"Temos de usar evidência (informação científica), temos de usar os estudos [...]
Depois da avaliação e com a evidência que se vai somando, também em outros países,
faremos essa avaliação e se houver evidência nesse sentido [de proibição],
não teremos problemas nenhuns [em fazê-la] [...].
É natural que no próximo possa haver uma alteração política".
Fernando Alexandre, Ministro da Educação, Lusa/Expresso, 2024.
O Conselho de Ministros do passado dia 3 aprovou um Decreto-Lei que regula a utilização, em contexto escolar, de equipamentos digitais com acesso à internet. Entre eles estão os telemóveis.
Nesse normativo, que há-de sair, o Governo proíbe, a partir do próximo ano lectivo, o uso dos mencionados equipamentos nos 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico. Na base da decisão estará um estudo encomendado, em setembro de 2024, pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), ao Centro de Planeamento e de Avaliação de Políticas Públicas (PLANAPP), com o objectivo de conhecer a utilização dos telemóveis nos recintos escolares.
Não consegui encontrar o estudo (nem no sítio do mencionado Centro), mas presumo que seja sério. Reproduzo as principais conclusões (julgo que derivadas da auscultação de directores de escolas onde os telemóveis foram proibidos) que estão disponíveis online:
"... mais de metade das escolas que proibiram o uso de smartphones registaram uma diminuição do bullying e da indisciplina do 2.º ciclo para o ensino secundário, e a esmagadora maioria dos alunos passou a conviver mais nos intervalos, a fazer atividade física e a utilizar os espaços de recreio durante o recreio".
[Luís Afonso dedicou ao estudo um episódio d´A mosca]
Ora, estas conclusões coincidem com as de uma infinidade de outros estudos que têm sido amplamente divulgados, pelo que faz sentido perguntar: o MECI precisava deste para legitimar a proibição? Terá ele maior fiabilidade do que a muito conhecida e reconhecida revisão exaustiva de estudos que Desmurget realizou (ver, por exemplo, aqui ou aqui)? Não bastaria que alguém no MECI recolhesse e sintetizasse informação credível?
Além disso, apesar de os políticos poderem (e em alguns casos deverem) ter em conta estudos científicos para tomarem decisões, a verdade é que há outros factores nesse processo, tão ou mais importantes, que são omitidos.
E porque é que isso acontece? Porque os políticos sabem que as suas decisões serão mais bem acolhidas se forem invocadas "evidências" para as mesmas, e isto apesar da desvalorização do conhecimento científico, que tende a grassar. Não invocam, por exemplo, fundamento filosófico ou ético (que precede sempre o científico) porque a este ninguém está disposto a dar crédito...
Os estudos passaram a ser os "tira-teimas" da política educativa. O raciocínio é algo como: não podemos apresentar uma decisão sem termos um estudo específico; encomenda-se e ele aparece feito; se indica tal, é tal que decidimos, e decidimos bem porque era o que o estudo indicava. Isto é a política a esconder-se atrás de estudos e, eventualmente, a desculpar-se com eles.
Acontece que em Educação (mas não só) há estudos para todos os gostos (e são várias as entidades, com as suas agendas, que os assinam): uns vão num sentido e outros no sentido contrário, pelo que todas as decisões que se tomem podem ser justificadas.
O filósofo espanhol Daniel Innerarity, numa entrevista a propósito do seu livro A sociedade do desconhecimento, nota que a política não deve limitar-se a transladar as verdades científicas para as decisões. Não é verdade que os políticos decidam melhor se derem ouvidos àquilo que especialistas lhes dizem, entre outras razões porque há muitos especialistas que se contradizem entre si.
À margem desta reflexão, e na linha do que tenho dito neste blogue, entendo que a decisão de inibir o uso de telemóveis na escola, está certa. Mas isto se partirmos do princípio que os alunos vão à escola para desenvolverem as suas capacidades, para serem educados.
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