segunda-feira, 7 de julho de 2025

BÁRBAROS À PORTA

Roubo o título a Eugénio Lisboa. Ele haveria de compreender e de me desculpar.

Dois deputados eleitos, de um partido político reconhecido pelo Tribunal Constitucional e no qual os portugueses votaram generosamente nas última eleições, leram:
1) numa rede social os nomes próprios e apelidos, de crianças que estão numa sala de jardim-de-infância, notando que a maior parte era estrangeira;
2) em reunião plenária da Assembleia da República os mesmos nomes, ainda que não referindo os apelidos.
E porquê? Porque querem provar que as crianças estrangeiras tiram lugar nas escolas às crianças portuguesas.

Discutem agora os juristas se o acontecido é ou não crime, invocando sobretudo o Código Penal e o Regime Geral de Proteção de Dados (RGPD). Não tenho competência para me pronunciar nessa matéria, mas tenho competência para dizer que aquilo que esses deputados fizeram não é coisa de gente decente.

Talvez não entendam o que significa "dignidade humana", nem "protecção de menores", nem "reserva de dados pessoais"...
 
Talvez não saibam que há uma Declaração dos Direitos da Criança, onde se diz que:
"Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras [dos] direitos [enunciados nesta Declaração], sem distinção ou discriminação por motivo de (...) origem nacional (...) nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família."
E um desses direitos é, como se sabe, a educação.
 
Talvez não saibam que na Constituição da República Portuguesa se diz que:
"As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado (...) especialmente contra todas as formas de (...) discriminação e contra o exercício abusivo (...) de instituições"
e que
"A todos são reconhecidos os direitos (...) ao bom nome e reputação (...) à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação"
 
Talvez não saibam que, na sua Deliberação n.º 1495/2016, dirigida às escolas, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, diz que:
"Há um vasto conjunto de informação pessoal dos alunos (...) que constitui não só uma intrusão na privacidade das crianças como também um sério risco para a sua segurança (...). É disso exemplo (,,,) a publicação de um quadro com a constituição das turmas, com a identificação do ano de escolaridade e da turma, o nome completo dos alunos, a sua idade (...)"
 
Por este tão triste quão lamentável acontecimento são igualmente responsáveis aqueles que, tendo tido acesso à "constituição da turma", a facultaram. Um dos elementos do partido diz terem sido pais...
 
Quem, além da descrição, viu as imagens de ambas as leituras pensará, por certo, que a barbárie está à porta, mas também deve pensar no que pode fazer para não a deixar entrar.

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BÁRBAROS À PORTA

Roubo o título a Eugénio Lisboa. Ele haveria de compreender e de me desculpar. Dois deputados eleitos , de um partido político reconhecido...