disse, na entrevista em que se apresentou como “animal feroz”, que “os jornalistas são o grupo social menos criticado” e quererá diminuir esse défice. A consequência imediata, não sei se pensada por ele, é que ficamos também a saber a opinião dos jornalistas sobre ele. Estão no seu direito, pois o que escrevem, nomeadamente quando aconselham preocupação com outros défices, não é mais, afinal, do que o normal exercício da liberdade de imprensa.
Há, porém, quase ao mesmo tempo, casos bem mais graves. Lamentavelmente, o espaço das comunicações telefónicas tornou-se, sem que ninguém o consiga impedir, uma praça pública. As escutas recentemente divulgadas pelo semanário Sol, no âmbito do caso de tráfico de influências e corrupção conhecido por Face Oculta, vieram revelar que alguns amigos do primeiro-ministro conspiram, à porta fechada, contra a imprensa. E o que dizem as pessoas? Pois não dizem que são um “grupo de cavalheiros joviais” a brincar à política e aos negócios, mas antes os tomam a sério. O que eles dizem nas conversas, que é incrível, parece crível à opinião pública. Há aqui matéria para a política e há também matéria para a justiça, sendo desejável que as duas não cometam o erro de se prejudicarem uma à outra. Há ainda, claro, matéria para a comunicação social, cuja obrigação é acompanhar criticamente a política e a justiça. É sua missão não só descrever o mundo mas também ajudar a melhorá-lo quando ele vai mal. Sem um jornalismo atento não teríamos tido o caso Watergate e vários outros “gates” que impediram abusos de poder. Os políticos que demonizam os mensageiros ignorando o conteúdo das mensagens podem estar a esquecer esses casos. Foi Chesterton, um grande jornalista, que disse: “Não foi o mundo que piorou, as coberturas jornalísticas é que melhoraram muito”.
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8 comentários:
Matar o mensageiro por causa da mensagem que ele traz é uma prática iniciada no Império Persa...
Caro Professor: Parabenizo-o por este excelente e lúcido post.Um abraço.
Os jornalistas são humanos sujeitos às exigências de audiências, e pelo estado das coisas muito mais se poderia dizer, em relação à integridade, à formação, aos interesses políticos, económicos de cada um deles ou de instituição que cada um trabalha. Tenho visto vezes demais a comunicação social derrubar governos. O poder que auferem é enorme. Todos os dias se procuram noticias e todos sabemos que o noticiário e jornais não vendem propriamente optimismo. A comunicação social é um negócio. Eu não defendo o actual governo. Só quero salientar que já se afastaram bons presidentes por um broche para serem substituídos por beduínos mais maleáveis. E não compactuo nesta histeria que me querem provocar e fazer engolir à força!
Bom artigo e muito bem escrito (como é habitual)
No entanto, não partilho do seu optimismo no que concerne ao papel 'vigilante' e 'democratizante' da imprensa (em especial da imprensa convencional - jornais, rádios, televisões - no actual cenário social, político e económico).
Sócrates tinha toda a razão quando afirmou (como, de resto cita) que os jornalistas são o grupo social menos criticado (eu partilho desta opinião...bem sei que não é nada popular nem politicamente correcta...)
É fácil compreender porque assim o é; os jornalistas (eu prefiro 'orgãos de comunicação social' para não funalizar e acusar individualmente os profissionais da informação) têm sempre a última palavra, afinal eles são os 'media' ou seja os suportes da informação em última instância (a informação circula em loop sempre através da sua mediação). Os media constituem o mais forte poder das sociedades contemporâneas, até porque estão protegidas por essa suposta superioridade moral de que se auto-reclamam; enquanto que os políticos são manipuladores, estrategas, donos do poder absoluto, os media estão, em absoluto contraste, supostamente cobertos pela diáfana manta da 'objectividade' e da 'verdade'.
Os media são os herdeiros dos oráculos e dos púlpitos das igrejas de outrora.
Os media podem, com toda a facilidade, manipular ou influenciar decisões aos mais altos níveis (mesmo que à custa da destruição de carreiras e vidas). E fazem-no sem rigor nem preocupação pelas consequências.
Ainda se deve lembrar de como a 'isenta' e 'vigilante' cobretura mediática do caso Casa Pia envolveu Ferro Rodrigues (na base do 'diz que disse' e da simples calúnia e boato)!! Tenho fontes seguras que me informaram que, em fução dessas suspeitas lançadas à praça pública, Jorge Sampaio foi pressionado a não convocar eleições aquando da ida de Durão Barroso para a Comissão Europeia e a conceder os destinos do país a Santana Lopes. Como se sabe, no decurso dessa opção Ferro Rodrigues demite-se do cargo de secretá Geral do PS e, para o seu lugar foi...Sócrates (dado o escândalo, o PS não queria arriscar aida de Ferro às urnas...). Parafraseando Chesterton, eu diria que 'O mundo piorou, em parte porque as coberturas jornalísticas também pioraram'
Eis o 'pouco poder' dos media sem olhar aos critérios de 'verdade' e 'objectividade' de que tanto se reclamam!!! Pelo contrário, os garandes media apelam ao julgamento fácil, demagógico e emotivo uma vez que, claro está, os meios de comunicação social estão inseridos no mercado e têm de sobreviver na selva capitalista e dão ao povo o que o povo quer (o elemento 'circo' do famoso par de exigências dos cidadão da Roma antiga)
Já agora, lembro-me bem de como o jornal para onde escreve a sua coluna de opinião, em plena discussão do caso Casa Pia, expressamente proibiu (por decisão do então director José Maneul Fernandes) a divulgação do conteúdo de uma palestra de uma especialista americana em 'memórias falsas' (algo bem estudado utilizando os mais altos níveis de padrões científicidade - e que já ajudou muita gente inocente vítima de testemunhos de crianças devidamente contruídos por psicólogos, assistentes sociais e polícias que lavam convenientemente o cérebro das 'vítimas'). Belo exemplo da 'imparcialidade' e 'objectividade' de que o Público tanto reitera para si mesmo!!
A propósito da sua criação Spiderman, Stan Lee sugeriu o mote "Com grande poder acresce a responsabilidade". Os Media têm a primeira das 'qualidades' mas podem-se dar ao luxo de sujeitar a segunda a verdadeiros tratos de polé.
CINZAS DO MAL
A muito custo, ao fim de muita dor,
livrámo-nos da Santa Inquisição
e mais recentemente do terror
dos campos ditos de concentração.
Tirando algumas poucas excepções,
livrou-se o ser humano da tortura
e das maciças exterminações
de povos por motivos de cultura.
Presentemente reina a liberdade
em quase todo o mundo por virtude
de uma geral mudança de atitude.
O que intimida ainda a humanodade
são nos confusos tempos actuais
as pequeninas "soluções finais"!
JOÃO DE CASTRO NUNES
P. S. - O caso do jornalista Mário Crespo não será equiparável a uma destas "pequeninas soluções finais"?... JCN
Pio XI numa audiência com jornalistas lançou este memorável aviso:
"Os jornalistas são responsáveis, não só pelo que escrevem, mas também pelo que calam".
No panorama presente que Governo e Imprensa nos oferecem gostaria de saber como enquadrar o aviso do Papa.
A Imprensa "escrever" para descortinar o que o Governo tramava na sombra?
A Imprensa "calar", para o Governo manobrar na sombra?
Acho absolutamente lamentável que os socialistas teimem em defender o absurdo apenas porque com isso julgam defender uma criatura como a que temos como primeiro ministro...
Eu estou completa e absolutamente envergonhado, mas talvez seja por ter ascendência catalã...!!!
Não tenho qualquer dúvida que de Badajoz para dentro, há muito que este senhor tinha mudado de vida, mas em Portugal o problema são os professores, os jornalistas, a oposição, os desempregados, os funcionários públicos, as agências de rating, os investidores, os anéis de Saturno, a grande mancha vermelha de Júpiter, o eixo de rotação de Vénus, enfim... depois queixa-mo-nos...
No meu anterior comentário sobre a matéria aqui versada pus duas questões deduzidas da sentença ou aforismo do Papa sobre as funções dos jornalistas.
Foram elas:
A Imprensa deve "escrever" para descortinar o que o Governo trama na sombra?
ou
A Imprensa deve "calar", para o Governo manobrar à vontade na sombra?
Julgo oportuno acrescentar outra:
A imprensa quer "escreva" quer "se cale" deve ter por certo o arrependimento?
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