domingo, 22 de novembro de 2009

Uma Nova Reflexão Sobre o Actual Sistema Educativo Português (2)

"De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acredirar na realidade, o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicados" (António Guterres, ao tempo Primeiro-Ministro).

Uma vez mais começo com uma citação de Rui Curado Silva: [antes de 25 de Abril] “A Matemática era miseravelmente dada, nos sítios onde era dada, na província frequentemente dada por oficiais do exército que faltavam e pouco ou nada sabiam do que estavam a dar” .

Pelo que depreendi, reporta-se esta afirmação a várias décadas atrás. Os oficiais do Exército que refere tinham alguns o Curso de Engenharia tirado no Instituto Superior Técnico, outros os cursos de Infantaria, Cavalaria e Artilharia, da então chamada Escola do Exército (antes Escola de Guerra e hoje Academia Militar) com os preparatórios na Escola Politécnica de Lisboa, onde eram ministradas matérias universitárias na área da matemática. Mas, melhor do que eu, que apenas fui oficial miliciano, um oficial do Quadro Permanente desses “remotos” tempos poderá explicar o que se passava na docência da “terrível” Matemática nos liceus. Evoco agora épocas mais chegadas ao 25 de Abril em que a Matemática era ministrada por professores com licenciatura universitária, quer se tratassem de estabelecimentos escolares do ciclo preparatório ou do então chamado ensino liceal.

E hoje? A Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, estabeleceu, no n.º 3 do artigo 34.º do seu Anexo: “A formação de educadores de infância e dos professores dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico realiza-se em escolas superiores de educação e em estabelecimentos de ensino universitário”. Desta forma, com a excepção dos professores de Matemática do ensino secundário, com formação a cargo exclusivo da universidade, a confusão instalou-se, de armas e bagagens, por se ter partido do princípio de que diminuindo a exigência da formação dos professores melhoraria a qualidade do respectivo ensino, como que a modos de a qualidade do ensino estar na razão inversa da qualidade da formação dos professores.

Diga-se em abono da verdade que o ministério da Educação muito tem contribuído para este paradoxal statu quo, mercê dos lóbis das Escolas Superiores de Educação instalados ao mais alto nível, v. g. os dois ex-secretários de Estado Ana Benavente e Valter Lemos. Resta aguardar a acção de Isabel Alçada, recém empossada como ministra da Educação, com fortes liames à Escola Superior de Educação de Lisboa.

Debruço-me agora sobre o grau de exigência dos exames de Matemática do 9.º ano de escolaridade, colhendo testemunho no professor de Física Carlos Fiolhais, com vasta obra publicada sobre a Educação. Relata ele: “Eu fui ver alguns exames deste ano e parece-me que alguém anda a brincar com o esforço de professores e alunos. Teme-se o pior. Pelo caminho que as coisas levam, qualquer dia o exame de Portumática do 9.º ano - uma só prova para ser mais fácil – será escrever a palavra ‘batata’, dizer se é nome ou substantivo (a ver se sabe as TLEBS), contar o número total de letras dessa palavra e, finalmente, traçar uma circunferência à volta do resultado. Claro que vai ter a cotação toda um aluno que conte três, por contar correctamente as sílabas em vez de letras, e que desenhe um quadrado em vez de uma circunferência, pois também é uma figura geométrica. Seria cómico se não fosse trágico” (De Rerum Natura, “Exames fáceis?”, 26/Maio/2008). Ou seja, os exames deixaram de ser uma forma de avaliar os conhecimento dos alunos para passar a ser uma forma de avaliar estatisticamente o sucesso do sistema educativo incensando os seus mentores.

De um extenso acervo de testemunhos sobre o estado do ensino nacional (cf. “A educação em balanço de final de ano”, Rui Baptista, De Rerum Natura” 29/Dezembro/2007), em contradita com a mensagem oficial que tenta convencer a opinião pública de que vivemos no mais risonho dos mundos, trago à colação a opinião de Vasco Graça Moura, intelectual de cultura humanística que sabe, quando necessário, falar a linguagem do homem comum para ser entendido por todos: ”A escola que temos não exige a muitos jovens qualquer aproveitamento útil ou qualquer respeito ou disciplina. Passa o tempo a pôr-lhes pó de talco e a mudar-lhes as fraldas até aos 17 anos. (…) vão para a universidade mal sabendo ler e escrever e muitas vezes sem sequer conhecerem as quatro operações”.

Neste verdadeiro desastre educativo não poderia deixar de me referir ao ensino secundário (10.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade) que ainda mantém alguma dignidade de um ensino que tenta caminhar com passo certo e porte senhoril, pese embora o mau estado em que lhe chegam os alunos de anos anteriores. Mas corre, agora, este grau de ensino grave risco com a criação das chamadas “Novas Oportunidades” (Decreto-Lei n.º 208/2002, de 17 de Outubro) em que três anos de “sangue, suor e lágrimas” são substituídos pela velocidade de um avião super-sónico com fuselagem de facilitismo. A título de exemplo, extraio do semanário “Expresso” (8/Dezembro/2007) o testemunho de um professor das Novas Oportunidade que denunciou por carta ao Presidente da República o verdadeiro escândalo de alunos que frequentam as aulas como quem se encontra numa estância balnear em período de férias: “Estes frequentadores da escola aparecem nas aulas sem trazer uma esferográfica ou uma folha de papel. Trazem o boné, o telemóvel, os ‘headphones’ e uma vontade incrível de não aprender e não deixar aprender”.

A intenção maior desta análise pouco esperançosa foi a de fazer o diagnóstico de uma situação para facilitar futuras terapias a cargo de quem ouse enfrentar uma Hidra de Lerne, embora ponha em dúvida que isso aconteça “num povo (…) que se vê condenado a cruzar os braços com inércia desdenhosa, ou a deixá-los cair desoladamente(...)” (Manuel Laranjeira, O Norte, 1908).

1 comentário:

joão boaventura disse...

O professorado na entrada do séc. XX, quando a escola era o equivalente da caserna.

Relação de 12.02.1908 - Lista dos professores propostos e aprovados para a regência provisória nos diversos liceus durante o actual ano lectivo. (Diário do Governo n.º 34, 12.02.1908)(Ministério do Reino).

Angra do Heroismo: coronel de infantaria - 5.º grupo; tenente de infantaria - 7.º grupo.

Aveiro: Alferes de infantaria - desenho; capitão de infantaria - 5.º grupo.

Bragança: Alferes de infantaria - 7.º Grupo.

Castelo Branco: Tenente de cavalaria - secção de ciências.

Chaves; Capitão veterinário - 6.º grupo; curso da escola do exército - 7.º grupo; curso da arma de infantaria - 4.º grupo.

Coimbra: Tenente de infantaria -7.º grupo; tenente-coronel - 5.º e 6.º grupos.

Faro: Curso da escola do Exército - 3.º grupo; capitão de infantaria - secção de ciências.

Funchal: dois capitães de artilharia - secção de ciências.

Guarda: capitão de infantaria - desnho.

Lisboa: capitão de engenharia - 3.º grupo; capitão de infantaria - secção de ciências; dois oficiais de infantaria - 3.º grupo; dois oficiais de artilharia - 3.º grupo; coronel de infantaria - 3.º grupo; oficial da marinha - 3.º grupo; tenente da guarda fiscal - 3.º grupo; lente da escola naval - 3.º grupo; curso do Real Colégio Militar - inglês; curso de infantaria - inglês.

Ponta Delgada: capitão de engenharia - 5.º grupo.

Portalegre: alferes de infantaria - secção de ciências.

Porto: capitão de artilharia - 5.º e 6.º grupos; capitão médico - 3.º grupo; tenete da marinha - 3.º grupo.

Setúbal: major de infantaria - 7.º grupo.

Vila Real: capitão de infantaria - 7.º grupo.

Viseu: tenente de cavalaria - secção de ciências.

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