A propósito da divulgação do livro Código Pedagógico dos Jesuítas o nosso leitor Américo lembra, em comentário, uma das várias críticas que Luís António Verney, no capítulo Contra os castigos corporais do seu livro O verdadeiro método de estudar, endereçou a práticas educativas vigentes em Coimbra. Agradecendo o extracto que nos enviou, aqui deixamos o capítulo completo.
"Todos os primeiros estudos naturalmente desagradam porque são cansados. E para que havemos de enfastiar mais os pobres rapazes? Um homem consumado pelos estudos, quando estuda numa língua estrangeira, v.g., o grego, hebraico ou caldaico, não pode menos que enfastiar-se daqueles primeiros elementos. Tem grande desejo de sabê-la; conhecer o método de aprender a dita língua; reconhecer a necessidade que tem dela, para entender as Escrituras-Santas (...).: contudo isso, quando se aplica a ela, mil vezes deita fora os mesmos livros , e não se acha com resolução de tornar a servir-se delas. Falo pela experiência própria e pela de alguns amigos, que se aplicam às linguas estrangeiras.
E não acha V.P. que é uma crueldade castigar rigorosamente um rapaz porque não entende logo a língua latina, que de si mesmo é dificultosa, e ainda o parece mais na confusão com que lha explicam? Isto é o mesmo que meter um homem em uma casa sem luz, e dar-lhe pancadas porque não acerta com a porta.
V.P. está em uma Universidade, onde é fácil desenganar-se com os seus olhos (...). Entre no Colégio das Artes, corra as escolas baixas, e verá as muitas palmatoadas que se mandam dar aos pobres principiantes. Penetre, porém, com a consideração o interior das escolas; examine se o mestre lhes ensina o que deve ensinar: se lhe facilita o caminho para entendê-la; se não lhe carrega a memória com coisas desnecessaríssimas. E achará tudo o contrário. O que suposto, todo este pêso está fora da esfera de um principiante. Ora, não há lei que obrigue um homem a fazer mais do que pode, e castigue os defeitos que se não podem evitar.
Não nego que deve haver castigo; mas deve ser proporcionado. Um estudante que impede que outros estudem; que faz rapaziadas pesadas, etc., é justo que seja castigado e, havendo reincidência, que seja despedido. Seria bom que nessa sua Universidade se desse um rigoroso castigo, ainda de morte, aos que injustamente acometem os novatos, e fazem outras insolências. A brandura com que se tem procedido neste particular talvez foi causa do que ao depois se fez, e ainda se faz. Neste particular seria eu inexorável, porque a paz pública, que o príncipe promete aos que concorrem para tais exercícios, pede-o assim; e em outros reinos executam-no com todo o rigor. Falo somente do castigo que se dá por causa de não acertar com os estudos. A emulação, a repreensão, e algum outro castigo deste género faz mais que os que se praticam.
É necessário ter muita paciência com os rapazes e ensiná-los bem, não seguindo a opinião daqueles bispo de Viseu, D. Ricardo Rosel, que em um exame reprovou dezasseis estudantes a fio, porque pronunciaram idolum com a segunda breve. Isto só faz quem não conhece o que deve. Um homem pode ignorar a quantidade de muitas sílabas, e ser um grande latino. Todos os dias se oferecem dúvidas na quantidade delas aos homens doutos (...). Este rigor é censurável. Deve-se praticar outro estilo."
Referência bibliográfica:
Luís António Verney (s.d). O verdadeiro método de estudar. Porto: Editoral Domingos Barreira, 74-77.
"Todos os primeiros estudos naturalmente desagradam porque são cansados. E para que havemos de enfastiar mais os pobres rapazes? Um homem consumado pelos estudos, quando estuda numa língua estrangeira, v.g., o grego, hebraico ou caldaico, não pode menos que enfastiar-se daqueles primeiros elementos. Tem grande desejo de sabê-la; conhecer o método de aprender a dita língua; reconhecer a necessidade que tem dela, para entender as Escrituras-Santas (...).: contudo isso, quando se aplica a ela, mil vezes deita fora os mesmos livros , e não se acha com resolução de tornar a servir-se delas. Falo pela experiência própria e pela de alguns amigos, que se aplicam às linguas estrangeiras.
E não acha V.P. que é uma crueldade castigar rigorosamente um rapaz porque não entende logo a língua latina, que de si mesmo é dificultosa, e ainda o parece mais na confusão com que lha explicam? Isto é o mesmo que meter um homem em uma casa sem luz, e dar-lhe pancadas porque não acerta com a porta.
V.P. está em uma Universidade, onde é fácil desenganar-se com os seus olhos (...). Entre no Colégio das Artes, corra as escolas baixas, e verá as muitas palmatoadas que se mandam dar aos pobres principiantes. Penetre, porém, com a consideração o interior das escolas; examine se o mestre lhes ensina o que deve ensinar: se lhe facilita o caminho para entendê-la; se não lhe carrega a memória com coisas desnecessaríssimas. E achará tudo o contrário. O que suposto, todo este pêso está fora da esfera de um principiante. Ora, não há lei que obrigue um homem a fazer mais do que pode, e castigue os defeitos que se não podem evitar.
Não nego que deve haver castigo; mas deve ser proporcionado. Um estudante que impede que outros estudem; que faz rapaziadas pesadas, etc., é justo que seja castigado e, havendo reincidência, que seja despedido. Seria bom que nessa sua Universidade se desse um rigoroso castigo, ainda de morte, aos que injustamente acometem os novatos, e fazem outras insolências. A brandura com que se tem procedido neste particular talvez foi causa do que ao depois se fez, e ainda se faz. Neste particular seria eu inexorável, porque a paz pública, que o príncipe promete aos que concorrem para tais exercícios, pede-o assim; e em outros reinos executam-no com todo o rigor. Falo somente do castigo que se dá por causa de não acertar com os estudos. A emulação, a repreensão, e algum outro castigo deste género faz mais que os que se praticam.
É necessário ter muita paciência com os rapazes e ensiná-los bem, não seguindo a opinião daqueles bispo de Viseu, D. Ricardo Rosel, que em um exame reprovou dezasseis estudantes a fio, porque pronunciaram idolum com a segunda breve. Isto só faz quem não conhece o que deve. Um homem pode ignorar a quantidade de muitas sílabas, e ser um grande latino. Todos os dias se oferecem dúvidas na quantidade delas aos homens doutos (...). Este rigor é censurável. Deve-se praticar outro estilo."
Referência bibliográfica:
Luís António Verney (s.d). O verdadeiro método de estudar. Porto: Editoral Domingos Barreira, 74-77.
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