sábado, 24 de outubro de 2009

Sobre Saramago

Comentário do editor Guilherme Valente sobre José Saramago publicado no jornal "Região de Leiria":

Saramago é, quanto a mim, um escritor engenhoso, mas elementar e habilmente lamecha, que, em termos de ideias, escreve e fala para um público pouco culto, cuja ignorância explora, para cujos juízos mal informados, ideológicos, sectários ou primários apela, obscurecendo, em vez de iluminar. Público de «esquerda» ou de «direita», crentes ou ateus, como muito expressivamente revelam a grande maioria das intervenções que a propósito deste seu livro se ouviram, designadamente nos programas abertos aos ouvintes da rádio e da televisão.

Quando fala da Bíblia, de ciência, das viagens de exploração do Universo, ou de Castro, ou de tantas outras matérias sobre as quais regularmente diz, sempre no mesmo tom teocrático, enormidades, a minha dúvida é se ele é mesmo tão limitado intelectualmente como parece, ou se não se tratará de um sacrifício pulsional da inteligência e do conhecimento. Ou será antes (como pressenti quando um dia o ouvi falar, com muito suspeito descontrolo, sobre «O Evangelho Segundo Jesus Cristo») a manifestação freudiana de um recalcado remorso... que, se assumido, poderia ser redentor?
A Bíblia é um grande livro, tão grande que não deixa de interpelar/inquietar Saramago (que, aliás, também tem mostrado saber viver dele), Mas quantos outros grandes livros não lançou já, significativamente, Saramago na fogueira?

PS - Insuportável é ouvi-lo vitimizar-se com as reacções à... intolerância dele. Para este Nobel - imagine-se! - tolerância é a aceitação calada pelo outro das posições, mais do que discutíveis, inaceitáveis, ou mesmo estúpidas, com que provoca. Sem que o outro possa reagir nem mesmo apenas à violência e à desumanidade (sem qualquer qualidade literária ou estética) da forma e dos termos que utiliza.

E é preciso ter lata ou ser mesmo «cego» para que alguém que fez o que ele fez, defende o que ele defende e diz o que ele diz se tenha referido, na conversa com o bom Padre Tolentino Mendonça, ao que lhe sucederia se estivéssemos no tempo da Inquisição. É que fogueiras de Inquisição houve várias, sempre em nome do bem e da verdade. E se estivéssemos num tempo desses, estou convencido que quem muito provavelmente estaria a arder na fogueira seria o Padre Tolentino Mendonça.

11 comentários:

simon disse...

Invejas, despeitos, cada um é livre de tomar o que quer.

Bem metade dos padres e dos bispos, maioria, não se escandalizam com o Saramago. E sem a sua honestidade, a sua perplexa visão das injustiças do mundo, a favor dos fortes e deste Ocidente, idade, não ousam é dizer o que contradiria a situação de privilégio de que gozam na vida, à custa do Deus que nos impingiram e desculpa o Bush, como assim Caim.

E porém não tem culpa, se ele não existe, além da cabeça de ti e de mim.

joão boaventura disse...

Saramago acabou por fazer a maior propaganda da Bíblia, ao falar dela e ao dizer mal dela.

Com isso agudizou o apetite à leitura da Bíblia, ou para verificar se ela é assim tão prejudicial à saúde mental, como ele insinua, ou se tudo não passou de um mal-entendido de Saramago.

António Daniel disse...

Deixem lá o Saramago em paz. as suas contradições são óptimas; as suas reflexões são únicas; a sua escrita não é de um limitado, antes pelo contrário, revelam mundos extraordinários só possíveis através dos jogos de palavras que desencadeia. Este tipo de reacções é que se devem lamentar. Obviamente que a Bíblia é um livro que deve ser enquadrado, lido nas suas também contradições e incongruências. São estas contradições que nos tornam freneticamente humanos. O que é mesmo bom é não pertencermos a uma sociedade amedrontada.

Anónimo disse...

Pouco comum um artigo tão provocatório neste blog. Na minha opinião carregado de ofenças sem qualquer explicação. Insultar por insultar também vale?

Rui Baptista disse...

"Insuportável é ouvi-lo protestar contra a intolerância", como bem escreve o autor deste post.

Assim é na verdade. Bem prega Saramago: o homem intolerante que durante o PREC saneou vários jornalistas do "diário de Notícias"; o escritor que numa operação de marketing se atira à Biblia numa interpretação pessoalizada e materialista que lhe aumentará a conta bancária.

Mas mais intolerante é ainda o seu recurso a sua vitimização a um passado secular de fogueiras no esquecimento de um passado recente de estepes geladas dos gulags que nunca lhe mereceram uma obra de protesto.

Estará, o homem e o escritor, Saramago convencido que na ex-União Soviética lhe seria tolerado escrever um livro de teor panfletário contra o regime político aí vigente? Esta, uma das questões: será que a tolerância só deve funcionar para o que mais convém aos nossos interesses?

P. Orlando Henriques disse...

Concordo perfeitamente com os Srs. Guilherme Valente (autor deste “post”) e Rui Baptista (autor do último comentário).

Se Saramago defende a tolerância tem que ser para todos, e não só para ele. A tolerância não é «a aceitação calada pelos outros das posições (…) com que [Saramago] os provoca».

É bonito dizer que somos tolerantes. Mas há uma consequência: então os outros (até a Igreja, da qual, eventualmente, não gostamos e a que é fácil chamar de intolerante exumando os seus erros do passado) também têm direito a dizer que não concordam connosco, e isso não é intolerância.

Antero de Quental dizia num dos seus sonetos que «Cada qual dá a Deus o seu conselho», como quem diz, cada qual faz um “Deus” à sua maneira e às tantas estão dois a ralhar um com outro e ambos a “atirar” um ao outro o mesmíssimo nome de Deus.

Mas isto que acontece com Deus é o mesmo que acontece com valores como a tolerância: cada qual dá à tolerância o seu conselho, ou seja, é sempre bom dizer que eu é que sou tolerante e atirar (intolerantemente!) à cara dos outros que eles são intolerantes.

Anónimo disse...

Acho piada que o Fiolhais diga que a bíblia não possa ser levada à letra e que é ridículo que o Saramago ridicularize o livro do Génesis.
Fui dar uma voltinha ao site do Vaticano e descobri que é isso mesmo que acontece, eles usam o livro do Génesis para dizer que os actos homossexuais são inaceitáveis. E não só, vão lá ver e descubram mais.
Por estas coisas, o Saramago tem toda a razão em dizer que a bíblia é um manual de maus costumes. Qual é a dúvida?
Aqui vai um excerto e o link:

The natural truth about marriage was confirmed by the Revelation contained in the biblical accounts of creation, an expression also of the original human wisdom, in which the voice of nature itself is heard. There are three fundamental elements of the Creator's plan for marriage, as narrated in the Book of Genesis.

e depois:

Homosexual acts “close the sexual act to the gift of life. They do not proceed from a genuine affective and sexual complementarity. Under no circumstances can they be approved.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20030731_homosexual-unions_en.html

Vocês andam a dormir?
luis

Anónimo disse...

Parece-me o auor deste texto ainda mais intolerante e violento. Cai exactamente no mesmo "erro" que Saramago. Falam todos em liberdade de expressão mas só a conseguem aplicar relativamente ao outro. De qualquer forma ser-se intolerante também faz parte da liberdade de expressão. Mais vale estar toda a gente calada :D

Afonso Pimenta

José Roldão disse...

Fala-se muito em liberdade de expressão, mas confunde-se e amplia-se por demais esse conceito. Liberdade de expressão não envolve, necessariamente, aceitação a aprovação generalizadas, como se fosse "intolerância" discordar ou opinar contra. Pode-se expressar livremente, como o fez Saramago, mas daí a achar que a crítica, a análise ou a opinião contrária seja intolerãncia, vai uma boa distância.

Liberdade de expressão já foi exercida pelo referido autor: pode publicar sua opinião, ainda que ofensiva a muita gente.

O que muitos querem é uma aprovação mundial, generalizada, de qualquer coisa que se escreva ou diga, seja lá o quê e para quem for. Isso é burrice, falta de senso crítico e desleixo intelectual.

O que Saramago anda fazendo é colocar seus fantasmas para fora, seus ressentimentos, seus medos, o que é natural a um homem em sua idade que, sendo anti-cristão (o que é diferente de ser ateu) vê-se perdido e desesperado com a proximidade da morte.

Para um ateu, Deus não existe. E sobre o que não existe não há como se falar ou escrever. Saramago é anti-cristão, o que são outros quinhentos.

Anónimo disse...

Caros amigos,

viva a liberdade de pensamento e a liberdade de sentir e de o poder exprimir. O Saramago tem tooooodo o direito de dizer o que disse. É o que pensa e o que sente relativamente à Bíblia. A maior parte daqueles que o criticaram é que mostraram uma intolerancia não adequada a quem gosta de questionar e expressar as suas dúvidas e opiniões. A Bíblia é um escrito tabu? Saramago disse e está dito. Houve quem reflectisse nas suas palavras, tão justas e adequadas, como outras quaisquer quando se trata de assuntos deste genéro. Houve quem partisse para o ataque pessoal (deplorável) e houve quem não lhe deu importância. No meu caso pessoal, que ainda não consegui ler nenhum livro do Saramago, só excertos, (aquela coisa da falta de pontuação não é mesmo para mim), reconheço o seu imenso poder em criar universos metaforicos fenomenais, revelando uma sensibilidade poética só ao alcance de muito poucos. Não foi por acaso que ele recebeu o Nobel, pois não?

Para terminar: fui educado e passei a minha infância numa pequena aldeia nos anos sessenta. Devo dizer que se pudesse e tivesse coragem, processaria a igreja católica pelo todo o mal que me fez. Convenhamos que para crianças, ver livros de terror, como o eram os catecismos da altura - cabeças decepadas em bandejas, corpos ensaguentados, homens com pregos nas mãos, homens de grandes barbas com aspecto aterrador, um pai a levantar um punhal para matar o filho, etc, não deverá ser propriamente o mais adequado para a formação da personalidade das pessoas quando ainda crianças e sem maturidade para perceber as metáforas da Bíblia.
Pelo menos a mim afectou-me bastante. Só a partir dos trinta e tal anos é que comecei a ter uma relação mais pacífica com essa minha dimensão que me foi imposta contra minha vontade e sem que ou os meus pais terem dado o seu acordo. Todas as semanas o padre da aldeia ia à minha escola primária impregar-nos de histórias de terror bíblicas. Ainda hoje sinto que sou condicionado no meu dia a dia pelo que os «verdadeiros» interpretes do que está escrito na bíblia me transmitiram.
E é isto que eu sinto, e tenho a liberdade de exprimir.

José Roldão disse...

Caro "anônimo",

Como é que é?

Se você nunca leu livro nenhum do Saramago, como é que pode reconhecer "seu imenso poder em criar universos metafóricos fenomenais, revelando uma sensibilidade poética só ao alcance de muito poucos"?

É muita contradição, não?

Na verdade, se não o leu, apenas fala dele pela polêmica, não pelo valor do autor em si, do qual, nem mesmo conhece sequer a obra. Está defendendo e qualificando um Saramago "fetiche", que só deve existir na sua imaginação.

E no que se refere ao:

"Não foi por acaso que ele recebeu o nobel, pois não?",

o que acha que vale um prêmio desses? Nada. É um prêmio desprezado pelo seu valor de referência (eu ficaria envergonhado em recebê-lo), um prêmio apenas desejado por causa de um bom valor em dinheiro que é recebido e por um status imaginário, o qual não serve de nada.

Lembra? Nobel até o Obama ganhou! Nobel da Paz! E olha que a votação se deu quando ele tinha apenas 12 dias de governo, heim? Isso de Nobel é uma palhaçada e não serve como medida de valor ou conteúdo de nada. É só pra enganar trouxas.

"Anônimo", acho que deveria ler a obra de um autor antes de sair por aí falando sobre as qualidades literárias e poéticas dele, da forma como enfatizou.

Se não o leu e vem com essa de atribuir valores imensos, sua qualificação desqualifica a si próprio como juiz do que quer que seja. Está falando do que não sabe, pior, fingindo que sabe. Isso é pueril.

Seu caso é semelhante ao de Saramago, esquece toda a história e todo e qualquer estudo sério, para atribuir a si mesmo juiz do que desconhece. O Saramago quer fama e alguma sensação se superioridade ante seu desespero; e você, o que quer fazendo-o de fetiche?

É inútil tentar desvincular o autor da obra. Se o autor quer ou sabe que vai entrar em polêmicas com sua obra, não tem do que reclamar, chega a ser até hipocrisia.

Quem escreve o que quer, pode muito bem ouvir o que não quer. É matemática.

Porém, se não fica-se satisfeito com o resultado desta pequena e milenar fórmula, bem, ou o indivíduo é burro ou está se fazendo de coitadinho, mas em ambos os casos quer muito aparecer. É síndrome de vítima, é doentio.

O corpo e a mente

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