quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

O ANO FEYNMAN

Minha crónica no Público de hoje (na imagem Richard Feynman):



Bem sei que em 2018 se comemora o bicentenário do nascimento de Karl Marx e da publicação de Frankenstein, a obra-prima de Mary Shelley, e o centenário do armistício que pôs termo à Primeira Grande Guerra e dos nascimentos de Nelson Mandela e de Leonard Bernstein, assim como o meio centenário do Maio de 1968 em França e da estreia de 2001 Odisseia no Espaço, a obra-prima de Stanley Kubrick. Mas, para mim, 2018 é principalmente o ano do centenário do físico americano Richard Feynman, Prémio Nobel da Física de 1965 pelo seu trabalho sobre a electrodinâmica quântica, a teoria quântica dos electrões e da luz, e uma das maiores lendas da ciência do século XX.

Nova-iorquino de ascendência judaica, o facto se só ter começado a falar aos três anos não o impediu de logo revelar uma voraz curiosidade. Licenciou-se em Física no MIT e doutorou-se em 1942 em Princeton, um sítio onde a grande figura era na época Einstein (este, que também começou a falar tarde, estava aliás presente no primeiro seminário que Feynman lá deu). A sua tese de doutoramento inaugurou uma nova maneira de trabalhar com a teoria quântica. O mundo estava em guerra e, no ano seguinte, Feynman foi recrutado para trabalhar no projecto Manhattan, que construiu as primeiras bombas atómicas. Ficou então lendária a sua capacidade de abrir cofres, adivinhando códigos. A seguir foi para Cornell, onde realizou o trabalho que havia de merecer o Nobel.

No início dos anos 50 passou um ano sabático no Brasil, onde aprendeu português para além de aprender a tocar bongo e frigideira. Depois aceitou uma oferta de Caltech onde alcançou o pícaro da fama como professor. Nos anos 60 revolucionou o ensino da física com as suas Feynman Lectures on Physics, um clássico em três volumes. Um livro que traduzi em jovem foi um conjunto de palestras gravadas pela BBC intituladas O carácter da lei física, que dão um cheirinho dessa obra maior. Os direitos dos vídeos foram adquiridos por Bill Gates que os colocou na Internet em acesso livre (Gates chamou a Feynman o ”melhor professor que nunca tive”). Tal como o seu contemporâneo Leonard Bernstein, também ele nova-iorquino e judeu, Feynman tinha uma fabulosa capacidade pedagógica, na qual se aliavam a mestria dos assuntos com a teatralidade da exposição.

Nos anos 80 saíram dois livros auto-biográficos de Feynman que retratam a sua excentricidade: Está a brincar Sr. Feynman! e Nem sempre a brincar, Sr. Feynman!, ambos traduzidos entre nós na Gradiva. Para proporcionar estes livros às novas gerações surgirão este ano nos Estados Unidos novas edições com um prefácio de Bill Gates.

Feynman já estava doente com cancro quando, como membro da comissão de investigação do desastre do Challenger, mostrou com uma experiência, durante uma conferência de imprensa, como uma anilha do vaivém se tinha quebrado no lançamento devido às baixas temperaturas. Declarou, criticando a NASA: “A realidade tem de estar à frente das relações públicas, já que a Natureza não pode ser enganada”.

Já no final da sua vida tentou visitar a república soviética de Tuva, no centro geométrico da Ásia, só porque em pequeno tinha coleccionado selos dessa república, então independente, mas o clima de guerra fria não o permitiu. Para compensar, o seu colaborador próximo Robert Leighton vai passar o próximo dia do aniversário de Feynman, 11 de Maio, na capital tuvana, que dá pelo nome de Kyzyl.

Os interesses científicos de Feynman foram variados. Onde havia um problema, lá estava ele a propor uma solução. Onde havia uma possibilidade, lá estava ele a lançar um desafio. Fez em 1959 uma célebre conferência onde lançou a área, hoje pujante, da nanotecnologia. E, em 1982, propôs a ideia de computação quântica, um domínio hoje muito auspicioso. O mundo bem pode agradecer ao físico.

Feynman é hoje um herói popular: há filmes, peças de teatro, bandas desenhadas e até uma ópera sobre ele. Numa das peças aparece a querer ensinar física teórica a prostitutas de Las Vegas. Apesar de ter tardado a falar, Feynman não tinha papas na língua. Só quando morreu ficou sem palavras. As suas últimas, no hospital, continuam a ser citadas: “Não gostaria de morrer segunda vez. É tão aborrecido.”

3 comentários:

Anónimo disse...

Senhor professor Carlos Fíolhais a sua nacionalidade é portuguesa, é isso que V. escreve quando a preenche num documento ou lha pedem. Não escreve que a sua nacionalidade é europeu! sendo o senhor professor, pago pelo Estado português para ensinar tem o dever de o fazer bem. Corrija-se.

I.D.

Anónimo disse...

Feynman explicou como "adivinhava" os códigos dos cofres, associando os critérios "invariantes" dos fabricantes quanto aos mesmos códigos com a inépcia dos utentes.

"Grande" tocador de bombo!

Carlos Medina Ribeiro disse...

Caro Fiolhais
Precisava de lhe escrever, mas perdi o seu endereço.
Pode contactar-me para o meu?
medina.ribeiro@gmail.com
.
Obrigado

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