segunda-feira, 8 de abril de 2024

MINHA ENTREVISTA SOBRE CAMŌES

Minha entrevista à Radio Nacional do Egipto sobre os 500 anos de Camōes:

P-  Seja bem vindo, temos a maior honra de manter esta entrevista consigo por ocasião do meio milénio de Camões. Gostaríamos de saber mais sobre a importância do evento para a comunidade lusófona.


R- O dia 10 de junho, dia da morte de Luís de Camões,  é não só o Dia de Portugal como o dia das comunidades portuguesas: celebra o que podemos chamar portugalidade.  Poucos países do mundo, se é que há algum, tem o seu dia nacional associado ao dia da morte de um poeta. Camões é um símbolo da língua portuguesa, a sétima mais falada do mundo e a mais falada do hemisfério sul. A língua de Camões é afinal uma dos elos mais fortes que une as comunidades portugueses espalhadas pelo mundo. Portugal tem cerca de dez milhões de habitantes no país e estima se que tenha mais  de dois milhões de emigrantes espalhados pelo mundo, para já não falar dos lusodescendentes. No Dia de Portugal recorda-se a sua profunda unidade cultural. Estamos a celebrar os 500 anos do nascimento de Camões embora não haja a certeza sobre a sua data de nascimento. É uma boa oportunidade para reforçar a língua e a cultura portuguesa. E para reforçar a unidade das comunidades portuguesas. Lembro que Camões também esteve longe da pátria muitos anos, na Índia, na China e na África.


P-  Camões é o pai da língua portuguesa e o ícone da cultura lusófona durante 500 anos, Gostaríamos de saber mais sobre a influencia que Camões deixou na língua portuguesa e a cultura lusófona até hoje.


R- Camões tem uma obra literária muito variada.  É o autor do famoso poema épico “Os Lusíadas”, que descreve a viagem de Vasco da Gama a Índia em 1498, mas também de uma obra lírica notável, e de algumas peças teatrais. Não sendo o primeiro autor literário em Portugal ele mostrou que o português era uma língua literária. Curiosamente, o primeiro poema publicado por Camões não foi num livro de poesia, mas sim num livro de ciência, o “Colóquio dos Simples”, do médico Garcia de Orta; publicado em Goa em 1563, um dos primeiros livros de ciência escritos de raiz em português. Camões num prefácio poético elogia os feitos de Orta. O português também é uma língua de ciência: não há nada que não possa ser dito em português…


P- A influência de Camões não se limitou a poesi,a mas se estendeu para outros ramos da língua e literatura e  gostaríamos de saber mais sobre isso.


R- Muitos escritores portugueses escreveram sobre Camões. Por exemplo, no século XIX Almeida Garrett, o grande escritor romântico, escreveu o poema «Camões». A sua obra foi analisado por muitos críticos literários, Também inspirou muitas obras de arte, em vários domínios, incluindo as artes plásticas e o cinema - já falei da ligação a ciência; mas acrescento que na obra de Camões encontramos inúmeras referências de ciência - astronomia, geofísica, botânica, química, etc. Camões é um homem da modernidade, pois nele se encontra já uma antevisão do que vai ser a ciência moderna - ele sobreleva os valores da observação e da experiência. E é um homem da globalização: sobre a ligação ao mundo lusófono, gostaria o instituto de difusão da língua e da cultura portuguesa se denomina  precisamente Camões.


P- Muitos ilustres nomes se destacaram na língua e literatura portuguesa moderna. Quais entre eles ou elas podemos considerar o ou a novo ou nova Camões e porquê?


R- Costuma-se chamar a Fernando Pessoa o «super Camões». No seculo XX, ele é, de facto,  o grande nome da  da literatura portuguesa. Em todos os tempos será o segundo,  para alguns mesmo o primeiro, dada a inovação da sua obra. Pessoa também saiu de Portugal como Camões; viveu na infância e juventude na África do Sul, mas depois voltou a Lisboa, de onde não mais voltou a sair. É, como Camões, um escritor multifacetado, será até  mais multifacetado do que Camões, com os seus abundantes heterónimos. Escreveu um pequeno livro de poesia épica -  «Mensagem» e foi, também como Camões, um bom observador da história e realidade portuguesa. Um escritor português também muito conhecido e José Saramago, por causa do prémio Nobel da Literatura, em 1998, mas há outros bons escritores portugueses. A literatura portuguesa é muito rica. 


P- Gostaríamos de saber mais sobre a celebração oficial do evento do estado em Portugal e as atividades que serão lançadas.


R- Foi criada uma comissão mas há algum atraso na execução do programa. O facto de o governo ter mudado não ajudou. Mas está a haver um conjunto diversificado de iniciativas. Eu próprio dei uma conferência em Coimbra sobre Camões e a ciência do seu tempo, promovida pelo Centro de Estudos Camonianos da Universidade de Coimbra,


P- Gostaríamos de saber mais sobre as obras de Camões que foram apresentadas no teatro, cinema, telenovelas em Portugal e os monumentos de Camões que incluem os museus.


R- No teatro tem havido algumas peças sobre Camões, mas não são muito conhecidas. No cinema, destaco os filmes de Leitão de Barros em 1946 e de Paulo Rocha em 1998. Telenovelas não há, que eu saiba, mas é uma boa ideia. Nos museus há muita pouca coisa de Camões pois a sua vida está envolta em mistério: de resto, não foi famoso em vida. Os exemplares originais d' «Os Lusíadas» são muito poucos e estão guardados em bibliotecas, mas há reproduções digitais em acesso aberto. A biblioteca da universidade de Coimbra tem uma primeira edição, que eu já guardei. Existem vários monumentos a Camões. No Chiado no centro de Lisboa há uma estátua do escritor no largo Luís de Camões. Os estudantes de Coimbra também ergueram um monumento a Camões.


P- Que é a mensagem que gostaria de transmitir sobre  Camões nesta celebração especial? Qual é a mensagem para as gerações modernas sobre a importância da homenagem dos ícones culturais?


R- Camões e um clássico da cultura portuguesa tal como Cervantes e Shakespeare são para as línguas espanhola e inglesa, respectivamente. Todos eles são dos séculos XVI e XVII: Camões antecedeu um pouco Cervantes e Shakespeare. Os clássicos são eternos, podemos e devemos reinterpretá-los, pois eles estão sempre abertos a novas interpretações. Há sempre novidades em todos eles.


P- No fim desta entrevista pode concluir com uma frase ou algo das obras de Camões?


R- Eu estudei «Os Lusíadas» e outros poemas de Camões na escola e confesso que na altura não percebi muito bem os seus sentidos e significado. Mas ficaram-me no ouvido as palavras da sua poesia, que é muito musical. Amália Rodrigues cantou versos de Camões. Sei alguns poemas de cor. Destaco os versos: «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Muda-se o ser, muda-se a confiança...».  Significa que Camões entrou em mim e não saiu, essa é uma marca característica dos grandes escritores.

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