segunda-feira, 12 de outubro de 2009

IMAGINAÇÃO, CIÊNCIA E ARTE 2


Segunda parte do texto começado aqui:

Paralelismo histórico entre ciência e arte

A ciência é, tal como a arte, uma actividade humana que requer dos seus autores uma grande criatividade, isto é, uma grande imaginação. E os grandes desenvolvimentos da ciência requerem uma maior criatividade, tal como acontece com os grandes desenvolvimentos da arte. É interessante notar que os grandes períodos da criatividade humana, nomeadamente “o século de oiro” da Grécia Antiga, a Revolução Científica na Europa, se tenham distinguido pela ocorrência de grandes progressos, tanto na arte como na ciência, em processos que se podem considerar paralelos. Este paralelismo é realçado no monumental livro de K. Simonyi “Kulturgeschichte der Physik“ [3] (tradução alemã do original húngaro de 1978), que apresenta, logo no início, um gráfico daquilo que o autor chama "intensidades da criação científica e da criação artística" em função do tempo a fim de ilustrar a evolução paralela da arte e da ciência (principalmente a ciência física). Vale a pena citá-lo:

"Para apresentar os processos históricos uma distribuição uniforme da escala do tempo tem a vantagem de permitir reconhecer períodos históricos com uma maior frequência de eventos relativamente a outros que parecem mais pobres, mas que podem ser compreendidos como tempos de preparação, de amadurecimento ou de mudança. Sarton [Georges Sarton, 1884-1956, intelectual norte-americano de origem belga], um dos maiores historiadores de ciência do nosso tempo, escolheu num dos seus livros este método de descrição.

Resulta então um procedimento casual de ordenação histórica, ou melhor, cronológica: estuda-se a intensidade da criação científica em função do tempo. A dependência representada na figura mostra características surpreendentes. À primeira vista, reparamos que a criação científica nos últimos 2500 anos só tem duas grandes elevações com a largura de alguns séculos. O máximo que ocorre aproximadamente de 500 até a 200 a. C. dá-se numa época a que se chamou o “milagre grego” da história. A figura mostra não só do lado direito a intensidade da criação científica como do lado esquerdo a intensidade da criação noutras áreas (Literatura, Artes Plásticas). Vemos que os dois tipos de criação se desenvolveram de forma mais ou menos síncrona apesar de existirem alguns evidentes desfasamentos temporais. Por exemplo, na Roma Antiga foram dados contributos em alguns domínios da cultura humana, que passam de longe os dados pelos gregos. Estamos a pensar não só no Direito Romano, que deixou marca nas normas que regulam a nossa vida colectiva, mas também nas obras notáveis da literatura em latim (Virgílio, Horácio). Contudo, os Romanos não alcançaram resultados originais nas áreas da física e da matemática, apesar de termos de admitir como única excepção o desenvolvimento do atomismo grego devido a Lucrécio. Semelhante desfasamento pode também ser referido para o Renascimento, tendo este precedido o grande salto das ciências naturais ocorrido no século XVII. Também aqui há uma dessincronização entre as ciências naturais e as actividades nas áreas artísticas.

Aos quase 2000 anos de intervalo entre o desenvolvimento da Antiga Grécia e o século XVII podemos chamar época de transição e de redescoberta, durante a qual só ocasionalmente foram realizados progressos no conhecimento. Estamos a pensar principalmente no mundo árabe e em Bizâncio assim como nos resultados obtidos pela escolástica tardia.”


É curioso notar que, no referido gráfico, os grandes desenvolvimentos das ciências físicas no início do século XX – a teoria quântica (a teoria quântica antiga, iniciada com o alemão Max Planck (1858-1947) em 1900, deu lugar à teoria quântica moderna, devida essencialmente ao alemão Werner Heisenberg, 1901-1976, ao austríaco Erwin Schroedinger, 1887-1961, e ao inglês Paul Dirac, 1902-1984, em 1926) e a teoria da relatividade (que na sua versão restrita como na sua versão generalizada se deveu praticamente apenas a Albert Einstein, respectivamente em 1905 e 1916) - apareçam na segunda “montanha” das ciências, que é uma espécie de réplica do "pico" da Revolução Científica (à qual associamos os nomes do italiano Galileu Galilei, 1564-1642, e do inglês Isaac Newton,1643-1727). A questão interessante que se coloca é então: existirá um pico semelhante para as artes?

De facto, embora o século XX esteja demasiado próximo de nós para o podermos ver com a distância que a objectividade exige, o aparecimento da arte moderna é praticamente contemporâneo do aparecimento da teoria da relatividade. Há até historiadores de ciência que, dada essa contemporaneidade e não só, vêem paralelismos entre a teoria da relatividade restrita de Einstein, que considerava o tempo e o espaço como relativos, ligados inextrincavelmente entre si e cujas medidas dependem do observador, e o cubismo, movimento artístico que convencionalmente se iniciou com o quadro “Les Demoiselles d’Avignon”, de Pablo Picasso (1881-1973), a obra de 1907 patente no Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque considerado o ponto de partida do cubismo [4]. É decerto possível encontrar convergências entre o surgimento da relatividade e a surgimento do cubismo. Os dois movimentos convergem no sentido em que vieram alterar radicalmente os conceitos estabelecidos nos respectivos domínios. Mas a convergência entre eles não se encontra apenas na transgressão das fronteiras que outras tinham estabelecido. Arte e ciência, embora sendo actividades humanas diferentes (a primeira associada ao subjectivo e a segunda ao objectivo), têm mais em comum do que normalmente se pensa: o processo de descoberta científico é normalmente favorecido quando ele se orienta por critérios estéticos. De uma maneira resumida mas sugestiva, pode dizer-se que “se é bonito, então deve ser verdadeiro” (esta frase foi antecipada pelos versos do poeta romântico inglês John Keats, 1795-1821, que na sua “Ode a uma Urna Grega” de 1819 escreveu: “Beauty is Truth and Truth is Beauty. That is all / Ye know on earth, and all ye need to know”. Ou, pensando pela negativa como por vezes se faz: “se é feio, então deve ser mentira”. Vários físicos e outros cientistas aplicaram com sucesso um critério deste tipo, apesar de não ser fácil definir o “bonito” ou o “feio” [5-10]. Como disse o físico-matemático Dirac, para quem era "mais importante ter beleza nas suas equações do que tê-las de acordo com a experiência”, o belo reconhece-se com facilidade se não houver necessidade de o definir: "A beleza matemática não pode ser definida mais do que a beleza na arte, mas as pessoas que estudam matemática não têm, em geral, qualquer dificuldade em apreciá-la". Quem tentar quantificar o belo para o reconhecer com maior facilidade arriscar-se-á a perdê-lo ou, pelo menos, a perder uma boa parte dele. O belo, se o é verdadeiramente, escapa sempre de um ou de outro modo a uma medida precisa.

REFERÊNCIAS:

[3] K. Simonyi, “Kulturgeschichte der Physik“, Frankfurt am Main: Harri Deutsch, 1990.
[4] Arthur Miller, “
Einstein, Picasso: Space, Time and the Beauty That Causes Havoc”, New York: Basic Books, 2001,
[5] Carlos Fiolhais, “U
niverso, Computadores e Tudo o Resto”, Lisboa: Gradiva, 1994.
[6] J. Bronowski, “
The Visionary Eye, Essays in the Arts, Literature and Science”, (selecção e edição de Piero E. Ariotti, em colaboração com Rita Bronowski), Cambridge Mass. e Boston: The MIT Press, 1978
[7] S. Chandrasekhar, “
Truth and Beauty. Aesthetics and Motivations in Science”, Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 1987.
[8] Graham Farmelo (ed.), “
It Must be Beautiful. Great Equations of Modern Science”, London e New York: Granta Books, 2002.
[9] Martin Kemp, “
Visualizations. The Nature Book of Art and Science”, Oxford: Oxford University Press, 2000.
[10] Tania C. de Araújo-Jorge (org.), “
Ciência e Arte, Encontros e Sintonias”, Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2004.

FIGURA:

- Pablo Picasso, “Les Demoiselles d’Avignon”, 1907, Óleo sobre tela (2,44 x 2,34 m)., Museum of Modern Art, Nova Iorque, Estados Unidos.

2 comentários:

platero disse...

e que dizer do postulado de Wittgenstein - que diz:
as Ciências nada descobrem - INVENTAM

Luís Silva disse...

"relividade" ? Relatividade, queria dizer. Mas o que dizer relativamente ao resto do parágrafo? Falar da génese da segunda quantificação (a que chama de moderna) sem referir Bohr, Von Neumann ou De Broglie? Falar das relatividades atribuindo-as ao trabalho de um homem só? Muita imaginação, pouca ciência, arte nenhuma.

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