quinta-feira, 31 de julho de 2025

ASSIM TRIUNFAM AS "EDUCAÇÕES" FINANCEIRA E PARA O EMPREENDEDORISMO

As coisas estão assim estabelecidas no pensar social e, mesmo, no pensar académico e escolar, que deviam ser mais lúcidos: quem alinha à direita partidária é, ferrenhamente, contra a educação para a cidadania; quem alinha à esquerda partidária é, ferrenhamente, a favor da educação para a cidadania

Por "educação para a cidadania" deverá entender-se "educação sexual", isto a avaliar pelas centenas de artigos nos jornais e comentários nas televisões, que nas últimas semanas têm feito uma ligação directa entre ambas. Tudo vai dar à "educação sexual"! Uma obsessão! A psicanálise clássica talvez consiga explicar o que a pedagogia não é capaz.
 
Se a educação para a cidadania/educação sexual for suprimida, dizem os primeiros, a escola voltará a ser o que deve ser, um lugar de instrução, ponto! Além disso, as famílias reencontrarão a paz e o sossego que os progressistas ateus teimam em lhes retirar.
Se a educação para a cidadania/educação sexual for suprimida, dizem os segundos será um retrocesso no tempo e nas mentalidades até não sei onde... muitos males cairão sobre as pobres crianças, será um cataclismo para a sociedade. E tudo provocado pelos conservadores religiosos.
 
Neste puxar para cá e para lá, as vozes sobem de tom e os argumentos degradam-se, de modo muito pouco compatível, note-se, com a empatia, o respeito, a tolerância, a coesão social, o respeito mútuo, a capacidades de diálogo... e mais uma infinidade de soft skills que constam na "cartilha" política para a cidadania e que tanto os de esquerda como os de direita estão prontos a admitir que são de gente educada.

Mas não é só nisso em que estão alinhados, as educações financeira e para o empreendedorismo também os une. Estas são vistas como neutras e necessárias! Nada têm a ver com "ideologia de género", nem com religião e, evidentemente, ajudam os miúdos a orientar-se na vida, a alcançar bem-estar, sucesso, que é o que importa. Imagino o contentamento da gente da banca e dos seguros, das empresas e das fundações com o caminho agora ainda mais livre do que antes para deitar a mão às "almas" que, a partir dos três anos de idade, entram no sistema de ensino. 
 
Entretida que está a esquerda com a educação sexual, passa-lhe ao lado o protagonismo que estes "agentes educativos", alcançaram; o poder efectivo que têm para impor o seu modelo (único) de funcionamento do mundo, de vender os seus produtos. Também neste caso, a união faz a força: juntos conseguiram chegar ao primeiro plano na "educação para a cidadania" na escola pública. Que a direita não veja ou não se queira pronunciar sobre estas "educações", até entendo, pode ser uma questão de estratégia; mas a esquerda teria essa obrigação, que é uma obrigação moral, de defender essa escola de ideologias, seja elas quais forem. Porque não o faz? É um enigma!
 
Sim, eu sei: não se pode generalizar... nem toda a esquerda está alinhada pela mesma bitola e talvez até seja melhor retirar as tendências políticas da conversa. A verdade é que no espaço mediático tem havido pessoas - poucas, é certo - que mostram que formar para a cidadania é mais complicado do que estabelecer uma regra do tipo "se... então", ou "se for a favor disto, é contra aquilo". O assunto não se pode encarar com superficialidade, nem reduzir a banalidades ou dicotomias e muito menos traduzir-se na imposição de pseudo-valores pela força, seja ela qual for. O texto da historiadora Raquel Varela, publicado há alguns dias, explica bem o que pretendo dizer:
 
"A disciplina de Cidadania é um erro. Faz parte da descolarização. Como é um absurdo não ensinar e ou falar sobre sexo. Ou reduzir o sexo a como evitar doenças, como quer a direita. Sexualidade não se ensina em Cidadania, que sequer devia existir. A escola não deve dar missas, mesmo que missas progressistas – num dia ensina-se no governo de esquerda sexualidade, no outro, no de direita, empreendedorismo (...).

Sexualidade, desejo, amor ensina-se em primeiro lugar numa escola onde haja um ambiente bom, de cooperação, diversão e alegria entre os jovens no recreio, coisa que não existe (estão a olhar os telemóveis), também se ensina sexualidade na literatura, na biologia, na história.

Se a escola for um lugar onde se ensina com muita qualidade as disciplinas científicas (e a escola só deve ter estas), com professores e ambiente científico bom e, ao mesmo tempo, existirem disciplinas de artes, teatro, trabalhos de grupo, visitas de estudo, recreios lindos, cheios de árvores e tempo e respeito, será certamente um espaço de encontros e de aprendizagem de relações sãs.

Em vez disso, a escola é em geral um lugar feio, cinzento, parece uma prisão, onde não há democracia nos docentes, onde já não se fazem jornais nem rádios entre alunos, onde cada aluno está isolado a consumir doses massivas (dentro da sala de aula!) de tecnologia e power points, fazendo dos professores vendedores de softwares e plataformas, e cá fora estão os alunos a ver pornografia (em geral de violência extrema), tudo sozinhos. E depois, o Ministério quer colocar os professores a dar uma missa, “meninos, respeitem-se, na selva que criámos, uns aos outros”, quando o formato da escola e das avaliações é a competição máxima. Missa que varia consoante o Governo, agora é o empreendedorismo, uma fantochada, um tarot, que nem economia é.

Ensinemos a interpretar a Madame Bovary, a conhecer a biologia, a conhecer e debater a psicologia, a saber história da família e do modo de vida, e criemos um ambiente de cooperação e amizade na escola e acabemos com estas disciplinas que fazem dos docentes padres laicos. Um professor de história ensina história das relações, não dá missas.

Entre a geringonça de direita e extrema direita (...) puritana, agarrada a uma Igreja que tem o sexo e o desejo como tabus; e uma esquerda pós moderna que aceita fazer da escola tudo menos um lugar de ensino há uma outra esquerda, que tem que defender que a escola é o espaço para “ensinar aquele aluno o melhor conhecimento da humanidade” nas ciências, humanidades, literaturas e artes. Isso é que é criar cidadãos, que conhecem e podem pensar por si próprios, porque CONHECEM! (desculpem não sou de maiúsculas mas estou farta de ouvir dizer barbaridades de quem nada sabe de educação, a começar pelos Ministérios e a acabar nos deputados...)".

1 comentário:

António Pires disse...

Enquanto professor do ensino secundário, integrado na carreira única dos professores dos ensinos básico e secundário e dos educadores de infância, o mais perto que estive da educação sexual, em foi, em reuniões de conselho de turma, ouvir comunicações entre docentes, do género:
- Quem pode facilmente dar dois tempos de quarenta e cinco minutos, que perfazem um bloco de educação sexual, és tu, Quininha. Mandas os garotos, e as garotas, interpretar um poema do Bocage e está feito...
Posso inscrever a disciplina de Português nos quadradinhos dos domínios, rubricas e competências da grelha que fizemos para avaliar educação sexual?
- Não acho nada bem sermos sempre as mesmas a dar o corpo ao manifesto, mas desta vez, como a Miquelina Ferrão, da Biologia, também participa, não faz mal!

O que ainda nos vale são pessoas da craveira de uma Helena Damião, de uma Isaltina Martins, de uma Raquel Varela, entre outras, que, nos mais diversos fóruns, lutam denodadamente em defesa de uma escola pública do conhecimento, ao serviço do ensino professoral e da aprendizagem dos alunos.
Quanto ao lugar feio em que transformaram as escolas, referido pela belíssima Raquel Varela, apresento seguidamente o exemplo da vivência escolar deste modesto professor que sou, licenciado e mestre por universidade pública.
A escola cinzenta onde estou colocado como professor é feiíssima, parece um submarino nuclear; na divisão proposta por Raquel Varela é uma “escola dos pobrezinhos”, de esquerda, avessa ao conhecimento e ao ensino, para que todos os alunos sejam doutores; no mesmo lugar, há cinquenta e dois anos, era eu aluno de uma escola, acabada de construir, muito bonita e arejada, dividida por pavilhões muito soalheiros e luminosos, muito bem equipada com mobiliário, material didático e laboratórios modernos; chamava-se liceu, portanto destinava-se aos filhos da média e alta burguesia e lá se cultivava o conhecimento, o ensino e a aprendizagem, sem subterfúgios, antes de transformarem tudo num submarino cinzento.
Só a chamada educação sexual não sofreu transformação. Desde os tempos da longa noite fascista, até aos dias de hoje, permanece uma farsa!

"Era tudo gente bem-educada e culta mas, pelos vistos, mal-educada sexualmente"

Em 2011, Joel Costa, autor do programa de rádio Questões de Moral , dedicou um episódio à legislação sobre a educação sexual em meio escolar...