"Mário Nogueira reconhece que está a travar 'um combate político-partidário' " (Jornal de Notícias, 8/Novembro/2008). Pela interpretação à letra desta frase conclui-se estarmos em presença de uma desastrada confissão a que a embriaguez de uma vitória havida como fácil conduz.
Ele certamente sabe, como soube Eça, que “quando se quer fazer marchar um regimento não se lhe explica com a subtileza de um protocolo os motivos que levam à guerra: desdobra-se uma bandeira, faz-se soar um clarim e o regimento arremete”. Resta saber qual o verdadeiro papel da Plataforma Sindical no meio do cheiro acre da pólvora por se fazer representar através do seu porta-voz de sempre, Mário Nogueira, que, sem qualquer peias que o bom senso e o tacto político recomendariam, transforma a justa luta dos professores num braço-de-ferro entre o Partido Socialista e o Partido Comunista. E quando o mar bate na rocha…
Dias atrás, David Justino, ex-ministro da Educação e assessor da Presidência da República para questões sociais, afirmou: “Enquanto transformarmos a Educação num campo de batalha, será difícil encontrarmos soluções e um rumo que possa unir as pessoas no sentido de tornar a educação uma educação de excelência”. Ou seja, uma mensagem de apaziguamento por parte desta assessoria teve como resposta uma guerra total com os prejuízos que isso sempre acarreta numa luta sem quartel.
Num pacto em que a conveniência se fez rainha e os princípios programáticos dos sindicatos se fizeram servos, a Fenprof teve uma jogada de mestre ao conseguir uma “santa aliança” com os outros sindicatos da Plataforma conotados, ou mesmo com ligações umbilicais, a partidos políticos como o PS e o PSD. Há, ainda, que reconhecer a tenacidade da Fenprof em ser igual a si própria na “instrumentalização dos sindicatos como ‘correia de transmissão do PCP’” (Mário Soares, Diário de Notícias, 29/Janeiro/2008).
Mas valerá o preço a pagar futuramente pelos outros sindicatos por essa medida? Ou seja, o “day after”, com a Fenprof dona e senhora de um futuro que deveria ser de todos os professores, independentemente de serem ou não sindicalizados, apenas, pelo empenho, pelo brio, pela entrega entusiasta à importante profissão social que desempenham e que o Ministério da Educação desastradamente tem posto em causa como se não se tratasse de exemplos de uma esmagadora maioria.
Outrossim, há que reconhecê-lo, a Fenprof tem, em todo este processo ,feito grandes jogadas. Assinou o memorando da discórdia e sacode a água do capote dessa contestada tomada de posição que provocou o descontentamento geral dos professores e conduziu a educação a um “statu quo” desastroso de disputa permanente. Outros que não ela, os professores, levarão, mais tarde ou mais cedo, de vencida a teimosia do “staff” do Ministério da Educação porque a causa porque lutam nas escolas contra o actual sistema de avaliação, em atitudes pessoais de muita coragem e determinação, é justa, porque justo é pugnar por um ensino digno e de qualidade que retire Portugal da cauda da Europa em comparações isentas do “Programme for International Student Assessment” (PISA).
No meio deste caos, que tal pararmos uns instantes para reflectirmos sobre a mensagem de Albert Camus, em O Homem Revoltado? "O absurdo, tal como a dúvida metódica, fez tábua rasa do passado. Deixou-nos num beco sem saída. Mas tal como a dúvida, pode, mudando de atitude, orientar uma nova busca". E, nessa nova busca, deverá, forçosamente, ter lugar destacado a manifestação do próximo dia 15 de Novembro, ultrapassada, em condenável oportunismo, pela manifestação da Fenprof do passado fim-de-semana.
Rui Baptista
9 comentários:
Como se diz no sermão de santo antónio aos peixes, se o sal já não salga, então deve ser espezinhado, o mesmo se pode afirmar em plataformas sindicais e sindicatos deste pais, so servem no momento para os seus dirigentes viverem e fazerem carreira à custa dos seus sindicalizados, estão-se nas tintas para os problemas reais, estão todos ligados a partidos politicos, o caso mais flagrante nem é a fenprof é a cgtp com o pcp e a ugt com o ps/psd.
Como dizem uns humoristas da nossa praça, são todos uma cambada de xupistas!
Como noutros textos anteriores, a opinião do autor nada tem de desassombrada. Pelo contrário, continua sob a terrível assombração dos sindicatos que, exagerando muito pouco, parecem ser para o autor os principais responsáveis pelo estado actual da educação em Portugal. Também neste caso há muitos pontos de vista com os quais concordo facilmente mas, no essencial, o alvo continua a ser o errado, o que com certeza daria muito prazer aos actuais ocupantes da 5 de Outubro, no caso improvável de eles se darem ao trabalho de ler o que por aqui se escreve.
O erro fundamental é revelado já no fim do texto. Alguém pode acreditar que, actualmente, um sindicato ou federação sindical tem poder para colocar 120000 pessoas de todo o país nas ruas de Lisboa? Os sindicatos e federações não prestam, por estarem viciados no jogo político que vai muito para além das questões laborais, mas sem eles os professores não teriam qualquer representatividade e muito pouca visibilidade e passariam muito rapidamente a ser os joguetes em que o ME parece apostado em transformar.
Não é para mim assim tão evidente que a manifestação tenha sido uma jogada da Fenprof. O que realmente aconteceu foi que a Fenprof, tal como em Março, com medo de ser ultrapassada pelos professores, conseguiu reagir a tempo.
É necessária uma vassourada dos professores competentes nos sindicatos, criando novas associações, e desalojando os eternos sindicalistas com ligações partidárias que impedem qualquer compromisso. Se o objectivo é melhorar o ensino, exigem-se posições construtivas e não intransigentes. Estamos totalmente fartos de ver anos, senão décadas, os mesmos sindicalistas de sempre, como Carvalho da Silva e Bettencourt Picanço, munidos de um discurso de "cassette". Adicionalmente, se é verdade que os participantes nas manifestações não são apenas sindicalistas, ou adeptos da agitação política e luta partidária, é um facto que a opinião que nos chega por via das entrevistas levadas a cabo pelos jornalistas, é em grande medida a desta minoria pouco representativa. É evidente que enquanto isto continuar, a muito eficiente propaganda do Governo continuará a colher junto da opinião pública, e quem ficará mal visto são os professores (muitas vezes injustamente). Um aspecto que chegou ao meu conhecimento, e que não abona nada em favor de alguns professores é que, em algumas escolas, não sendo possível atribuir a classificação de "muito bom" à totalidade do corpo docente, é aplicada a classificação de "bom" a todos. Isto, para além de ser intrinsecamente injusto, é um insulto à inteligência não só do governo como do público em geral, configurando o mais desavergonhado boicote. Como é possível negociar desta forma? Será o Ministério forçado a definir a-priori as percentagens de todas as classificações para que isto não aconteça? Tal necessidade seria totalmente ridícula... Uma alternativa seria pura e simplesmente seriar por ordem de competência os professores, sem lhes atribuir propriamente uma classificação.
Paulo Soares:
Como muito bem reconhece dificilmente se pode acreditar que um federação (pelo que se depreende refere-se à Fenprof) possa “ter poder para colocar 120000 pessoas de todo o país nas ruas de Lisboa”. Plenamente de acordo. Até digo mais. Nem a plataforma sindical tem esse poder. Se somarmos o número de sócios da Fenprof e dos outros sindicatos da plataforma quantos professores obtemos? Nem eu nem o Paulo Soares sabemos. Duvido até que alguém saiba.
Se tivesse lido o meu texto com atenção verificaria que eu estou completamente ao lado dos professores: “Outros que não ela [Fenprof], os professores, levarão, mais tarde ou mais cedo, de vencida a teimosia do ‘staff’ do Ministério da Educação porque a causa porque lutam nas escolas contra o actual sistema de avaliação, em atitudes pessoais de muita coragem e determinação, é justa, porque justo é pugnar por um ensino digno e de qualidade que retire Portugal da cauda da Europa em comparações isentas do ‘Programme for International Student Assessment’” (PISA).
A minha discordância com esta forma de luta reside na forma com ela é conduzida pela Fenprof querendo circunscrevê-la a manifestações ruidosas de rua sem razão ética de ser numa classe de educadores que deve dar o exemplo ao país numa luta que se não deve esgotar em questões laborais e, muito menos, em “um combate político-partidário”, Mário Nogueira “dixit”. Um combate desta natureza em prol de que partido político?
Esta é a questão. Ou seja, estarão os 120000 professores dispostos, utilizando-me de uma imagem de Eça, “a balar como carneiros” deixando-se arrastar para esta guerra político-partidária ou estarão, pelo contrário, a lutar nos seus locais de trabalho pelos seus direitos como o têm feito com enorme dignidade sem curvarem a cerviz ao ministério da respectiva tutela? (Já agora, o que arriscam os dirigentes sindicalistas em termos pessoais ou mesmo profissionais nesta luta: perda de sócios?) É bem certo que a classe docente se não revê em todas as atitudes sindicais. A prova disso é ter-se gerado nela espontaneamente na classe a onda (ou mesmo verdadeiro tsunami) de descontentamento gerado pela assinatura do memorando entre a plataforma e o ministério da Educação génese de todo este imbróglio.
Diz por fim que sem os sindicatos e federações os professores teriam muito pouca visibilidade. Ou seja, os médicos, os engenheiros, os advogados, os farmacêuticos, etc. , para terem visibilidade deverão encerrar as portas das respectivas associações públicas, queimarem os respectivos estatutos, rasgarem as sua cédulas profissionais. Então sim, só quando estiverem apenas representados por sindicatos em questões laborais e em manifestações públicas passarão a ter a visibilidade que a rua dá. Por ora, ninguém sabe deles, ninguém os vê, ninguém os ouve!
João Filipe Oliveira:
Concordo consigo. A Fenprof está, acima de tudo, interessada em manter o seu protagonismo político-sindical, reagindo, assim, a qualquer acção dos professores que fuja da sua órbita. Daí a "santa aliança" com sindicatos que em pouco ou nada com ela se identificam. Ou se deviam identificar!
Caro Rui Baptista,
li o seu texto com atenção e nunca duvidei que está do lado dos professores. Nem eu tenho qualquer interesse em defender quaisquer organizações sindicais. A minha objecção tem sido sempre outra e talvez as minhas palavras não a tenham deixado suficientemente clara. Insisto: o actual governo tem vindo a piorar consideravelmente o estado da educação neste país. Esse estado já não era nada bom mas arrisca-se a ser afundado ainda mais em consequência da acção de governantes que se julgam iluminados e reformistas mas que apenas são arrogantes e incompetentes. O meu principal ponto é que, nestas condições, alimentar o discurso contra os sindicatos é inoportuno e contraproducente. É desculpabilizante para o ME e pode ser facilmente associado com a linha populista e demagógica que culpa os malandros dos professores e os seus sindicatos pelo estado de sítio que grassa nas escolas.
Não acredito serem essas as suas intenções mas parece-me grande o risco de obter esse efeito.
Aproveito ainda para esclarecer mais um ponto que mereceu reparos seus. Não defendo serem os sindicatos as melhores estruturas para representarem os professores em questões que não sejam de índole puramente laboral. Defendo apenas que, neste momento e na falta de melhor, são as que estão disponíveis e que têm meios de mobilização e visibilidade.
Prezado Paulo Soares:
Grato pelo seu comentário. Pela forma cordial como foi redigido e pela oportunidade que me foi dada em esclarecer pontos de vista que, porventura, tenham ficado pouco claros no meu post.
Quanto aos sindicatos, seria insensatez da minha parte não reconhecer o seu importante papel na defesa dos direitos laborais dos trabalhadores. Só que exercendo os professores um trabalho de natureza intelectual de grande importância social, e de elevada exigência na sua própria formação académica, defendo que os respectivos direitos e deveres“ (não concebo direitos iguais para deveres diferentes, porque para Victor Hugo “a primeira igualdade é a justiça”) não se esgotam nesta forma de associativismo.
Por outro lado, discordei, e discordo, da formação da Plataforma Sindical (o que me levou a demitir-me do cargo de presidente da Assembleia Geral de um dos seus sindicatos constituintes) por a ter como uma espécie de comboio em que a locomotiva é a Fenprof e as carruagens os outros sindicatos que uma vez postos a circular nos carris se dirigem a um destino comum a não ser que haja um descarrilamento pelo caminho por saída dos carris ou um embate frontal com outro comboio circulando em sentido contrário por erro de agulha.
De qualquer forma, haverá sempre prejuízos difíceis de calcular em toda a sua extensão. Ora, a Fenprof tem como mérito ser sempre igual a si própria. Mérito que infelizmente não reconheço nos outros sindicatos da Plataforma que abdicaram de princípios que defendem nos seus programas para alinharem com a Fenprof e, como tal, seguirem o rumo de “um combate político-partidário”, nas palavras do próprio secretário-geral e porta-voz de serviço permanente à Plataforma.
Desta forma, criou-se um braço-de-ferro entre a Plataforma e o ministério da Educação que teve como consequência um choque frontal entre dois colossos viajando numa mesma linha de intransigência mas em sentidos opostos. E para que a metáfora fique completa, resta acrescentar que os passageiros da Plataforma Sindical são os professores que, com grande coragem e sentido cívico, têm sido os verdadeiros obreiros de uma luta cujo fim e desfecho não se descortina num verdadeiro beco sem saída representado pelo actual “statu quo”.
Talvez por isso, a minha esperança vai toda para a manifestação do próximo sábado dos professores independentes apresentando-se com “a nudez forte da verdade”. A verdade da sua boa-fé não hipotecada a peias sindicais ou a quaisquer forças politico-partidárias.
Saudações amigas
A História faz-se de encontros e desencontros. A única coisa imutável, entre eles, é exactamente o foi a causa de ambos.
É apenas isso que urge preservar.
Dia 15, em Lisboa, pela causa da Educação... e dos Professores!
MUP - Movimento para a Mobilização e Unidade dos Professores
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