terça-feira, 17 de novembro de 2009

O FUTURO DA EDUCAÇÃO NUMA EDUCAÇÃO SEM FUTURO


“Isto de todos serem iguais é uma trafulhice” (Medina Carreira, Revista ´do “Expresso”, 24/10/2009)

Prezado Dr. João Viegas:

A minha gratidão pelo seu comentário que muito me sensibilizou por, na sua qualidade de advogado, como escreveu, “fazer da polémica profissão”, e por dedicar a benevolência da sua atenção a um simples amador - aquele que ama - de uma arte com tradição na vida cultural portuguesa. Não o reconhecer seria uma falsa modéstia que, não poucas vezes, serve para esconder o sentimento da vaidade.

Desde sempre me habituei a ver nos profissionais do Direito e das chamadas Letras cultores de um Português exemplar. Seria, todavia, cometer injustiça se não acrescentasse a este rol os profissionais da Medicina que, ao longo dos tempos, deram às Belas-Letras um contributo muito valioso como, v.g., Júlio Diniz, Fernando Namora, Miguel Torga e António Lobo Antunes. Razão assistiu ao professor de Medicina Abel Salazar quando escreveu (cito de memória) que “um médico que só sabe de Medicina nem isso sabe”. Ele -lo com a autoridade de uma rica personagem multifacetada no âmbito da Cultura.

Anos atrás, preocupado com a forma como alguns dos meus alunos universitários redigiam e interpretavam textos, dei conta das minhas angústias a um professor de Direito, que me disse passar-se o mesmo com uns tantos dos seus alunos. Embora este exemplo me desse uma certa consolação, muito me entristeceu por ser uma prova (mais uma!) do estado lastimoso como chegam aos claustros universitários os alunos, depois de um percurso académico de 12 anos, tantos são os que vão do início 1.º ciclo do ensino básico até ao final do secundário; e isto para já não falar daqueles que viriam a chegar à Universidade, poucos anos depois, através das “Novas Oportunidades” (que eu, em tempos, baptizei de "Novos Oportunismos") e do “Exame de Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos”. Desta inominável forma, a simples apresentação do Bilhete de Identidade passou a sobrepor-se a toda e qualquer forma de avaliação de competências (o extinto “Exame Ad Hoc ainda dava alguma garantia de o autodidactismo dos respectivos candidatos não ser uma forma de ignorância por conta própria).

Um certo pudor, mas a que a verdade se sobrepõe, poder-me-ia levar a não referenciar o plano inclinado, num declive quase a pique, de uma determinada formação de professores, em que a excepção para mais não serve do que para justificar a regra. Apenas um exemplo. Antes do chamado “Processo de Bolonha”, para a docência da disciplina de Matemática - e todos nós temos consciência do estado lastimoso a que chegou a sua (des)aprendizagem - do 2.º ciclo do ensino básico, tanto era exigida uma licenciatura universitária como uma licenciatura das Escolas Superiores de Educação. Acrescia que a licenciatura universitária habilitava, tão-só e exclusivamente, para o ensino da Matemática, enquanto a licenciatura das Escolas Superiores de Educação dava acesso, em simultâneo, ao ensino da Matemática e das Ciências da Natureza.

Mas esta aberração - para utilizar um eufemismo de escândalo - não se fica por aqui. Em simples demonstração, vejamos: um aluno saído das Escolas Superiores de Educação (cujo ingresso foi feito com classificação mais baixa, a frequência com menos anos de estudo e o diploma com classificação mais alta) com 13 valores quando em concurso, para a docência do 2.º ciclo do ensino básico, com um licenciado em Matemática com um simples valor a menos (12 valores), passava-lhe à frente.

É natural a interrogação: mas como foi isto possível? Isto foi possível por um sindicalismo docente que, ao serviço dos interesses dos seus dirigentes e da sua clientela, fez com que o Ministério da Educação andasse a reboque de reivindicações que arrastaram atrás de si uma série de medidas que conduziram ao actual “statu quo”, que tão mal visto nos deixa vistos no Programme for International Studend Assessment"(PISA)”, lançado em 1997, para comparar, a nível internacional, os resultados dos diversos sistemas educativos medindo o desempenho de jovens com a idade de 15 anos na literacia em leitura, Matemática e Ciências.

Durante alguns anos do tempo em que Ana Benavente foi secretária de Estado da Educação, Portugal não participou no PISA, em coerência com a pedagogia então reinante, denunciada num notável livro de Nuno Crato em que não avaliar em exames nacionais, quanto mais em provas internacionais, era a senha de um ensino de sucesso manipulado com estatísticas que, segundo Medina Carreira, “fazem do Estado um mentiroso compulsivo”. A prova da miséria do ensino da Matemática, por exemplo, está bem expressa nos resultados de 2006, em que Portugal ficou em 25.º lugar entre os 29 países concorrentes.

Foi aventado no seu comentário “a vantagem de uma lei ibérica que obrigasse os cidadãos a lerem o Dom Quixote pelo menos uma vez todos os cinco anos”. Trata-se de uma utopia que se arrisca a afundar-se nas areias movediças do nosso sistema escolar, no qual os programas de Literatura Portuguesa, em nome de um país que vivia agarrado ao ecrã televisivo para ver o Big-Brother”, passaram a integrar textos a ele alusivos.

Vieira, Camilo, Eça, Ramalho, Torga, qual quê! E mesmo quando estes autores, porventura, eram dados houve quem o fizesse através de curtas sinopses das suas obras, deixando a tarefa de transmitir os clássicos para filmes de êxito de bilheteira, como o “Crime do Padre Amaro”, em que uma simples imagem desnuda de Soraia Chaves passou a valer mais do que as páginas literárias de uma atormentada Amélia, figura central do drama passional.

Já vai longo este lençol de desgraças de um país que mereceu o desalento pessoano: “Não tenho culpa de ter nascido em Portugal, e exijo um país que me mereça”. Jovens portugueses há que, a exemplo, não têm culpa de terem nascido em Portugal e, por isso mesmo, devem exigir um sistema educativo que mereça os melhores cérebros saídos das nossas universidades, que se vêem, muitas vezes, na necessidade de sair das fronteiras lusas, abandonando uma terra onde o mérito tem sido substituído pelas cunhas para os melhores empregos.

Quanto eu prezaria terminar com uma mensagem de esperança, mas isso seria trair a minha própria consciência. Os órgãos tutelares da Educação que o façam. Ou melhor, que o continuem a fazer, sem rebuço, em prejuízo de um país na cauda europeia, em parte, por culpa de um ensino que, nem sequer, ensina a fazer as simples contas da antiga 4.ª classe da escola primária!

12 comentários:

António Daniel disse...

Convenhamos que a ideia de que a responsabilidade é dos sindicatos é muito redutora.

José Batista da Ascenção disse...

É realmente assim. E não há jeitos de nada mudar, nem agora nem a prazo. Talvez estejam mais próximos os tempos em que começaremos a lutar para seja reconhecido aos pais o direito de não permitirem que seja o próprio sistema de ensino a deseducar-lhes os filhos! É por isso que é extravagante tanto zelo em montar sistemas de avaliação abstrusos para os professores quando não se avaliam verdadeiramente e classificam em conformidade os alunos. Esta inversão é uma indignidade e uma covardia. Que tem responsáveis. Que não queremos ver, apesar de todos sabermos quem são. Todos sabemos que há professores que não o são verdadeiramente, nem em termos de habilitações, nem de competência nem de vocação. Por que é que os deixaram entrar no sistema de ensino? E por que é que querem inventar sistemas de avaliação(?)que os vão perpetuar na profissão? Ou será que é esse mesmo o objectivo?

Miguel Silva disse...

"“Novas Oportunidades” (que eu, em tempos, baptizei de "Novos Oportunismos")"

Eu concorri pelas Novas Oportunidades e exijo um pedido de desculpas publico do autor por este insulto ou então começo a ver alternativas legais para limpar o meu bom nome. Ser chamado de oportunista não é agradavel.

António Viriato disse...

Longo, mas real relatório da desgraça em que se tornou o nosso Sistema de Ensino, que deixou de educar e, cada vez mais, forma ou ensina deficientemente os jovens portugueses.

Gerações deles, malogradamente, foram já condenadas a um futuro de miséria.

Por falta de formação adequada ao tempo em que irão viver, só poderão almejar a funções elementares, de baixa complexidade, mal remuneradas e em que a precariedade do vínculo laboral é a regra.

Levámos tempo a identificar o mal do nosso Ensino. Fomos iludindo a realidade. Inventámos desculpas para o baixo rendimento atingido. Louvámos continuamente a pretensa criatividade da Pedagoga moderna, versus o Ensino rígido, autoritário, repetitivo, apelando para a memória, típico, dizíamos, do Salazarismo, regime asfixiante e obscurantista.

Terminado este regime, verificámos, com espanto, que quase todos os nossos melhores quadros haviam sido por ele formados, sem sequer lhe terem ficado enfeudados, ideologicamente aparentados, muito pelo contrário, alguns tornaram-se expoentes revolucionários, em apoteose geral.

Ou seja o Ensino Salazarista tinha algum conteúdo real, verdadeiro, que habilitava tecnicamente quem nele se formava, qualquer que fosse o grau considerado : primário, secundário –liceal ou técnico – médio e universitário.

Sem ser perfeito, longe disso, criava competências, como hoje se diz, merecendo forte credibilidade de todos os agentes económicos.

Sabia-se, de um modo geral, a que correspondia cada grau de aprendizagem e tinha-se percepção da capacidade de cada um, pelo tipo de diploma exibido.

Compare-se com o que se passa actualmente, já sem referir o aspecto disciplinar, sem pretender estabelecer juízos políticos valorativos, do tipo Ditadura versus Democracia.

Atente-se apenas na capacidade formativa dos Sistemas de Ensino de antes e de depois de 25 de Abril de 1974.

Só no número de alunos abrangidos pelo Sistema de Ensino, houve progresso nítido.

Exceptuando algumas ilhas, no Ensino Privado e, em menor número, no Público, nos graus Primário e Secundário, a degradação é evidente.

No grau Universitário as apreciações são diversas : há casos de franca melhoria, de excelência, até, e outros de completa fraude, estes, sobretudo, no ramo Privado, mas que já se começam a sentir também no Público.

Perante este quadro, que fazemos ?

Continuamos a discutir ideologicamente ou atendemos antes os resultados atingidos ?

Ficamos satisfeitos com resultados estatísticos grandemente fabricados, que escondem a realidade ou preferimos encarar esta em toda a sua crueza, para, a partir daí, desencadear o processo de recuperação, regenerativo, que se impõe ?

Eis algumas das perguntas a que teremos de responder ou seremos justamente acusados e julgados por aqueles que, melhor ou pior, sobreviverão ao presente descalabro educativo.

Agradeço a eventual atenção dos internautas aqui congregados e ao autor do artigo a oportunidade da reflexão.

Rui Baptista disse...

Caro António Daniel:

Em sinal de boa vontade, dou-lhe a primazia da minha resposta por o laconismo da sua mensagem poder deixar pairar no ar da dúvida eu ter dito o que não disse ou ter omitido factos relevantes para a matéria em discussão, através de meias verdades.
Parafraseando-o, convenhamos que a sua leitura do meu “post” foi um tanto redutora quando escreve que eu me limitei a dizer que a responsabilidade do estado actual da Educação é da responsabilidade dos sindicatos.

Se me der a atenção de uma nova leitura do meu “post”, sem ser em diagonal, verificará que tal não corresponde à verdade dos factos, embora para já lhe possa dar umas pistas da responsabilidade sindical sem a pretensão, mínima sequer, de esgotar o assunto.
Como deve estar lembrado, e se não está eu recordo-lhe, o actual estatuto da carreira docente - pese embora ligeiras alterações que lhe foram feitas e que eu servindo-me das palavras de um destacado dirigente desde a primeira hora do P.S., António Almeida Santos, em feliz metáfora, que não me recordo se a propósito desta situação ou outra qualquer, disse “serem remendos novos em pano velho” – foi publicado durante a tutela da Educação de Roberto Carneiro, em clima de grande pressão por parte de mais de 30 sindicatos ou de associações docentes. É esse estatuto, ainda em vigor “lato sensu”, que deu azo às situações atrás descritas pelo aproveitamento, para além do seu espírito por si só demasiado injusto, de que foi palco. Só mais tarde (1992), em choro sobre o leite derramado, foi criado o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL) na tentativa de repor alguma ordem na desordem reinante que postergava os interesses dos professores licenciados por universidades. O “élan” inicial esmoreceu vindo a ser enterrado em pobres cerimónias fúnebres de campa rasa aquando da criação da chamada plataforma sindical à qual o SNPL aderiu pressuroso com o Mário Nogueira como porta-voz. Não sei se a plataforma está morta ou sobrevivendo em cuidados intensivos por a Fenprof se assumir, actualmente, de corpo inteiro nas negociações com os órgãos tutelares da Educação. Outros, que não eu, melhor o poderão informar a esse respeito.

Por outro lado a Fenprof (como diz o ditado popular “há que chamar os bois pelos nomes”) tem tido uma acção frenadora de travão de discos sobre a criação da Ordem dos Professores como se o magistério se esgotasse em questões do vil metal ou de horários de trabalho. E também aqui, já que vem a talhe de foice, o SNPL abandonou uma bandeira que durante muitos anos arvorou em defesa da criação da Ordem dos Professores em titânica e longa campanha.

Quanto às minhas referências (e que são bastantes) a causas que tem degradado, e continuam a degradar, o ensino, elas estão todas escarrapachadas no meu “post”. Seria injustiça da minha parte não lhe reconhecer a clarividência para as encontrar sem a necessidade de um Sherlock Holmes que lhe diga: “Elementar, meu caro António Daniel”.

Mas se mesmo assim se por si solicitado, ou por qualquer leitor, terei todo o gosto de fazer o rol dessas causas, a exemplo das peças de roupa suja ao cuidado de antigas lavadeiras que as lavavam nas águas dos rios.

Rui Baptista disse...

Meu Caro Miguel Silva:

Mais uma vez , roubando tempo ao meu descanso nocturno, me obrigo a responder a um outro comentário – o seu. Ou melhor fui obrigado pelo respeito que me merecem todas as opiniões e todos os comentários que são feitos aos meus “post’s”.

Não porque encontre razão, por mais remota, sobre o respectivo a oportunidade que o motivou. Unicamente pelo respeito que sinto por pessoas que possam não compreender aquilo que escrevo, tomando a si o papel de vitimas.

Analisemos, pois, o teor daquilo que escrevi, e que tanto melindrou a sua sensibilidade. Dispenso-me de transcrever o seu comentário em que exige um pedido de desculpas do autor (a minha pessoa) por um insulto ou então começar a ver alternativas legais para limpar o seu bom nome, sob a alegação “de ter concorrido pelas Novas Oportunidades” (sic.). Já que estou com as mãos na massa, concorreu a quê?

Mas de que insulto se trata? Não lhe chamei oportunista, mas mesmo que lhe tivesse dado este epítome sossego-lhe os brios dando-lhe a definição de oportunista: “Que, ou aquele que sabe tirar proveito das circunstâncias de dado momento, a benefício dos seus interesses” (“Dicionário Enciclopédico Koogan”, Larousse Selecções, 2 volumes, I volume, p.618).

Ou seja, Miguel Silva, apriveitou-se das facilidades das “Novas Oportunidades”, facilidades que eu adjectivei de “Novos Oportunismos”, cujo significado lho dou de mão beijada, em nome de uma explicação que poderá aproveitar como matéria de estudo para as “Novas Oportunidades”.” Oportunismo: Sistema ou prática política que consiste em aproveitar-se das circunstâncias ou acomodar-se a elas para tirar proveito” (ob. Cit.).

Por os ter mais à mão, aqui deixo excertos dum testemunho, publicado no “Correio da Educação”, da autoria de Marta de Oliveira Santos, licenciada em Filologia Românica. Escreveu ela:

“Em Português o formando teria que escrever a história da sua vida e a razão por que se inscreveu no curso. Sendo o texto corrigido aula a aula pela respectiva formadora: Matemática consistia em efectuar cálculos básicos e apresentar, por exemplo, a receita de um bolo e duplicá-la; para Informática apercebi-me que seria a apresentação do trabalho escrito e, posteriormente, quem quisesse apresentá-lo-ia em ‘powerpoint’; em Cidadania, os formandos apresentavam os diferentes resíduos e diziam em que contentor os deveriam colocar. A nível de Português ainda foi pedida a leitura de um livro e seu comentário, sendo a selecção ao critério do formando o que deu origem a autores ‘light’, nada de autores portugueses de renome; a acrescentar a este comentário teriam também de fazer a apresentação crítica a um filme de reportagem. Todos estes elementos seriam entregues num dossier, cuja capa ficaria ao critério de cada formando. Três meses passaram num abrir e fechar de olhos, por isso um destes dias enquanto aguardava a minha vez para ser atendida no consultório, fui brindada com o dossier do curso da recepcionista e respectivo certificado do 9.º ano. Engoli em seco aquelas páginas recheadas de erros ortográficos e de construção frásica, desencadeamento de ideias e falta de coesão(…), entremeados por bonitas fotografias; na II parte, umas contitas simples e duas tábuas de multiplicação, e em Cidadania, os contentores do lixo coloridos com a indicação dos resíduos que se podem pôr lá dentro”. E mais não transcrevo.

Apesar de tudo, dou aqui conta de uma conferência feita por um professor do ensino superior que contou à plateia recheada de professores o diálogo havido com uma aluna das “Novas Oportunidade”. Confessou ela: “Antes de tirar o curso das “Novas Oportunidades” não sabia ler, nem escrever, nem contar. Hoje continuo sem saber ler, nem escrever, nem contar”.

Sem azedume, meu caro Miguel Silva, como diz o ditado a palavra é de prata e o silêncio é de ouro”. Extrapolando para o comentário que escreveu, melhor teria sido recorrer ao ouro da sua não escrita. Da forma que o fez entregou o ouro ao bandido!

Rui Baptista disse...

Erratas:

Erratas (meu comentário, 18 Nov. 3:43):

- 1.ª linha, 2.º §: "sobre o respectivo a oportunidade", substituir por "sobre a oportunidade".

- 2 últimas linhas do mesmo §: "tomando a si", substituir por "tomando para si".

- 1.ª linha, 5.º§: "aprovitou-se", substituir por "aproveitou-se".

joão viegas disse...

Prezado Rui Baptista,

Sinto-me lisonjeado com esta reflexão em resposta a uma modesta interpelação minha a proposito do Dom Quixote.

Embora tenha assistido (de muito longe) ao nascimento do projecto PISA, não sou professor nem me sinto propriamente competente para entrar no fundo da questão que levanta.

Posso apenas dar a minha opinião como profissional que trabalha num ramo onde, julgo eu, a formação adquirida é muitas vezes determinante.

Ora, por muito que isto custe a acreditar numa sociedade que se considera como de hiper-especialização, constato que o que faz a diferença entre um bom profissional e um mau profissional, é mesmo a forma como foram adquiridos os fundamentais a que aludi : ler, escrever, contar e, acima de tudo, saber que esses fundamentais nunca são completamente ou definitivamente adquiridos.

Referi o Dom Quixote, com alguma provocação. Não sei se se pode exigir da escola que todos os alunos saiam de la tendo lido esta obra-prima na integra. Mas uma coisa é certa, a escola deve formar cidadãos com curiosidade suficiente para pegarem no Dom Quixote, ou noutros classicos, e com uma formação geral suficientemente solida para saberem que la vão encontrar muito mais (mesmo de um ponto de vista profissional) do que no ultimo curso de especialização da moda.

Registo que a sua reflexão termina com alguma amargura.

Deixe-me dizer-lhe que, pela parte que me toca, devo muito aos meus professores, a todos eles, e nomeadamente aos que tive na primaria ("desconfio do mestre que o não sabe ser primario" diz Fernando Pessoa/Bernardo Soares) e no ensino secundario. Lembro-me particularmente de ter aprendido quanto era fundamental saber redigir, graças ao meu professor de... matematica !

Tenho a certeza de que ha por ai muitos professores como os que tive, que admirei e que ainda admiro.

E concordo que o problema politico mais premente, a meus olhos, em Portugal, é fazer com que eles transmitam o seu saber.

Ainda que tenham que cavalgar os mais inacreditaveis rocinantes...

António Daniel disse...

Tem razão quando diz que caí no mesmo ponto de vista redutor. De facto, cingi-me a este post. Contudo devo dizer-lhe que o epíteto de redutor que atribuí ficou a dever-se à forma como o seu argumento é apresentado. Será que não houve outros interesse que não os sindicatos para que esse tal estado de coisas que o Rui Baptista alude tivesse acontecido? E o ministério, é a parte fraca do processo descrito pelo seu post? E as oportunidades (oportunismos) que se construíram pela possibilidade de abrir muitas escola superiores de educação? Certamente que muitas autarquias ficaram satisfeitas. Certamente muitos professores do ensino politécnico ficaram satisfeitos. Mas afinal quem decidiu, Roberto Carneiro ou os sindicatos? Caro Rui Baptista, sempre fui muito crítico relativamente aos sindicatos, como mostra alguns dos meus comentários anteriores. Mas, a responsabilidade não pode morrer solteira relativamente aos casos descritos pelo seu post. Continuo a dizer: caso se queira modificar a educação atribuam responsabilidades acrescidas aos professores e às escolas. Quando comento os seus textos pretendo descortinar caminhos. Por esse motivo, nunca discordo das suas opiniões, mas opino sobre aquilo que à partida o seu texto deixa em aberto.
Cumprimentos.

José Meireles Graça disse...

Estou, como costumo estar a estas horas, a turistar na blogosfera, em frente ao televisor que está a passar uns senhores a dizerem coisas sobre economia. A minha Mulher aqui ao lado no seu cadeirão, a dormir abençoadamente sobre a situação do nosso País. A televisão compete com a blogosfera: umas vezes a orelha arrebita para a notícia ou a opinião; outras, mais raras, o computador e a sua prancheta, que tenho nos joelhos, vão estagiar para a mesinha ao lado; e quase nunca acontece que o que venha da televisão se transforme num vago ruído de fundo, por ter eu a habilidade, ou a pretensão, de poder ter a atenção dividida. O seu texto, Rui Baptista, é dos raros que não deixa espaço, ou vontade, para distrações, e dos que nos faz dizer para os nosso botões: É isto!
Por isso lhe fico grato e quero que o saiba.

Rui Baptista disse...

Caro António Daniel:

Precisamente por me ter habituado a que os meus post’s e comentários lhe suscitavam dúvidas que constituiam um ponto de partida muito válido para eu descortinar pontos fracos nos meu argumentos é que, eu desta vez, não consegui disfarçar um certo mal-estar perante o laconismo do seu último comentário.

Por isso, pedia-lhe, e estou certo que serei atendido, que compreendesse que no espaço limitado de um post algo fica inevitavelmente no tinteiro. Mais lhe pedia que, por esse motivo, compreendesse o meu comentário como parte de um todo (embora, numa perspectiva gestaltista saiba eu que a soma das partes não igual ao todo) do muito que tenho escrito sobre o sistema educativo numa hora de descalabro em que o silêncio dos professores assume uma cumplicidade dolosa.

Apenas um pormenor: já pensou, por momentos, o quanto difícil terá sido para Roberto Carneiro (cujo feitio conciliatório, sem pretensões psicanalíticas em nada me parece assemelhar-se à teimosia suicida de Maria de Lurdes Rodrigues) discutir o Estatuto da Carreira Docente (do ensino não superior) perante uma babel de interesses sindicais cada um a puxar à brasa à sua sardinha no cumprimento de compromissos das respectivas clientelas? Seja como for, na parte que me toca, entre homens de boa vontade, “tout va bien quand finit bien”. Atrevo-me a pensar que esta frase tem aqui todo o cabimento.

Cordialmente,
Rui Baptista

Rui Baptista disse...

Prezado JMG:

Há momentos em que o silêncio da palavra oral e a ausência da escrita dizem tudo.

Nem sempre compreendido nas minhas intenções num mundo em que não fazer ondas dá o sossego de uma vida calma com benesses sem fim, mas sobresssaltos de consciência (para quem a tem), é sempre grato ler um comentário como o seu. Bem haja.

Cumprimentos gratos,
Rui Baptista

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