Não sei se entendi bem: há poucos dias, o Ministro da Educação, Ciência e Inovação, reconheceu a impossibilidade de saber quantos alunos, quantas turmas não tiveram aulas, na escolaridade obrigatória, por falta de professores nos últimos dois anos lectivos. Isto depois de, antes, ter apresentado números que validavam o sucesso de medidas tomadas pela sua equipa, números que se viu não corresponderem à verdade. A verdade, tão óbvia que é, parece querer esconder-se...
Com tantos departamentos e serviços que o Ministério integra, com tantas solicitações de dados que, em contínuo, faz às escolas e que são colocados em plataformas digitais para o que for preciso, com uma Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, para tratar esses dados, e uma Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, que terá uma ligação privilegiada às escolas, com tantos parceiros educativos sempre dispostos a colaborar para o bem do sistema, é compreensível essa impossibilidade?
O Governo, pela voz deste Ministro, reconheceu que “não sabia que não sabia”. E talvez não soubesse exactamente a quantos alunos, a quantas turmas faltaram professores... Demos-lhe o benefício da dúvida...
E continua: “agora sabemos que não sabíamos, mas vamos passar a saber”. Esta terá sido a conclusão resultante de uma auditoria que solicitou a uma certa empresa, na sequência da polémica causada por
“... lacunas e insuficiências que põem em causa a solidez dos dados reportados pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, referente ao número de alunos sem aulas a uma disciplina, bem como a possibilidade de verificação desse mesmo número para os anos letivos de 2023-2024 e 2024-2025″.
A mesma empresa reconhece que "o sistema actual não é suficientemente robusto para que se tirem conclusões sobre o número de alunos sem aulas", não permite apurar esse número “com exactidão” e sugere como modo mais fiável a "recolha e compilação dos sumários das aulas (...) diretamente das escolas”. Ratificada a sugestão pelo Ministério, transforma-se em medida a partir do próximo ano letivo para
“monitorizar com rigor, credibilidade e transparência” o problema “em
diferentes momentos e ao longo do ano letivo” (ver aqui e aqui).
Ficam três questões que se me afiguram primordiais:
Essa monitorização será mais uma tarefa para as escolas quando o Ministro veio reconhecer em carta recente dirigida aos professores a sua sobrecarga burocrático-administrativa e pedir-lhes ajuda para a superar (ver aqui)?
Não terá o Ministro conhecimento de estudos realizados no país sobre o problema em causa, a pedido do próprio Ministério e amplamente noticiados, com destaque para o de Nunes et al. (2021), cujo título é suficientemente ilustrativo (Estudo de diagnóstico de necessidades docentes de 2021 a 2030)?
Que importância terá "monitorizar com rigor, credibilidade e transparência" a falta de professores, se nada se fizer de relevante para seleccionar e formar devidamente os que são necessários no sistema?
No respeitante a este último aspecto, que me diz particular respeito, deixo duas notas.
Não vejo que esta equipa ministerial nem a anterior tenham prestado a devida atenção
aos dados do mencionado estudo, solicitado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência. E são muito objectivos e claros os que expõe relativamente à falta de professores, bem como as projeções e recomendações que apresenta.
Também não vejo que tenham prestado a devida atenção ao relatório Formação profissional de docentes que, na sequência desse estudo e da discussão que desencadeou, nomeadamente no Conselho Nacional de Educação, o Ministro da Educação e o Secretário de Estado do Ensino Superior encomendou a um grupo de trabalho que foi criado com a missão de apresentar propostas de alteração ao regime jurídico de formação inicial de professores.
O que tenho percebido é uma evidente falta de ensejo e de mobilização, em primeiro lugar, por parte da tutela para que a escola pública tenha professores que realmente o sejam. Não basta atribuir a alguém a designação de professor para esse alguém passe a ser professor, nem basta fazer retoques cosméticos nos cursos de formação (mestrados em ensino) para que eles passem ser contextos efectivos de formação.
Em suma, o problema da falta de professores, passará pelo inventário em causa, mas está muito, mesmo muito, para além disso; está em encarar o ensino como uma profissão de elevadíssima competência, autonomia e responsabilidade.
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