sábado, 20 de fevereiro de 2010

A interferência do erro nas decisões humanas

O texto que se segue resulta da compilação de dois comentários da autoria do leitor João Boaventura a um recentemente publicado no De Rerum Natura. Nele se explica uma sequência de decisões humanas que se revelaram tragicamente erradas e que explicam no livro Les décisions absurdes de Christian Morel. Pelo seu interesse e clareza, aqui lhe damos o destaque lhe é devido (na foto a explosão do Challenger).

Nos cinco anos que precederam o lançamento da nave espacial Challenger vários estudos incidiram na deterioração das juntas dos dois cilindros laterais "bloosters", provocada pela excessiva sensibilidade ao frio. Estas juntas são consideradas peças críticas, segundo a terminologia da NASA, pelo que, antes de se proceder a qualquer lançamento é necessária uma autorização ao mais alto nível.

Em 1980, as juntas eram catalogadas como "críticas de 2.º nível", passando, em 1982, a "críticas do 1.º nível", designações suprimidas a partir de 1983. Porém, algo deve ter corrido mal para voltarem a ser "críticas" em 1985, com a relevância de que a autorização para lançamentos já podia partir de níveis intermédios.

Seis meses antes do lançamento, um engenheiro da empresa produtora de "boosters" apresentou um relatório à direcção, onde exprime o seu "fundado receio de uma catástrofe terrível", se o problema das juntas não não ficar eficientemente resolvido. Outro engenheiro da mesma empresa solicitou a suspensão da entrega dos "boosters", com este aviso: "This is a red flag".

Um mês antes do lançamento a empresa dos "boosters" solicitou que as juntas deixassem de ser "peças críticas", ao que o responsável da NASA recusou mas, perante a insistência acaba por anuir, mantendo o ano de 1986 para o lançamento da nave.

No dia 27 de Janeiro de 1986, véspera do lançamento, os engenheiros da Morton Thiocol, no Utah, informados sobre as temperaturas baixas na Florida, ficam extremamente preocupados porque as juntas não foram testadas a tão baixas temperaturas, o que leva a empresa construtora a solicitar uma urgente teleconferência com a NASA, que levanta dúvidas sobre o lançamento no dia seguinte. Para uns, a solução é adiar, mas, para outros, a empresa de Utah não teria sido muito explícita.

Perante esta emergência, dezoito altos responsáveis e engenheiros da Morton Thiokol, e dezasseis responsáveis da NASA, teleconferenciam sobre o problema posto pelas baixas temperaturas.

Os engenheiros explicaram que o efeito de tão baixa temperatura é o de não permitir o enchimento das juntas com a consequente fuga do carburante e explosão. Posto isto a empresa propôs o adiamento do lançamento e solicitou uma pausa para reunião interna sobre melhor solução.

Na reunião empresarial dois engenheiros "declaram violentamente" que é imperioso evitar o lançamento, enquanto outros se mantêm silenciosos. O engenheiro responsável pelo estudo de projectos opõs-se igualmente ao lançamento. Perante esta quadro negativo para a empresa, os três directores responsáveis isolam-se com o engenheiro responsável, ao qual solicitam: "Take off his engineering hat and put on his management cap".

Enquanto aguardam as novas explicações da Morton Thiakol, o chefe responsável da empresa adido ao centro espacial Kennedy, na Florida, aconselhou veementemente o director da NASA a adiar o lançamento, mas discordou alegando que as juntas já há muito haviam deixado de ser peças críticas, o que se comprovava com os 24 precedentes lançamentos efectuados.

A teleconferência empresa-NASA foi retomada já perto da meia noite, véspera do lançamento. A empresa declarou que a nave podia ser lançada, o que confirma em fax assinado pelo responsável, mas sem a assinatura dos dois engenheiros que recusaram pactuar com a decisão errada.

No centro espacial Kennedy três altos responsáveis da NASA reúnem-se com o chefe do projecto da empresa adido, para lhe comunicarem que a referida empresa tinha concluído que a nave podia ser lançada sem qualquer risco, o que o surpreendeu e o levou a instar uma vez mais pelo adiamento, mas sem resultado.

No dia 28 de Janeiro de 1986, às 11:38, assistimos ao lançamento da nave com os resultados previstos.

Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...