É quase certo que, num futuro muito próximo, o nosso Ensino Básico venha a sofrer mais uma reforma/reorganização curricular.
Há escassos dias, o designado Conselho de Escolas avançou uma proposta e a própria ministra da Educação pronunciou-se publicamente sobre o assunto no Seminário O impacto das avaliações internacionais nos sistemas educativos, promovido pelo Conselho Nacional de Educação.
A pergunta que, como sociedade, devemos fazer é se faz sentido avançar com uma reforma/ reorganização curricular para os três primeiros ciclos de escolaridade, tendo em conta que a que está em vigor foi publicada há menos de uma década, em 2001, e que só recentemente foram homologadas as reformulações dos programa de Matemática (2007) e de Português/Língua Portuguesa (2009)?
Penso que sim, que faz sentido, se tivermos em conta que o currículo vigente não tem produzido resultados académicos comparáveis ao de outros países ocidentais. Pelo contrário, os estudos de avaliação internacional e alguns de avaliação nacional dignos de crédito dão-nos a perceber um cenário cada vez mais preocupante, do qual o Ministério da Educação poderá estar consciente.
E isto acontece apesar dos esforços que têm sido empreendidos ao nível da formação contínua de professores nas áreas consideradas críticas (Matemática, Língua Portuguesa e Ciências Experimentais) e dos novos programas, ao nível do Plano da Matemática (que inclui diversas vertentes), ao nível da introdução das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação nas escolas, ao nível da implementação de Áreas Curriculares não Disciplinares (como o Estudo Acompanhado, que procura desenvolver competências de aprendizagem autónoma) e de Actividades de Enriquecimento Curricular (como as de Apoio ao Estudo, destinada à realização trabalhos de casa e de consolidação das aprendizagens com acompanhamento), etc.
Contudo há uma questão incontornável, decorrente desta afirmação: em que aspectos se deve centrar essa reforma/reorganização?
Do que li até ao momento os aspectos que a tutela se propõe alterar são os seguintes:
- Número de áreas curriculares para se conseguir uma maior articulação entre elas. Não percebi se essa alteração vai no sentido de introduzir novas áreas ou para reduzir as já existentes ou, ainda, para esbater fronteiras entre elas, como sugere o Conselho de Escolas.
- Número de horas lectivas. Não percebi se essa alteração vai no sentido de preencher mais o horário dos alunos ou de o reduzir; de estabelecer claramente tempos de trabalho e lúdicos, necessidade absoluta dado o conceito de "escola a tempo inteiro" que temos instalado.
- As competências básicas, que além de se centrarem na Leitura, Escrita, Matemática e Ciências, devem centrar-se também nas Tecnologias de Informação e Comunicação. Não percebi se essa alteração (que não é inovadora, uma vez que consta na anterior reorganização curricular e no Plano Tecnológico para a educação da anterior legislatura) continua a secundarizar os conteúdos.
- O estabelecimento metas de competências para cada ano de escolaridade. E não apenas competências (gerais e transversais) para o Ensino Básico, e competências específicas de final de ciclo para cada área curricular disciplinar, como se preconiza no presente currículo.
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5 comentários:
Eu, professor de Ciências Naturais/Biologia do ensino secundário, com largos anos de experiência, sempre em contacto com alunos, confesso que tenho medo de reformas: cada uma tem sido sempre pior do que as anteriores. A situação é muito ingrata porque há muitas coisas que deviam melhorar. Quais? Simplesmente aquelas que não funcionam. Mas como quem manda não tem (suponho) consciência do que funciona ou não, o que muda muda porque alguém fez uns relatórios e determina o que tem que mudar... A estrutura do sistema de ensino está repleta de órgãos, estruturas e cargos que não servem rigorosamente para nada, além da darem ocupação a quem os desempenha... Porque não mandam essas pessoas pegar nas turmas, particularmente as mais difíceis e demonstrar como se faz? É que assim davam-nos oportunidade de aprender a fazer eficazmente,nós ficávamos agradecidos e louvámamos essas pessoas. E até éramos capazes de pedir para lhes aumentarem o vencimento. Agora, pegue-se no programa de Ciências da Natureza de sétimo ano, veja-se a idade dos alunos a quem se destina, e procure-se encontrar entre eles, mesmo entre os bons alunos, quem goste ou entenda alguma coisa daquilo. E não é porque aquilo não tenha interesse ou não seja bonito, mas não assim... Outra atrocidade programaática é tudo o que se propõe (e sobretudo o modo como se propõe), em matéria de biologia para o ano I (décimo, vá lá...) do ensino secundário. É simplesmente horrível: o programa parece feito para impedir que os alunos aprendam e que os professores consigam ensinar. Não conheço ninguém, e conheço muitos professores da área, que discorde desta opinião. Como foi possível fazer tal coisa? Será que é por acaso que as notas de exame da disciplina de Biologia e Geologia passaram a ser uma vergonha? E os professores são os mesmos que sempre ensinaram Biologia e ou Geologia, e que tinham alunos que tiravam notas nos exames conformes com as notas escolares, e que gostavam da disciplina. Agora é um suplício. A concepção dos exames quer-se apresentar muito modernista e é simplesmente disparatada. As reuniões para aferir critérios são um "calvário" e a uniformidade das classificações é uma ficção, que tem que parecer harmónica. Já os critérios em si chegam a penalizar barbaramente alunos inteligentes, que respondem lapidarmente, em termos linguísticos e cognitivos, para beneficiarem quem se demora em considerandos perfeitamente patetas. Mas sobre isto ninguém diz nada. Mesmo as organizações de pais estão em silêncio. E contudo, os nossos médicos são bons, os nossos farmacêuticos são bons, os nossos bioquímicos são bons, os nossos analistas são bons, os nossos engenheiros agrários são bons, os nossos veterinários são bons, etc. etc. E quem lhes despertou o gosto pela biologia? E quem os entusiasmou, acarinhou e orientou?... Mas são precisas "novas pedagogias", muitos "mapas de conceitos" (grande inovação!, vão vê-la nos livros de estudo dos cachopos...), muitos "vês de gowin" outra ferramenta muito boa para atrapalhar as boas práticas da experimentação, etc, etc. E podia continuar, continuar... Mas vale alguma coisa?
E no entanto temos alunos extraordinários, e mesmos os restantes não são matéria-prima defeituosa. Porque é que a escola os há-de desajudar? Porque temos todos que nos violentar a aceitar o que sabemos que não funciona, só porque uns senhores muito importantes e poderosos dizem que tem que ser como dizem, sem serem capazes de mostra como se faz?
Porque é que não nos limitamos a aceitar lições de pedagogia de quem executa realmente pedagogia?
Mais reformas? Tanto que precisávamos... Mas, gato escaldado de água fria tem medo!
Apesar das indefinições apontadas pela HD, é óbvio que essa futura reforma vai falhar e será mais uma oportunidade perdida. Pode não saber-se se haverá mais ou menos horas, mas já se percebeu que não é uma reforma para introduzir exigência no ensino e na aprendizagem e para responsabilizar os alunos e os professores (e os pais).
Em Portugal quando se fala de reformas educativas nunca ouvimos nem lemos (nem nas notícias, nem no texto das leis, nem nos comentários - dos especialistas e dos pseudo-especialistas) a palavra chave: EXAMES.
Caro José Batista de Ascenção,
Que belo texto! Concordo em absoluto e diria mesmo mais, durante 12 anos os teóricos, "cientistas", "psicólogos", "sociológos" e burocratas da educação deveriam ir para a "escola" substituir os "professores" aplicando toda a legislação e toda a "ciência" educativa actual! E os "professores" assistiam ao vivo e a cores para aprenderem como se aplica o inaplicável... No final gostaria de ver os resultados...
Conheço pessoalmente diversos "cientistas" da educação e quando desmonto a sua argumentação populista e demogógica geralmente acabam por dizer a verdade, ou seja: "Lá estás tu! Gostava de te ver no meu lugar, se para progredir na carreira tenho que publicar artigos desta natureza, tu também o terias que o fazer! Portanto não me venhas com essa conversa. O meu trabalho é este, se depois o Ministério da Educação o aplica no terreno ou não, deixa de ser problema meu"!
Nos tempos de faculdade, estudávamos um texto, salvo erro de Eco, para introduzir o conceito de semiótica, segundo o qual um olho treinado não precisava de presenciar os factos para os reconstruir mentalmente.
Não sabemos as conclusões da nova reforma que aí vem, mas basta olhar para os sinais para perceber em que sentido vai. Maior insistência no mito do "aprender a aprender" e menos investimento em aprendizagem de conceitos e técnicas.
As cabeças bem-pensantes que "orientam" o ministério da educação prosseguirão as SUAS reformas, ignorando olimpicamente o que se passa nas escolas e a opinião dos professores. Depois ficarão com mais matéria para estudos de investigação sobre as causas imponderáveis do insucesso escolar. No fim, os alunos não terão aprendido a aprender, nem terão aprendido outra coisa qualquer.
A escola está cada vez mais a ser chamada a integrar os conhecimentos triviais do dia-a-dia como meta do seu trabalho. E para chegar lá, ao conhecimento trivial que não deveria ser tarefa da escola, vão continuar a fazer-se imensas planificações, projectos e relatórios, currículos individuais e etc.
Caro Fartinho da Silva:
Julgando não ser um abuso sobre quem nos permite este diálogo, confesso(-lhe)que, há momentos, quando li o seu comentário, fiquei atrapalhado.
Eu prezo muito este espaço, onde as ideias podem ser abertamente discutidas, e, em matéria de sistema de ensino, das opiniões aqui dispendidas são precisamente as suas que eu considero as mais incisivas, as mais objectivas e as mais corajosa e abertamente colocadas. Também confesso que estou farto das "carpideiras" dos professores, a começar por mim. E era minha intenção passar a moderar as minhas intervenções que, se são por vezes tão ácidas, é apenas porque não suporto os "pezinhos de lã" com que se tratam certos assuntos: Em minha opinião é quase como se não quiséssemos ver o que temos diante dos olhos e andássemos à procura de bodes expiatórios para o que corre mal, encobrindo os responsáveis. E, defeito ou não dos meus olhos, grande parte do que vejo escrito não confere com a realidade que vivo na escola, na profissão que escolhi e que ainda hoje me entusiasma. Por isso, contava aproveitar a quadra e o final do ano para deixar um agradecimento muito sentido pelos seus escritos, assim como ao blogue que os permitiu. Só que agora sinto-me encavacado, porque parece que nos estamos a elogiar mutuamente.
De resto, continuarei a "passear" por aqui, mas mais a aprender do que a "palavrar", especialmente quando o impulso é tal que nem os dedos se dirigem às teclas certas. E isso eu não posso permitir-me.
Já agora, aproveito para agradecer a todas as pessoas que escrevem neste espaço a liberdade que "respiram", a qualidade e honestidade do que publicam e o quanto me ensinaram. Bem Hajam, como ainda se diz na minha aldeia.
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