Neste blogue, como noutros contextos, quando se fala em ensino e em aprendizagem, fica no ar uma pergunta: afinal que teorias existem para explicar um e outra?
Existem muitas e explicá-las todas é uma tarefa (quase) impossível - esta é a resposta mais imediata e, provavelmente, a mais certa.
Porém, para se compreender melhor o que se lê e o que se faz na área da educação escolar e, até, para se tomarem decisões, é preciso, em certos momentos, fazer sínteses, mesmo correndo o risco de simplificação. Ainda que esteja consciente desse risco, evidencio três grandes grupos de teorizações sobre a essência e modos de condução do ensino e da aprendizagem, as quais me parecem incontornáveis em qualquer discussão pedagógica no presente.
Refiro-me às teorizações behavioristas, que põem a tónica nos comportamentos directamente observáveis dos sujeitos; cognitivistas, que põem a tónica no processamento cognitivo que os sujeitos fazem da informação; e sócio-construtivistas, que põem a tónica na construção que os sujeitos fazem dos conteúdos, em função do seu contexto vivencial e pessoal.
1. As teorizações neo-behavioristas (deixo de lado as behavioristas clássicas) e as cognitivistas:
1.1. Em termos fisiológicos, psicológicos e pedagógicos, partem do princípio de que, com raras excepções, todos os sujeitos humanos têm, à partida, capacidades (no sentido de potencialidades) semelhantes para aprender, dependendo a aprendizagem, em grande medida, da estimulação – comportamental e/ou cognitiva – que lhes é proporcionada. Assim, no plano da educação formal, sem descuidarem factores relacionados com o ambiente que os rodeia e com as suas próprias características, partem do princípio que é possível e desejável, sempre com base em conteúdos académicos, desenvolver essas capacidades, de forma a optimizá-las (desse modo, elas irão manifestar-se como competências). Ambas as teorizações consideram, por exemplo, que os aprendizes têm capacidade de memorização, a qual, se devidamente trabalhada para integrar certos conteúdos, se traduz na competência de recordar/definir/enumerar esses conteúdos. As mesmas considerações podem ser feitas para as capacidades de compreensão, de aplicação, de análise, de criatividade, de crítica, de valoração… Nesta acepção, muito sumariamente descrita, o ensino deverá organizar-se de forma rigorosa e em função de princípios pedagógicos claros como sejam o de complexidade crescente (dos conteúdos mais simples para os mais complexos; das competências mais basilares - no sentido de que alicerçam as seguintes - e concretas para as mais compostas - no sentido de que apelam para a conjugação das que antes foram adquiridas - e abstractas) e de controlo frequente (o que requer a constante e atenta verificação das respostas dos alunos, de modo a auto-regular o processo de ensino e de aprendizagem). Isto para que todos os alunos de um determinado nível, ciclo ou curso dominem os mesmos conteúdos relativamente às mesmas competências.
1.2. Em termos epistemológicos, estas teorizações enquadram-se numa lógica tendencialmente objectivista, no sentido em que põem a tónica na explicitação e sistematização de conteúdos e competências que se pretende ensinar, aos quais, por princípio, devem ter valor intrínseco e instrumental, em termos (a) de transmissão da herança cultural da humanidade, (b) de desenvolvimento social, (c) de desenvolvimento dos sujeitos. Assim, sem negarem a especificidade de cada sujeito, incidem, por um lado, num ou em vários núcleos de aprendizagens que se entendem como necessário dominar e, por outro lado, no que cientificamente se sabe acerca de como se aprende.
2. As teorizações sócio-construtivistas:
2.1. Destacam as diferenças sociais, culturais (no sentido étnico), grupais, pessoais, entre os sujeitos, sendo que é a partir delas que se formulam os seus interesses, motivações e necessidades, as quais devem ser acolhidas, respeitadas e mobilizadas no quadro da educação formal. Destacam também a possibilidade que todos os aprendizes terão para construir o seu próprio conhecimento a partir daquele que já possuem e que é derivado das suas vivências quotidianas. É precisamente em função destes dois pressupostos que se deverá desenvolver o currículo escolar, ou melhor os currículos, que serão tantos quantos os contextos sociais dos alunos, pelo facto de se requerer a aceitação das suas particularidades e solicitações. Assim, pondo a tónica no concreto e naquilo que tem significado social no e para o grupo ou grupos de pertença, a educação formal terá primordialmente de preparar os sujeitos para se integrarem na vida activa. Nesta acepção, também muito sumariamente descrita, o ensino deve proporcionar problema complexos, próximos dos reais, que os aprendizes resolverão da forma autónoma e colaborativa, pesquisando ou desenvolvendo projectos com orientações e directividade mínima por parte do professor.
2.2. Em termos epistemológicos, estas teorizações enquadram-se numa lógica tendencialmente subjectivista, relativista de contornos pós-modernos. Nesta medida, acentuando a perspectiva, o modo de ver, a opinião, os interesses, etc. de cada sujeito ou grupo, põem a tónica na diversidade de solicitação de aprendizagens que a escola deve acolher. Aprendizagens essas que se centram na construção de competências instrumentais, isto é, utilitárias do ponto de vista de aplicação imediata na vida pessoal e social dos sujeitos, de cidadania, e de integração no contexto circundante. Os conteúdos tradicionalmente veiculados pela escola são, pois, invocados se e quando necessários a tais intentos, atribuindo-se-lhe um papel claramente subsidiário. Essa opção é sobretudo direccionada para os conteúdos mais teóricos, no sentido de abstractos e eruditos, dada a sua maior distância dos saberes “populares”, “alternativos” que grupos, culturas, pessoas edificam, consideram válidos e que, nessa medida, equivalem em dignidade àqueles; saberes que, assinale-se, os sujeitos possuem previamente às aprendizagens formais. Assim, não se deverá falar de um saber, no singular, a transmitir, mas de saberes, no plural, a construir.
Neste ponto pode perguntar-se: qual será a teorização mais certa? Qual se deverá seguir? Bem, a resposta depende, obviamente, dos objectivos que se pretende atingir com a educação formal, mas, como esses objectivos estão longe de se afigurarem claros, há um grande lugar para as opiniões...
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4 comentários:
Pois, professora Helena Damião, teorias há muitas. E há tantas mais quanta a nossa capacidade de combinar aspectos de umas e de outras.
Pelo meu lado parece-me que um professor, ao fim de muitos anos de ensino, começa a ter o mesmo sentimento relativamente à abundância de teorias pedagógicas que o cozinheiro experimentado relativamente aos livros de receitas mais publicitados.
E então tem tendência para recordar ditos como o do nosso João de Deus: "não há métodos bons com professores maus nem métodos maus com professores bons"
Porque, em boa verdade, não são as teorias que ensinam, são os professores (ia a dizer mestres), e as situações da vida, já agora...
De tal sorte que começa a haver alguns, como eu, que aplicam um pouco daquela expressão que ouvi à falecida Beatriz Costa aplicada noutro contexto, mas que transporto para as teorias pedagógicas: o melhor é provar de tudo mas não comer de nada.
É que, diga-se o que se disser, a acção do professor é uma arte, que (sobre)vive muito do conhecimento e do talento de cada um e, claro, da experiência.
Mas é bom que haja teorias, para os aficcionados e para os que precisam de ganhar a vida obtendo diplomas académicos, sem curarem de aplicar na prática as teorias em que se vão enfronhando e que passam a vida a tentar impingir. Porém, também para esses, os dias já terão sido mais lustrosos...
Na minha qualidade de leitor assíduo deste blog, desde há uns anos para cá, lamento dizer-vos que se transformaram gradualmente num gigantesco aborrecimento.
Eram no início um bom blog de divulgação e discussão científica, e filosófica e agora basta ver a lista de temas ao lado, começando em "aprendizagem" e "avaliação do ensino", passando por "Concepções de educação", desde o "ensino básico" ao superior terminando em "pedagogia" e "teoria da educação", um verdadeiro chorrilho de nomes para a mesma coisa. E os poucos artigos interessantes sobre ciência ou filosofia que ainda aparecem não valem a pena a fadiga de ler sempre o mesmo título transfigurado.
Não discuto o interesse do tema, muito menos a sua importância. Se é essa a direcção escolhida, aviso: fecham-se num círculo de especialistas interessados, que especulo não devem diferir muito em tipo das pessoas que criticam, massacrando com redundâncias e repetições infecundas sobre o "problema da educação" qualquer outro curioso que se aproxime para ver para quê tanto alarido.
por outras palavras: um ou outro post informado de tempos em tempos seria 1000x mais produtivo. Assim ameaçam tornar-se numa espécie de antibiótico que por via do excesso na dosagem se torna inócuo e potencialmente culpado pela resistência extra de futuras estirpes.
É por essa razão que vos elimino do meu feed. Achei que não faria mal dizer-vos porquê.
O melhor não existe. Salvo para os fundamentalistas de alguma teoria, na prática haverá sempre combinação de teorias.
Não acredito em teorias de ensino. Todas no fim se mostram obsoletas. Um professor deve ter a sensibilidade para saber como transmitir o conhecimento a sua turma. E isso varia de turma para turma. Além do mais, o ensino com base em teorias faz perder aquele senso de que a educação é feita particularmente, a cada indivíduo, e portanto, diferente para cada um. O professor deve ter o talento para analisar e aplicar isso!
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