quarta-feira, 6 de setembro de 2023

INSISTÊNCIA NO PAPEL DO PROFESSOR COMO REPLICADOR E APLICADOR

É crescente a desconsideração do professor como profissional, ou seja, alguém capaz de fazer o seu trabalho, de modo autónomo e responsável, com base em conhecimento específico. Reduzido a replicador (da "narrativa" oficial e de "boas práticas") e a aplicador (de recursos produzidos por outrem), quer-se que pense e aja em função daquilo que, do exterior, se determina que pense a aja. 

Um dos sinais mais evidentes desta desconsideração é a oferta despudorada do designado (por proposta behaviorista) "currículo-à-prova-de-professor". Argumentando-se ser preciso uniformizar desempenhos docentes, nem todos os professores estarem devidamente preparados, etc. "oferece-se-lhes", pronto-a-usar, tudo o que será preciso para leccionarem algo: planos, estratégias, materiais, avaliação.

Se nos anos cinquenta, sessenta, setenta do século passado essa "oferta" era feita por equipas académicas especializadas em currículo (isto sobretudo nos EUA), nas décadas mais recentes ela passou a ser feita por uma multiplicidade de organizações (supranacionais, nacionais, locais e escolares) e de actores (fundações, empresas, grupos de investigação, editoras escolares, etc.), que se têm infiltrado na educação escolar. 

Essas organizações e actores encontram, em muitos casos, legitimação junto da tutela, nomeadamente através da divulgação do que fazem, do que produzem através de meios oficiais. Assim, é frequente encontrarem-se na página da Direcção-Geral da Educação informações como a que se segue (ver aqui).

Encontra-se disponível o curso “Direitos Humanos na Era da Inteligência Artificial”. Inserido na campanha UNESCO/UNITAR - Online Training | Human Rights in the Age of Artificial Intelligence, este curso online, gratuito, é constituído por 9 planos de aula (...) sobre temas como Liberdade de Expressão, Direito à Privacidade e Direito à Igualdade (ver aqui).
Mas, pensará o leitor, é a UNESCO! E os temas são importantes!

Sim, mas ainda que esta recomendação da UNESCO seja pertinente, o nosso Ministério da Educação a subscreva e haja escolas que a acolham, a tarefa de planificar o ensino é do professor. De resto para trabalhar estes temas, muito amplos, complexos e difíceis, um professor com uma sólida formação faria melhor trabalho do que aquele que lhe é "oferecido".

4 comentários:

António Pires disse...

Face a uma orientação geral das autoridades educativas e governamentais, qual seja a promoção do sucesso escolar de toda a gente, ao custo da supressão de todas as aprendizagens que exijam um mínimo de esforço de alunos e professores, o que tem tanto de direto como de perverso, a maioria do professorado anui e vai ao ponto de bater palmas! Fomos grandes, quando demos novos mundos ao mundo. Somos muito pequenos, quando a filosofia que se cultiva nas nossas escolas já não vai além do Ubuntu!

Helena Damião disse...

O problema também está, sim, do nosso lado. Aceitamos com entusiasmo políticas, medidas e práticas que são desfavoráveis ao ensino, assim prejudicando a aprendizagem. Esta figura designada, sem ironia, por "currículo-à-prova-de-professor" não colheria se muito de nós, professores, não fizesse uso dela. Cumprimentos, MHDamião

Rui Ferreira disse...

Tendências particularmente visíveis do processo de desprofissionalização: [...] a desvalorização social e econômica da atividade; os desvios de função, que anunciam falhas ou confusão de identidade; a parcialização do trabalho, que se manifesta no domínio parcial da prática; a desqualificação, responsável pela diminuição ou cristalização das competências e saberes; e a heteronomia profissional, caracterizada pela submissão a regras e decisões externas e pela adesão acrítica aos manuais didáticos (Chakur, 2000, p.77).

Rui Ferreira disse...

Se o conhecimento mais valorizado na escola passa a ser o conhecimento tácito, cotidiano, pessoal, então o trabalho do professor deixa de ser o de transmitir os conhecimentos mais desenvolvidos e ricos que a humanidade venha construindo ao longo de sua história. O professor deixa de ser um mediador entre o aluno e o patrimônio intelectual mais elevado da humanidade, para ser um organizador de atividades que promovam o que alguns chamam de negociação de significados construídos no cotidiano dos alunos (Duarte, 2007, p. 6).

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