segunda-feira, 4 de junho de 2007
Alguém consegue viver sem plásticos?
Faz este ano cem anos que foi feito o primeiro plástico. Novo post convidado da Elvira Callapez, especialista em história dos plásticos. Na foto, o inventor dos plásticos na capa da "Time".
Muito dificilmente alguém responderá “sim”! Numa sociedade industrial os plásticos estão por todo o lado. E, em países subdesenvolvidos, devastados pela fome e pela guerra, quem consegue “apanhar” algo de comer, guarda-o num saco de plástico... As expressões “era dos plásticos”, “idade dos plásticos”, “revolução dos plásticos” têm sido usadas à exaustão. Basta olharmos para nós próprios, para o que vestimos, para o que comemos, para os objectos do nosso dia a dia, em casa ou no trabalho, para verificarmos a sua justeza...
Este mês comemora-se o primeiro centenário daquele que viria a ser considerado um material ubíquo, indispensável, um verdadeiro símbolo de tecnologia do século XX. Falamos da baquelite. O que é? Quimicamente, trata-se de um polímero, um plástico; os mais velhos dirão que é “o plástico” (recebi este testemunho de pessoas com 80-90 anos, durante a minha investigação sobre a origem da indústria dos plásticos em Portugal donde resultou a minha tese de mestrado, há dez anos).
Foi no dia 19 de Junho de 1907 que Leo Hendrik Baekeland (1863-1944), um químico norte americano de origem belga (que renunciou a uma carreira universitária para se dedicar à indústria), anotou no seu caderno de laboratório a reacção química que viria a revolucionar o mundo industrial.[1]
Acabava de sintetizar, por reacção entre o fenol e o formaldeído, a bakelite (baquelite), o primeiro plástico, um material totalmente sintético, que veio a desencadear sentimentos tão antagónicos, como simpatia e desprezo, amor e ódio! Certamente a frase “Just one word: Plastics” pouco ou nada significará para a maioria dos jovens portugueses, mas alguns dos seus pais e avós talvez conheçam o episódio sobre os plásticos, mostrado no filme “The Graduate” de 1968, bem conhecido dos norte americanos [2]. Este filme mostra na cena de abertura um Dustin Hoffman recém-graduado, tímido, inexperiente, a receber o conselho de um amigo empresário sobre uma opção para a sua futura carreira profissional: "I just want to say one word to you. Just one word … Plastics … There's a great future in plastics”.
Embora, no contexto do filme, os plásticos simbolizem o materialismo banal da classe média e a sua superficialidade como produto, o certo é que os plásticos, actualmente, estão mesmo em todo o lado. Goste-se ou não deles, o seu volume de produção, em 1979, ultrapassou o do aço, um símbolo da revolução industrial![3] É por isso que os plásticos, tal como aconteceu com a pedra, o bronze, o ferro e o aço, conseguiram atingir o estatuto reconhecido na expressão “era do plástico”.
Os plásticos entram diariamente nas nossas vidas, sob as mais diversas formas e funções. Mesmo aqueles que possuem uma imagem negativa dos plásticos, utilizando o adjectivo plástico como sinónimo de falso, superficial, artificial, e utilizando, no plano cultural, a palavra “plástico” para uma sociedade caracterizada por muitos artificialismos, comportamentos postiços, sem conteúdo e valores, usam diariamente objectos de plástico. Estando o mundo de tal modo rodeado de plásticos, porque é que o grande público não olha para eles com uma classe especial de materiais? [4]
O que sabe o cidadão comum sobre os plásticos e as suas vantagens? Talvez para a maioria, o plástico esteja associado apenas a objectos baratos, que se compram em qualquer loja e em qualquer lugar. No entanto, estes objectos devem muito à investigação científica e tecnológica. Os plásticos são materiais sintéticos: não são construídos pela Natureza mas sim pelo homem, graças à imaginação e investigação de várias gerações de cientistas [5]. Para produzir os materiais sintéticos, o homem pode fazer uma lista de propriedades que gostaria de incorporar num material e, dentro de certos limites, pode personalizar esse material [6]. Porém, tal tarefa exige o maior investimento, seja do químico mais criativo, do físico, do engenheiro, do designer, do historiador, num campo cada vez mais aberto à exploração de novos materiais.
Porquê e como surgiram os plásticos? Quais as motivações que estiveram na origem da sua produção? Uma das razões passou pela necessidade de encontrar materiais mais baratos e acessíveis. O exemplo mais famoso é o do norte americano John Wesley Hyatt que “descobriu”, em 1870, o celulóide, um semi-sintético resultante de uma modificação química da celulose [7]. Este material “substituiu” o marfim usado no fabrico das bolas de bilhar e rapidamente os seus artigos começaram a ser apreciados e utilizados pelas classes mais abastadas durante a faustosa época vitoriana. O celulóide, apesar de ter encontrado inúmeras aplicações, era inflamável. Na memória de muitos de nós, permanecerá a triste imagem, passada no “Cinema Paraíso”, filme dirigido em 1988 por Giuseppe Tornatore, das labaredas de um violento fogo devidas ao incêndio do filme de celulóide.
Depois do celulóide, a grande descoberta foi a baquelite, sintetizada, em 1907, por Baekeland. Tal como Hyatt, Baekeland andava à procura de um substituto para o “shellac”, um material caro e muito requisitado devido às suas propriedades isoladoras. Durante as suas pesquisas laboratoriais obteve a baquelite, por reacção entre o fenol e o formaldeído, e ela de imediato encontrou inúmeras aplicações, nomeadamente, nas indústrias eléctrica, de telecomunicações, automóvel e da rádio.
A partir desta altura, tanto o período inter-guerras como o pós-guerra assistiu à massificação do consumo de plásticos como os aminoplásticos, o poliestireno, o policloreto de vinilo, o polietileno, os acrílicos, o “teflon”, etc. Estes materiais adquirem maturidade e independência e deixam de ser vistos como um “ersatz”, de segunda categoria, de imitação e até se lhes atribui um estatuto nobre. Numa imagem metafórica, foi inclusivamente o primeiro plástico, a baquelite, a ser elevado a essa condição: “the aristocrats of plastics – if the industry can be considered old enough to have an aristocracy – are the phenolics, of which bakelite is the sire”[8] De facto, sempre que provaram ser os melhores para fins específicos, os plásticos têm ganho a competição com os materiais tradicionais (vidro, ferro, madeira, ligas metálicas, pedra, porcelana, etc.) e com os que tiveram origem na revolução industrial.
Após a Segunda Guerra Mundial a indústria de plásticos, nomeadamente a americana, importunada com a imagem negativa dos seus materiais, devido a algumas más aplicações, lançou uma campanha a seu favor traduzida em editoriais como “Let’s use the word “plastics” with pride! Let’s kill all thought of plastics as substitutes. Let’s emphasize their tremendous importance in peace and war. Use the word “plastics” with pride!” ... “What does the public know of plastics?” [9]
Paradoxalmente ou não, os plásticos dificilmente poderão ser destronados porque cada vez mais a inovação científica e tecnológica permite, a um ritmo extraordinário, o desenvolvimento de novos plásticos, novos processos, novas aplicações e com as características pretendidas.
Se vivêssemos num mundo colorido constituído por continentes de plástico (Synthetica), habitados pelo “homem de plástico” tal como utopicamente idealizado, respectivamente, na Fortune e na Science Digest, no início de 1940, talvez não nos sentíssemos tão incomodados com a falta de recursos naturais e com a proliferação das garrafas de PVC, com os sacos de polietileno, com as espumas de poliestireno - que por vezes vemos a boiar nos rios, mares e a “enfeitar” praias, ruas ou acumulando-se em lixeiras [10].
Por outro lado, em “An American Dream of Venus”, surge-nos uma panóplia de objectos de plástico que parecem desafiar qualquer razão, “an irrational phantasmagoria of ungrounded, disconnected images, all in brilliant synthetic colours, a carnival of material desire” [[11]
O plástico, por ser visto como um material milagroso. Por estar tão presente no nosso quotidiano, porventura só atrai a nossa atenção no âmbito da discussão sobre poluição ambiental, resíduos tóxicos, co-incineração e ser (ou não) biodegradável. Apesar desta estranha relação entre os plásticos e o público, faz todo o sentido transpor para a actualidade a questão levantada nos idos anos70 “ (…) if they hate plastics so much, how come they’re buying more and more of it?”[12]
Perante esta realidade, acredito que de entre os milhares de pessoas que passam diariamente pelos supermercados ou pelas mercearias (refiro-me à minha experiência nos EUA), algumas sintam certa inquietação quanto à sua responsabilidade na preservação do ambiente quando o empregado da caixa registadora, antes de embalar as suas compras num saco, automática e inconscientemente, lhes pergunta: “paper or plastic”? Se a resposta for “paper”, provavelmente não deixará de haver muitos novos caminhos para os plásticos e cada um de nós herdará uma riqueza incalculável, não havendo fim para a continuação de descoberta de novos materiais neste campo de grandes potencialidades [13].
Embora se diga que estes materiais são como o “camaleão”, pois imitam o vidro, o ferro a madeira, a porcelana, a lã, o mármore, a pedra, o metal, a verdade é que, fruto das inovações científica e tecnológica, a versatilidade e potencialidade dos “plásticos” são notáveis na medida em que têm ganho aos concorrentes tradicionais. Corroborando as previsões lançadas em 1940 por Yarsley e Couzens, hoje em dia é mais comum perguntar-se de que tipo de plástico se vai utilizar para produzir um certo produto do que o tipo de material que se vai usar...[14]
Referência:
Jeffrey L., Meikle, American plastics: a cultural history, New Brunswick, N.J., Rutgers University Press, 1995.
Notas:
[1] Já em 1899, Baekeland inventara o Velox, um papel para fotografia, façanha que o fez ganhar uma fortuna
[2] Nature, February 29, 1996, Vol. 379, No 6568, p. 781
[3] The American Historical Review, April, Vol. 102, No. 2, 1997, pp. 561-62 e Jeffrey L. Meikle, “Plastic, Material of a Thousand Uses” in Joseph J. Corn, Imagining Tomorrow – History, Technology, and the American Future, Cambridge, Massachusetts, The MIT Press, 1986, p. 77.
[4] Jeffrey L. Meikle, “Plastic, Material of a Thousand Uses”, ibidem.
[5] Joseph L. Nicholson, George R. Leighton, “Plastics come of age”, Harper’s Magazine, August 1942, p. 301 e L. H. Woodman, Miracles? … Maybe, The Scientific Monthly, Vol. 58, No. 6, Jun., 1944, p. 423.
[6] Joseph L. Nicholson, George R. Leighton, “Plastics come of age”, ibidem.
[7] Já em 1862, o ingles Alexander Parkes tinha sintetizado a Parkesine, também um semi-sintético, derivado da celulose, mas com propriedades inferiores às do celulóide.
[8] “What Man Has Joined Together”, Fortune, March 1936, p. 72.
[9] “Let's use the word “plastics” with pride”, Modern Plastics, Vol. 28, February, 1951, p. 5; “Image please”, Modern Plastics, Vol. 46, August, 1969, p. 43; “What does the public know of plastics?”, Modern Plastics, Vol. 24, December, 1946, pp. 5, 222.
[10] “Plastics in 1940”, Fortune, Vol. 22, October 1940, pp. 89-96; 106, 108 e V. E. Yarsley / E. G. Couzens, “The Expanding Age of plastics”, Science Digest, December 1941, pp. 57- 60
[11] Jeffrey L. Meikle, “Into the Fourth Kingdom: Representations of Plastic Materials, 1920-1950”, Journal of design history, Vol. 5, No. 3, 1992, p. 178.
[12] “What is plastics image, anyway”, Modern Plastics, Vol. 47, No. 7, July 1970, p. 66.
[13] Thelma R. Newman , “Plastics: An Infant in Art”, Art Education, Vol. 18, No. 7, Outubro., 1965, p. 24.
[14] V. E. Yarsley, E. G. Couzens, “The Expanding Age of Plastics”, Science Digest, Dezembro. 1941, p. 59.
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5 comentários:
Gostaria de deixar um reparo importante: apesar da palavra "plástico" ser mais comum entre o público, na verdade deveríamos estar a falar de polímeros. Os plásticos são polímeros e os polímeros são bem mais que plásticos. Aliás, quando se faz a tal pergunta "paper or plastic", está-se, cientificamente, a cair num erro: ambos são polímeros. Um deles, o papel, é feito de celulose e difere dos outros na sua complexidade e na sua origem: natural. Talvez por isso, ao ignorarmos os restantes polímeros que usamos (lã, seda, linho, madeira, etc) como naturais e não plásticos, estejamos a aceitar a tal designação de "artificial" que tão facilmente é associada com o plástico. Não será por acaso que em alemão e holandês a palavra plástico possa ser traduzida, à letra, por "material artificial".
A minha resposta é:
“Caro JSA,
Obrigada pelo seu reparo. Na verdade, este post tem intenção de “falar” apenas sobre o “plástico”, um polímero, um material totalmente feito, sintetizado, pelo homem . Tem razão quando diz que “(...) Os plásticos são polímeros e os polímeros são bem mais que plásticos”. Sem dúvida que temos muitos polímeros naturais e artificiais que não são plásticos (fibras, borrachas ..) e exemplos dessa distinção são facilmente encontrados em várias publicações. Passando a publicidade, poderá encontrar essa classificação e discussão no meu livro sobre os plásticos em Portugal (ed. Estampa 2000). Quanto à pergunta "paper or plastic?", o meu foco dirige-se e tem a ver fundamentalmente com as sensibilidades ambientais na medida em que o cidadão comum observa que o “paper”, um polímero natural se “desfaz” simplesmente em água e que o “plástico”, um polímero sintético, não se “desfaz” em água, e dura, dura e portanto polui, pese embora as inúmeras vantagens que apresenta .... Logo, a ele, público, é dada a possibilidade de escolha, de preferência, de acordo com a sua consciência e sensibilidade, "paper or plastic"?.
Agradeço-lhe este comentário pois, talvez para os “não químicos”, se ponha a questão que o JSA levanta. Assim, clarificamos: um plástico é um polímero, mas nem todos os polímeros são plásticos, como por exemplo o nylon, a borracha, o papel .... e muitos mais”.
M Elvira
"Alguém consegue viver sem plásticos?
Muito dificilmente alguém responderá “não”!"
Julgo que o se pretendia era escrever
"Muito dificilmente alguém responderá “sim”!",
certo?
Caro Gaspar
Obrigado, já foi emendado.
O problema do plástico e outros materiais acima referidos reside no ciclo de vida dos mesmos.
Ignorar este aspecto é um erro grosseiro...no caso do papel há algum impacto no ambiente no entanto os diferentes tipos de plástico, borrachas e metais superam esses impactos.
Uma boa sociedade sabe aproveitar devidamente os seus recursos sendo para mim vital aproveitar ao máximo o valor dos mesmo e quando estes deixam de apresentar vantagens acondicionar em local próprio com duas vantagens: redução do impacto ambiental noutras espécies e armazenamento de recursos que apresentam actualmente pouco valor mas no futuro com o avanço da tecnologia podem ser uma fonte de energia ou recursos.
Peço desculpa pelo meu português mas tenho desculpa por ser estrangeiro
Fakir Abdul
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