Em Agosto de 2008 dei a notícia do trabalho que a professora Alexandra Azevedo levou a cabo com uma turma do ensino secundário que tinha a opção de Grego, conseguindo que ela concluisse o 12.º ano e que um dos alunos (Afonso Reis Cabral) ficasse classificado em 8.º lugar no European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature. Em Abril de 2009 pedi um depoimento a ambos, o qual se pode ler aqui.
Voltámos a falar sobre trabalho do mesmo teor relativo ao passado ano lectivo: preparou os oito alunos da sua turma, e novamente um deles, Ana Almeida, foi premiado, ficando em 15.º lugar.
Pedi-lhe novo depoimento sobre esta experiência, que o leitor pode ler de seguida e, com base nele, perceber o estado limite a que, no nosso país, o ensino do Grego e do Latim chegou (são meus os sublinhados que se encontram ao longo do texto).
P: Como correu o concurso deste ano?
R: O concurso deste ano teve um novo encanto. Uma consolidação de trabalho. Um caminho que se abriu. Certezas que se fundamentam… No ano anterior, preparara unicamente o Afonso para o estudo das obras propostas, visto que os restantes seis alunos da turma consideravam – compreensivelmente! – difícil o trabalho a desenvolver.Na verdade, é preciso lembrar que a Annual Competition é prova para alunos de toda a Europa, que no mínimo têm dois anos de Grego, quando não três ou quatro… Os nossos alunos têm um único ano «envergonhado» no final do secundário… e, talvez fosse bom relembrar ainda que , em 2007-2008, eram oito os alunos do ensino secundário português que estudavam Grego – seis deles eram meus. O país não valoriza a cultura clássica. A minha escola tem reagido muito bem a estas participações e reconhece o trabalho que os alunos têm realizado.
No ano que passoudecidi que toda a turma concorreria… Os alunos ficaram algo receosos. O Grego fora a sua escolha na continuidade do Latim e do Português, disciplina de que eu também era professora. Parecia-lhes uma complementaridade cultural desejável. E julgo que foi. Assim, tinhamos dois capítulos da obra de Xenofonte, Memorabilia, para traduzir e comentar literariamente. Fizemo-lo. Converti todo o trabalho linguístico para aquele texto e dediquei-lhe inteiramente o 2.º período.
A Ana foi premiada. Mas o maior prémio que tive foi ver que todos os alunos haviam sido capazes de responder para um nível positivo ao exame, e principalmente que as questões morais que a obra albergava os tinham interessado e motivado a traduzir mais e melhor. Foi, por isso, muito gratificante.
P: Em Abril perguntei-lhe como via o futuro das Clássicas no nosso país. A sua resposta denotou muita apreensão. Depois de mais um contacto internacional, essa apreensão mantem-se?
R: Neste momento… sinto que pessoalmente, é triste dizê-lo, cheguei onde podia. Fiz o que pude com os alunos que fui tendo. Abri portas. Vi novas realidades educativas, ganhei amigos, troquei materiais, viajei e vi o brilho nos olhos de todos os meus alunos que, nestes quatro últimos anos, me acompanharam a Itália ou à Grécia. Reconheço ser parte das suas vidas, sei que o Grego e o Latim marcarão a diferença nos seus percursos académicos. Já na faculdade, reconhecem-no, agradecem-no. Verifico que a seriedade do trabalho desenvolvido teve frutos individuais.
Mas a terra portuguesa… não se deixa salgar, como diria o Padre António Vieira… e, assim, sem um Curriculum que integre, por opção de quem legisla, a disciplina de Latim no Ensino Básico, que acompanhe o ensino do português, e como opção para qualquer área do saber, não é possível ir mais longe. Não há alunos. Mas não os há porque essa opção não lhes é permitida em quadros de disciplinas de carácter mais pragmático. Isto não acontece nos outros países onde os alunos que estudam Ciências, Física ou Matemática têm sempre Latim. O Grego vem por gosto pessoal, numa fase posterior.
Assim, este ano não tive turma de Grego, porque os alunos não tiveram Latim, onde poderia ter «cativado» alguns… Por isso, olho com descrédito o futuro.
P: Ao comparar Portugal com outros países que estiveram presentes no concurso, o que se lhe oferece dizer?
R: Senti-me sempre algo envergonhada, quando questionada por pessoas de fora sobre os motivos por que em Portugal se impossibilita os alunos de aprenderem Grego e Latim. Ninguém compreende. A história é a mesma por essa Europa fora, seja na qualificada Alemanha, onde se chega a estudar oito anos de Latim, na Áustria, na Roménia, na Sérvia, na Croácia onde se estuda a língua por quatro anos ou mais…
É muito desanimador sabermos que os alunos não têm acesso a essas aprendizagens, sobretudo quando se tem consciência, como eu tenho, dos ganhos culturais e cognitivos que os clássicos lhe trazem, da identidade que garantem, do melhoramento linguístico que proporcionam, do questionamento moral que permitem.
Gostaria muito de poder explicar isto a alguém de direito… gostaria muito de poder trabalhar mais por esta causa que defendo convictamente, pois os exemplos de sucesso europeu, que conheci, garantem possibilidades ricas para o nosso país. Mas ninguém parece estar interessado em ver, salvo os alunos que conheceram essa experiência, os seus pais e familiares.
O Latim e o Grego são um passo fundamental no crescimento cognitivo, linguístico e cultural dos alunos e o nosso sistema de ensino ganharia muito, em olhar além fronteiras, e perceber o que aconteceria se seguissemos o que de melhor lá existe.
A verdade, é que no que respeita ao ensino das Clássicas no Ensino Básico e Secundário, estamos completamente isolados, como numa ilha deserta e, paradoxalmente, tudo fazemos para que não nos chegue comunicação…
Fotografia (original): Grupo de premiados do European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature do ano lectivo de 2008/2009.
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2 comentários:
Eu também fui aluno de Grego no Secundário!
Três anos, de 1999/2000 a 2001/2002.
Somos raros, infelizmente. Antes não o fôssemos!
Eramos quatro alunos quando começámos, no 10º ano. Como os meus colegas reprovaram, tive as aulas sozinho no 11º e 12º.
É verdade, o estudo dos clássicos tem vantagens a nível cognitivo. A mim o estudo do Grego e do Latim ajudou-me a compreender verdadeiramente a gramática, a saber como é que a língua funciona. E também me obrigou a uma "ginástica" mental constante, ginástica que só pode ser benéfica não só aos estudantes como também a qualquer pessoa. Foram também muito úteis os conhecimentos históricos que adquiri sobre o mundo antigo.
"A verdade, é que no que respeita ao ensino das Clássicas no Ensino Básico e Secundário, estamos completamente isolados, como numa ilha deserta e, paradoxalmente, tudo fazemos para que não nos chegue comunicação"…
Quando lembrarem de tirar a venda da justiça, leiam.
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