Numa carta a Einstein, de 9 de Maio de 1948 [i], Max Born dizia, em resposta a objecções de Einstein a certos aspectos da teoria quântica, que objectos distantes no espaço, não têm de ser necessariamente independentes, mas Einstein não concebia como tal fosse possível, dizendo que isso seria spooky action at a distance (acção fantasma à distância).
Numa experiência realizada em 1982 por Alain Aspect [ii], (Figura 1.a), dois fotões com polarização idêntica [iii] eram produzidos numa fonte S, por desexcitação de um átomo de cálcio, e enviados em direcções opostas, para os analisadores A e B, cuja orientação era escolhida ao acaso, após a partida dos fotões da fonte e da sua a separação. A polarização dos fotões era então medida independentemente em cada um dos analisadores, colocados a cerca de 12 m um do outro. Os resultados da experiência mostraram que os fotões apresentavam a mesma polarização nos dois analisadores, sempre que estes ficavam orientados paralelamente um ao outro.
Note-se que isso acontece, mesmo que os polarizadores sejam rodados aleatoriamente para novas orientações depois da separação dos fotões. Isso implica que os dois fotões são sempre observados em coerência de fase, mesmo que separados por grandes distâncias. Como é que um fotão sabe a polarização que foi medida no outro, e que, pode até ter sido alterada após a separação, se não comunicar com ele? Mas os resultados da experiência têm ainda mais surpresas. Se os analisadores forem rodados aleatoriamente e independentemente um do outro, mesmo depois da separação dos fotões, a probabilidade de serem detectados com a mesma polarização é proporcional ao cos2θ (Figura 3B.1. b) sendo θ o ângulo entre as orientações dos analisadores.
Desta e de outras experiências idênticas pode concluir-se que, em certo sentido, objectos (e.g., fotões), que provêm de uma origem comum, permanecem em contacto através do espaço e do tempo. No entanto, embora este fenómeno seja a base da teleportação quântica, isso não implica a possibilidade prática de comunicação a velocidade superior à da luz [iv].
Existem já aplicações tecnológicas potenciais e algumas já realizadas, que utilizam este comportamento das partículas, como a criptografia quântica, a computação quântica e o teleportação (a teleportação de Star Trek).
_______________________________
[i] Max-Born, The Born-Einstein Letters 1916-1955, MacMillan, New York, (2005)
[ii] Aspect, A., Grangier, P. & Roger, G., Phys. Rev. Lett. 49, 91 (1982).
[iii] A polarização é a direcção segundo a qual vibra a componente eléctrica do campo electromagnético. Diz-se que um fotão está polarizado segundo x, ou que tem polarização x, se a componente eléctrica do campo electromagnético oscilar na direcção do eixo dos x e identicamente para a polarização y. Para efeitos da experiência , um fotão comporta-se como um relógio só com um ponteiro, cuja direcção é a direcção de polarização.
[iv] A. Aspect, Nature, vol. 398 (1999) 189.
Luís Alcácer
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9 comentários:
Não percebo esse conceito de 'acção à distância', se os fotões são originados na mesma fonte é natural que possuam propriedades comuns às da fonte que os originou. Isso não é acção à distância é o simples principio da causalidade. Depois há que vem em que momento é medida a polaridade, se esta varia com o tempo e é medida em momentos distintos aí sim pode haver uma espécie de efeito de comunicação.
'há que ver'
Na mecânica de Newton também a gravitação e as forças tinham uma espécie de acção à distância. Com a relatividade o problema foi "resolvido", mas qual o preço do desparecimento da estranha acção à distância? Salvo erro, um campo que é tudo, está em todo o lado e em todas dimensões, incluindo o tempo? Isso também não é estranho? Confesso a minha ignorância e vou tentar beber uma cerveja num bar por aqui perto...
Em primeiro lugar gostaria de dar os meus parabéns ao autor pelo excelente post. É de facto difícil explicar este processo em poucas linhas.
Penso que a resposta ao anónimo é que o fotão não tem um estado de polarização definido enquanto não for medido. Enquanto o fotão viaja entre o emissor e o detector o fotão existe como uma onda de probabilidade. Apenas tem uma certa probabilidade de ter uma determinada polarização.
Acontece que quando o fotão (A) é detectado no emissor A, a onda colapsa e o fotão detectado em A passa a ter uma determinada direcção de polarização.
O espantoso é que o fotão oposto (Fotão B), que também existia num estado indeterminado como uma onda de probabilidade, colapsa exactamente ao mesmo tempo com uma polarização definida que depende da polarização do fotão B. É como se as duas partículas permanecessem "ligadas", ou melhor correlacionadas, mesmo que separadas por milhões de anos luz de distância. Quando uma colapsa num estado indefinido, a outra, por mais longe que esteja colapsa também. Este colapso é instantâneo.
Isto não viola a relatividade de Einstein, pois na realidade não há troca de informação entre as partículas, não há nada que se desloque mais rápido do que a luz (nem matéria, nem energia). No entanto temos de aceitar que o Universo é não local, e que objectos separados por grandes distâncias podem estar de alguma forma correlacionados.
"fotões são originados na mesma fonte é natural que possuam propriedades comuns às da fonte que os originou."
O problema é que estes fotões não possuem propriedades determinadas enquanto não forem detectados. E o pior é que mesmo que possuíssem, podemos mudar a direcção do polarizador após os fotões terem sido emitidos, baralhando as cartas, e quando um é detectado numa nova configuração o outro automaticamente muda.
Penso que é também importante notar que esta experiência só resulta de repetirmos a experiência um conjunto significativo de vezes. Pois ambos os detectores irão fornecer dois conjuntos de distribuições aleatórias e só no fim é possível perceber que elas são correlacionáveis.
Esta experiência foi inicialmente proposta, em moldes semelhantes por Bell, e desde então foi experimentalmente demonstrada, estando em perfeito acordo com a mecânica quântica.
Um post excelente e um excelente comentário do João Moedas!
Espero que o professor Luís Alcácer passe a colaborador regular do Rerum Natura. Para mim estes dois posts estão entre os melhores do blog!
Gostaria de dizer aos interessados que, se quiserem, podem ver a explicação do texto "Acção a Distância" no final do Capítulo 3 do livro "Introdução à Química Quântica Computacional", publicitado em
http://www.lx.it.pt/~alcacer/Q_Quantica/Livro.html
Os capítulos 1 e 3 são de introdução à física quântica e estão disponíveis para download.
O capítulo 3 requer alguma familiaridade com álgebra linear, mas é fácil.
Luis Alcacer
Fantástico! Muito obrigado professor Alcacer. Não conhecia o livro (que merecia divulgação no DRN, espero que alguém trate disso) obrigado pela "oferta" dos capítulos :)
Fotões a comunicarem um com o outro à distância... Poupem-me !
Eu já tinha tomado conhecimento da experiência de Aspect, mas coloquei-a na cesta dos pendentes, porque penso que é importante ter presente que no percurso da Ciência nunca nenhuma descoberta científica veio colocar o mundo de cabeça para baixo.
Os mistérios da Natureza têm vindo a ser desvendados com maior ou menor esforço, mas em caso algum, após um novo avanço científico, podemos deixar de pensar : só podia ser assim ; como é que não vimos isto antes?
E se não vimos antes foi porque não tínhamos os dados todos, ou porque os nossos antepassados se tinham embrenhado em explicações mirabolantes, algumas nas antípodas, que nos levaram por caminhos errados. Mas nenhuma descoberta científica, por muito que tenha revolucionado o nosso modo de ver o Universo, deixou de ter uma base de consistência lógica, sem nos obrigar a fazer o pino para a entender.
Quando nos aparecem explicações que nos obrigam a fazer o pino, julgo que seria bom esperar pacientemente por melhores dias, em lugar de avançar com soluções fantasistas. Esse é o (mau) papel dos charlatães.
A Natureza tem-se revelado misteriosa e até mesmo dissimulada, mas no final é sempre simples. É preferível pensarmos que continua assim.
JO
Caro Anónimo,
o seu comentário enferma de um forte complexo antropocêntrico. Parte do princípio, que mais cedo ou mais tarde, tudo na natureza será entendido, no sentido racional do termo. Porém, as nossas limitações sensoriais (limitadas aos 5 sentidos) que nos impedem acesso a mais do que 3 dimensões físicas, podendo o Tempo ser encarado como a quarta, ainda que “irreversível” (e mesmo sabendo que em MQ é considerado um parâmetro, nem Observável nem dimensão), marcam um limite ao conhecimento do todo que creio manifestar-se independentemente de poder ou não ser compreensível duma forma estritamente racional.
No entanto, estou convencido que o próprio “criador” do paradoxo EPR, Enstein, levanta o véu para a possível explicação do paradoxo que originou, quando afirma E=mc2 , isto é, ao contrário da ideia quase escatológica da distinção entre matéria e energia, esta igualdade patenteia uma indistinção intrínseca.
A este propósito, creio estar certo, e o Prof. Luís Alcácer poderá corrigir-me no caso contrário, quando digo que já houve tentativas sérias de explicar o paradoxo através da influência da intenção (quando encarada como uma forma de energia) por parte do medidor. Creio mesmo ser esta uma das crenças enraizadas na escola de Copenhaga.
Cumprimentos
João Bayam
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