No post “O Que é o Eduquês?” falei do aspecto linguístico do “eduquês”, e prometi para depois a abordagem dos seus aspectos teóricos. Farei isso noutro post. Para já, é conveniente abordar outro aspecto linguístico: trata-se da própria designação dada em Portugal aos estudos sobre educação.
Chamar “ciências da educação” aos estudos sobre educação não é pacífico e é mais uma forma de manipulação, um pouco como as centenas de cursos superiores que têm a palavra “engenharia” no nome — serve para atrair papalvos e dar um ar de falsa seriedade às coisas. A sociedade portuguesa sofre de cientismo agudo, ao mesmo tempo que é paradoxalmente crédula, supersticiosa e anti-ciência. É como o famoso coronel Sardinha, que era da PIDE e ao mesmo tempo era anti-fascista porque era um homem muito complexo. Neste contexto, chamar “ciências da educação” aos estudos sobre educação dá logo aos “cientistas” da educação o prestígio associado à ciência, como se só a ciência pudesse produzir estudos de elevada qualidade cognitiva e académica sobre qualquer área. Qualquer dia já não se pode ser historiador, temos de ser “cientistas do passado”. Enfim, é a tolice do cientismo em toda a sua expressão.
Os estudos sobre educação são de facto uma amálgama de estudos de diferentes áreas, e não há qualquer problema por isso. Da psicologia da aprendizagem à sociologia escolar, da filosofia da educação à história do ensino, os estudos sobre educação procuram colher vários elementos teóricos que permitam ter uma compreensão alargada da educação (e não apenas do ensino formal, que acontece nas escolas), sem esquecer que não se trata de uma área meramente teórica, mas também de intervenção prática e pública no ensino e respectivas políticas. É uma área muito vasta, que envolve muitas competências, e que tem algumas partes mais experimentais e científicas, outras mais especulativas, outras mais históricas. Em si, nada há de errado com os estudos sobre educação. Como em todas as áreas, haverá do bom e do menos bom, do sofrível e do muito mau. De modo que nada do que eu, o Jorge Buescu, a Helena Damião, o Nuno Crato ou outras pessoas dizem quando se manifestam contra o “eduquês” se deve confundir com um ataque às ciências da educação em si. Apesar da designação infeliz, trata-se de uma área académica como qualquer outra. Rejeitar o “eduquês” não é rejeitar as ciências da educação, tal como rejeitar a bomba atómica não é rejeitar a física nuclear. E tal como há má física e má matemática, também há com toda a certeza más ciências da educação.
quarta-feira, 13 de junho de 2007
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7 comentários:
"Rejeitar o “eduquês” não é rejeitar as ciências da educação(...)".
Agora começo a compreender melhor o seu ponto de vista. Mas resta-me uma dúvida: o "eduquês", para si, consiste em "simular densidade teórica (…) que tem como principal objectivo desviar quaisquer críticas (…)" e no "formalismo académico bacoco que sempre tivemos em todas as áreas académicas."
Deduzo das suas palavras que, à semelhança do "eduquês", também possamos falar de “sociologês”, “arquitectês”, etc.
e um filosofês, claro!
Mas o que preocupa é a importância que é dada à coisa: quando um arquitecto fala em arquitectês os prédios não caem por causa disso, até porque os arquitectos normalmente ou discursam ou projectam, não fazem as duas. Pode ser inútil o seu discurso, que os prédios contnuam de pé. O eduquês não: define reformas e reformas das reformas e reformas das reformas reformadas. E mais: o eduquês transmite-se. É contagioso. Temos hoje professores filhos das reformas, que aprenderam a pensar por elas, para quem a matemática é aquela magia que as máquinas de calcular fazem se tiverem luz suficiente para trabalharem, para quem os erros de português são uma questão de respeito pelas diferenssas!!! ;)
Há má física, há má matemática, há má bioquímica...
O que impede a má física, a má matemática e a má bioquímica de chegarem aos gabinetes de engenharia e aos consultórios médicos é a existência duma série de mecanismos de validação - a começar pela peer review e a acabar nas deontologias impostas pelas ordens profissionais - que as vai filtrando sucessivamente até que reste apenas o que dá garantias razoáveis de funcionar.
As «ciências da educação», pelo contrário, chegam às salas de aula em bruto. Não são sujeitas a qualquer filtragem ou a qualquer crítica e não precisam de qualquer mecanismo científico de validação porque dispõem da validação administrativa que a burocracia educativa lhes confere.
É por isso que eu insisto tanto em que o delírio pedagógico e o gigantismo burocrático são fenómenos interligados e interdependentes: a função principal do Ministério da Educação consiste precisamente em validar o eduquês.
Vou tentar resumir o meu problema a respeito das ciências da educação. (No que digo a seguir não há nem sombra de ironia.)
Qualquer profissional tende a melhorar com a prática da sua profissão. Mas como é que se pratica esta ciência? Teorizando sobre a educação? Dando aulas e esperando para ver os resultados? Ou de que outra maneira?
Viva,
O «eduquês» tem um efeito directo na formação dos estudantes. Exige tratamento das competências, em detrimento dos conteúdos. Curiosamente grande parte das competências que os diversos programas apontam, seriam consequências da aprendizagem de conteúdos.Todos nós sentimos agrado em sermos bons porque aprendemos muitas coisas boas e , principalmente, porque somos dotados de uma cultura que nos permite melhor "ver" e compreender o mundo e os outros. Se o eduquês exige pouco conhecimento aos professores, a consequência directa é que os professores exigem pouco aos seus alunos.A ideia que subjaz ao «eduquês» é que essa é a forma de todos terem acesso ao conhecimento, mas isso não passa de uma farsa. O que se deveria pensar é em formas inovadoras de ensinar o rigor, a ciência e o conhecimento e não desvalorizar o conhecimento para que todos aprendam. Claro que também aqui está a ideia de que o ensino é a porta de entrada para o mercado de trabalho que acaba por asfixiar a escola. nada mais falso. Uma escola exigente é a porta de entrada para um mercado de trabalho exigente. Mas estes disparates tem um preço muito alto a pagar. E não estou fazer futurologia, porque esse é o preço que estamos já a pagar.
Obrigado
Rolando Almeida
Consigo compreender a relutância (principalmente dos professores)em aceitar a participação de ciências, com ou sem aspas, que indiquem modos mais eficazes de ensinar. Ou seja, como fazer. Detestamos sentir que mandem em nós... Penso que a falta de conhecimento sobre o que é afinal o estudo na área da educação, da aprendizagem e do ensino. As ciências da educação "praticam-se" como qualquer outra ciência social e humana; estuda os efeitos de políticas educativas do passado, considera as novas descobertas na neuropsicologia (como é que aprendemos, como retemos informação, quais os processos envolvidos, etc.).
b)Pôr constantemente em causa uma disciplina pelos resultados que teoricamente advêm da sua aplicação parece-me tão absurdo como dizer que a medicina não é válida porque não consegue curar as mais diversas maleitas!
c) Por vezes esquecemo-nos de que as tais teorias que estão "subjacentes" ao "eduquês" não são propriamente obra dos portugueses; de facto, são maioritariamente norte-americanas, escandinavas e, muito frequentemente, francófonas e aplicadas. E não consta que os resultados sejam maus. Porque é que atribui, então, a culpa aos estudos na área da educação?
d)A educação está povoada de discursos ideológicos que não permitem implementar as medidas cuja "eficácia" está em maior ou menor grau comprovada. Ao contrário do que se pode pensar
E) Concordo plenamente com as opiniões negativas relativamente ao aspecto linguístico do eduquês. Que a qualquer programa de qualquer escolinha de bairro falte explicitação concreta, não se consiga quantificar nada, definir operacionalmente o que quer seja... ainda vá. Agora que os programas do ME sejam aquilo que se sabe...
F)Este uso da linguagem serve apenas para que não seja assim tão simples responsabilizar quem quer que seja pelos resultados.
Obrigada pelo melhor blog da blogosfera portuguesa.
Irene Serpa
De facto, várias pessoas, a maioria delas das "Ciências da Educação", questionam a designação. Pessoalmente, também entendo que não faz muito sentido falar de CE, porque é a Educação que vai buscar a outras ciências, ou áreas do saber, as metodologias, os enfoques, os instrumentos; esta questão nada tem a ver, contudo, com o conceito publicitário do "eduquês".O conceito serve para vender livros pouco densos, tipo literatura de cordel da Educação.É uma literatura que está em voga, para quem não se quer cansar muito a ler textos verdadeiramente essenciais, acerca dos quais se vão "botando" umas diatribes inconsistentes.
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