“Voltámos à instrumentalização dos sindicatos como ‘correia de transmissão’ do PCP” (Mário Soares, Diário de Notícias, 29/01/2008).
A polémica declaração pública de Manuel Braga da Cruz, reitor da Universidade Católica Portuguesa, ao responsabilizar recentemente os efeitos perversos do sindicalismo docente pela perda de autoridade dos professores, deve obrigar a uma reflexão aprofundada sobre um sindicalismo que fez da rua palco ruidoso reivindicativo, a exemplo das manifestações das grandes massas operárias de pendor revolucionário nos fins do século XIX.
E porque “toda a verdade gera um escândalo”, como escreveu Marguerite Yourcenar, de igual modo deve dar que pensar o silêncio cúmplice dos sindicatos docentes a um artigo de opinião de Helena Matos (Público, 21/10/2008), bem contundente pela escolha do título: “Para que servem os sindicatos?”
Do referido texto, transcrevo dados referentes a sindicatos docentes que, ainda segundo Helena Matos, “são uma extensão da administração pública e por ela sustentados”: “Os 450 professores que estão destacados nos sindicatos representam uma despesa anual superior a oito milhões de euros. No ano lectivo passado, estavam destacados 1327 docentes (…) que custavam por ano 20 milhões de euros, segundo estimativas do governo” (Agência Lusa, 2006).
Entretanto, no terreno movediço de conveniências ocasionais, surgiu, em tempos, uma aliança entre catorze sindicatos de professores que, forçosamente, conduziria a desavenças e clivagens profissionais com todos os traumas que a repulsão entre pólos opostos, por si só, justifica. Isto porque atendendo à pluralidade de interesses em jogo, segundo Cover (1986), “a opinião comum que é possível obter tem sempre um limite trágico”.
Disso mesmo nos viria a dar prova a Federação Nacional de Educação (FNE), quando o seu secretário-geral, João Dias da Silva, durante o seu 9.º Congresso (2008), reconhece ter a FNE “perdido visibilidade ao integrar-se na Plataforma Sindical, dizendo que no futuro serão necessários acordos para impedir que alguns sindicatos se sobreponham a outros injustamente”.
Reminiscências do sonho de unicidade sindical de inspiração marxista, emergente logo a seguir ao 25 de Abril e prontamente confrontado com o acordar do processo democrático que permitiu o aparecimento de vários sindicatos de professores? Ou, apenas, uma plataforma reivindicativa travestida de unicidade que as especificidades políticas e estatutárias dos sindicatos nela integrados desaconselhavam e, muito menos, deviam tolerar?
Com a conivência de certos sindicalistas e em nome de uma utópica igualdade que corre o risco de destruir a escola pública, continua a assistir-se a uma defesa desesperada e intransigente de um estatuto profissional docente em que o mérito se quer abrangente para todos os professores, a fim de poderem ascender ao topo da carreira em calhas de simples antiguidade e frequência de acções de formação de êxito duvidoso face ao que se passa e vai transpirando, de quando em vez, para fora das nossas escolas e se verifica nos resultados do PISA.
Resultados que mais não reflectem que o facilitismo de um sistema educativo que não avalia (ou avalia mal) os resultados das aprendizagens dos alunos, através de exames nos três ciclos do ensino básico, para dissimular a nudez de um ensino que não ensina adoptando a política do avestruz por "não queremos crer, realmente, na verdade, sendo essa uma das pobrezas do nosso tempo" (Jorge Luís Borges).
O murmúrio dos professores sem receio de serem avaliados em parâmetros de saber, de sacerdócio, de esforço, de dedicação ao seu múnus, deve merecer tanta ou mais audição junto dos poderes públicos que a vozearia daqueles que pretendem impor um estatuto da carreira docente ao serviço da mediocridade. Por outras palavras, em democracia as causas justas não devem submergir em ondas de turbas com slogans revolucionários que defendem os direitos para uns e os deveres para outros.
Será talvez a altura dos dirigentes de um sindicalismo arcaico se debruçarem atentamente sobre a tese de doutoramento em Sociologia de Manuel Carvalho da Silva, defendida no ISCTE, em Julho de 2007, intitulada “Centralidade do Trabalho e Acção Colectiva – Sindicalismo em Tempo de Globalização”, que termina com a seguinte advertência: “Os sindicatos estão desafiados a ter futuro”. E esse futuro, segundo o seu autor, passa por um mundo mais exigente e ajustado aos novos tempos em que cada um deve procurar ser mais qualificado, a excelência deve ser perseguida e os mais capazes devem ser premiados em resultado do seu contributo para os resultados.
Este género de sindicalismo, adaptado às necessidades dos tempos que correm, parece não ter caído nas boas graças do Partido Comunista Português. Assim, cito do Público (09/01/2008): “Manuel Carvalho da Silva poderá abandonar a liderança da CGTP e não ser sequer candidato a secretário-geral no próximo congresso que se realiza a 15 e 16 de Fevereiro. Carvalho da Silva terá mesmo já comunicado a dirigentes do PCP que não está disponível para continuar a dar a cara pela maior central sindical portuguesa, perante o tipo de imposições que este partido tem feito quanto à composição da futura direcção, bem como à estratégia e programa a seguir no futuro pela CGTP”.
Em notícia do mesmo jornal (23/01/2009) lia-se, em título, “Futuro do movimento sindical está em risco, diz a UGT de Portugal”. A razão apresentada pelo respectivo secretário-geral, João Proença, foi o risco “face ao baixo nível de sindicalização dos jovens portugueses, uma realidade que obriga a repensar a imagem dos sindicatos”.E acrescentava: “A UGT deve manter uma política de sindicalismo com propostas, que trabalha para obter acordos e que nunca faz da luta um objectivo de acção”.
Sintomaticamente, um estudo, incidindo sobre uma população de 16 países europeus, publicado no mês de Fevereiro de 2009 nas Selecções do Reader’s Digest, colocou a profissão de líder sindical entre as profissões menos confiáveis em Portugal. Para tentar inverter esta tendência, em tempo de mudança para um novo paradigma, um sindicalismo que se deseja moderno e responsável não deve continuar a asssumir uma política reivindicativa, exclusivamente, laboral, descurando os verdadeiros problemas de um sistema educativo que “ensina pouco, educa menos e exige quase nada”, em denúncia da Associação Comercial do Porto, anos atrás.
Em defesa de uma necessária paz social, embora num contexto mais amplo, no seu livro, “A transformação da política”, escreve Daniel Innerarity, considerado, pelo Le Nouvel Observateur, como um dos grandes pensadores do mundo actual, “que os recriminadores de ofício (…) costumam esquecer que a capacidade de indignação é limitada, classificando-os de “hooligans” da crispação política, oportunistas e ressentidos contra as instituições e a democracia de partidos”.
De forma lamentável e em resquícios de uma luta sindical do passado, uns tantos sindicatos docentes responsáveis por manifestações constantes no sector da Educação parecem querer continuar a criar um clima de conflito permanente, terreno fértil para a desestabilização da sociedade portuguesa e prejuízo presente e futuro para o sistema educativo português seu refém imediato. Como diziam os deputados do vintismo, nunca mais aprendemos.
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2 comentários:
Tanto quanto sei, em países com maior desenvolvimento social que o nosso, como a Suécia, não existe esta proliferação de sindicatos. Essa polémica da unicidade sindical não passou já de prazo?
Se os sindicalistas e outros (políticos ...) são menos prezados por alguma opinião pública, não será isso indício da fraca participação cívica da sociedade?
Atribuir ao sindicalismo os problemas do ensino não será diminuir a responsabilidade dos governos, dos empresários que não exigem e de uma sociedade que participa pouco?
Qual(quais) a(s) alternativa(as)?
Calar e obedecer simplesmente não servirá de nada.
Caro João F.B.R. Simas:
Começa, e a meu ver bem, por chamar a atenção para o facto de na Suécia, e outros países, com maior desenvolvimento social (e económico, acrescentaria pelo meu lado) não existir a proliferação de sindicatos (da educação) de Portugal.
Circunscrevo-me a uma comparação entre os casos da Educação e outros ramos de actividade profissional, havidas como corpos especiais (médicos e enfermeiros). Os sindicatos dos professores (“uma extensão da administração pública e por ela sustentados”, como escreveu Helena de Matos) que integram a Plataforma Sindical (mais de uma dezena) são em número nada comparável, nem de perto nem de longe, com o número de sindicatos dos médicos e dos enfermeiros. Quase nunca a quantidade acompanha a qualidade!
Claro que é um erro grosseiro pretender atribuir, em exclusivo ao sindicalismo docente, as culpas que cabem ao Ministério da Educação pelos erros que se andam a cometer e que mereceram de Silva Lopes (2004) o comentário desolado e desolador “É um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje É bom que se saiba que sempre que há a vontade de alterar este “statu quo”, logo surgem os sindicatos a denunciar a “heresia”! Assim, é muito difícil de ser prior de uma freguesia em que os sindicatos, décadas atrás, permitiam ou estimulavam a inscrição de indivíduos que davam aulas sem a mais pequena habilitação académica para o fazerem como se a docência fosse coisa da menor importância. Ninguém consegue ser sapateiro se não for capaz de pôr meias solas, mas pode ensinar mesmo que não saiba ensinar.
Pergunta quais as alternativas? Julgo que a leitura atenta do meu post poderá dar algumas pistas, de entre elas, adaptar os retrógrados sindicatos docentes a um paradigma que se liberte de um sindicalismo de fins do século XIX e encare os desafios do dealbar deste século. O secretário-geral da UGT reconhece que “o futuro do movimento sindical está em perigo!” Os próprios movimentos independentes de professores deram a prova que algo de novo terá de aparecer para que os professores tomem em próprias mãos, não manietadas por interesses políticos ou sindicais. Enquanto os enfermeiros tudo fizeram para criar uma ordem profissional os sindicatos docentes removem terra e céu para que não seja criada uma Ordem dos Professores. Talvez para continuarem a lançar poeira nos olhos da opinião pública que uma licenciatura específica universitária para a docência exclusiva da Matemática do 2.º ciclo do básico, por exemplo, deverá ter o mesmo tratamento que uma outra do politécnico para ministrar em simultâneo Matemática e Ciências da Natureza. E desta forma, face ao insucesso na Matemática, surgem, mais vezes do que seria para desejar, cursos de formação para os licenciados pelas ESE´s, como se remediar fosse melhor do que prevenir.
Pois foi esta a monstruosidade que vem do tempo de Ana Benavente, secretária do Estado da Educação do Partido Socialista, que encontrou leito acolhedor em Maria de Lurdes Rodrigues e que, pelos vistos, será perpetuada por Isabel Alçada, professora da Escola Superior de Educação de Lisboa. É esta monstruosidade que os sindicatos dos professores, hoje, aplaudem com as mãos ambas.
Termina o seu comentário dizendo que calar não servirá de nada. Tem toda a razão. Como escreveu Oscar Wilde, “a insatisfação é o primeiro passo para o progresso de um homem e de uma nação”.Por isso, não me calo e agradeço-lhe a oportunidade que me deu de esclarecer que, de forma alguma, bem pelo contrário, aplaudo a linha política seguida nestes últimos anos num sector tão importante como o da Educação pelo Partido Socialista. Mas isto é uma discussão que merece ser bem mais aprofundada porque, como nos diz o provérbio, “quem cala consente!” E com isso consentirem que se dê cabo da Escola Pública, herdeira de muito lustre.
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