quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O MEU NATAL DE ANTIGAMENTE

Um poema "temperado com música" enviado por quem tem a mestria de combinar as duas artes. Obrigada Paulo Rato.

O poema: O meu Natal de Antigamente, de Teresa Rita Lopes

O MEU NATAL DE ANTIGAMENTE

Quando era menina
não havia Pai Natal nem Árvore de Natal.
Armava-se o presépio com chão de musgo
rochas de cortiça virgem ervas a valer
pedrinhas de verdade
e searinhas que se semeavam em pires e latas vazias
no dia 8 de Dezembro
e eram o pequeno milagre o primeiro
a despontar dos grãos de trigo e a crescer todos os dias.
As criaturas do presépio eram de compra
mas também moldei algumas em barro fresco.
Uma vez uma das minhas tias fez casas e igrejinhas de papel
e acendemos velas lá dentro.
Foi um deslumbramento a luz a sair pelas janelinhas!
Mas ardeu tudo de repente.
Desde então só a lamparina de azeite continuou a alumiar
esse parco mundo pobre.

No meu Natal de antigamente havia menos presentes.
Os meninos não exigiam esses brinquedos extrabíblicos:
computadores, jogos de computadores, cêdêroms, sei lá.
Nem o Menino Jesus podia com tanto peso!
Sim, porque no meu Natal de antigamente era o Menino Jesus
quem dava as prendas.
Púnhamos, na véspera, o sapatinho na chaminé
mas tínhamos que ir para a cama esperar pela manhã
porque Ele só descia pela calada da noite
se ninguém estivesse à espreita
(hoje o Pai Natal não tem esses pudores).
Eu imaginava-O a saltar das palhinhas
nuzinho em pêlo
e a Nossa Senhora a agasalhá-Lo logo com a sua capa.
E lá ia Ele
Como um menino pobre enrolado no casaco do pai
a contentar todas as crianças do mundo.
O Pai Natal, esse, foi encarregado (não sei por quem)
de dar presentes a pequenos e grandes.
Com o Menino Jesus tudo ficava entre meninos.
e se a prenda não agradava
a gente fazia-lhe uma careta
e até, à socapa, chamava-lhe um nome feio.

O Pai Natal é um palhaço cheio de postiços:
barba bigode cabeleira
até a barriga é uma almofadinha.
E vai à televisão convencer-nos a comprar coisas.
Agora o Natal antecipa o Carnaval.
O Menino Jesus, esse não! nunca ia à televisão
(que para dizer a verdade não existia ainda.)

Mas que menino de hoje trocaria o seu Pai Natal
(gerente de um supermercado de prendas)
pelo meu Menino Jesus
a tiritar nas palhas?

Teresa Rita Lopes


A música: Um pastor vindo de longe, de Fernando Valente, sobre uma melodia tradicional portuguesa, numa interpretação de: Sílvia Correia Mateus, soprano; Coro da Sé Catedral do Porto; Octeto de Flautas de Bisel; Orquestra Sinfónica da Póvoa De Varzim; direcção de Osvaldo Ferreira.

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