quarta-feira, 24 de junho de 2015

Ingresso no ensino superior: o antigo exame ad hoc e as actuais provas de acesso para maiores de 23 anos

JÁ AGORA, para não deixar cair no esquecimento a minha promessa feita no meu comentário ao artigo de Guilherme Valente, Educação, o ‘Regresso’ do que nunca saiu de lá (23/06/2015), transcrevo integralmente o meu artigo de opinião, com o título em epígrafe, saído no “Público” (04/11/2011) e transcrito no DRN nesse mesmo dia. Nele escrevi:

"O pior governo é o que exerce a tirania em nome das leis e da justiça. 
(Barão de Montesquieu, 1689-1775).

Num sistema educativo, com fracos caboucos de uma deficiente “instrução primária”, abrindo brechas nas paredes do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e em que o ensino secundário tenta que as suas traves de madeira não sejam atacadas pelo caruncho da ignorância, com a Lei de Bases do Sistema Educativo, corporizou-se a louvável exigência que deve presidir à entrada no ensino superior com o seguinte articulado: “O acesso a cada curso do ensino superior deve ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País, podendo ainda ser condicionado pela necessidade de garantir a qualidade do ensino” (Lei 46/86, de 14 de Outubro, art.º 12, n.º 3). Todavia, não descortina vestígios dessa qualidade “legal” a professora universitária Maria Filomena Mónica quando escreve: “Devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável (PUBLICO, 08/12/2003).

Porém, e lamentavelmente, anos depois, o Decreto-Lei 64/2006, de 21 de Março, passa a atribuir “a organização e realização das provas da competência a júris nomeados pelo órgão legal e estatutariamente competente do estabelecimento de ensino superior a que se destinam”. Ou seja, passam-se a abrir, de par em par, janelas de ignorância a escolas de ensino superior que se debatiam com a falta de candidatos à respectiva matrícula deixando-os, agora, entrar à balda para não terem que encerrar portas criadas em quase cada esquina em tempo de vacas gordas.

O ensino superior, que eu denomino de pré-facilitismo (mesmo deixando de fora as exigências do Estado Novo) por não pactuar com atentados à sua seriedade, exigia, como condição,
sine qua non de acesso, o curso do ensino secundário ou equivalente ou, em alternativa a verdadeiros autodidactas, o exame ad hoc. Em contrapartida, o ensino superior pós-facilitismo contenta-se com "provas de acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos” elaboradas e levadas a efeito nas próprias escolas como que a modos de um salto à vara com a fasquia a um palmo do solo.

Ou seja, o Estado, ele próprio, fomenta todo este processo que constitui um verdadeiro atentado para com o esforço e a própria dignidade de todo e qualquer aluno que se tenha sujeitado em árduo trabalho a um ensino secundário regular que nada tem a ver com a escandalosa facilidade das Novas Oportunidades.

Mas detenhamo-nos, agora, sobre o exame ad hoc para maiores de 25 anos a quem o laissez faire, laissez passer do actual sistema de ensino superior passou uma criminosa certidão de óbito sem atender ao facto de que “não há nada mais relevante para a vida social do que a formação do sentimento de justiça”, como sentenciou o jurisconsulto Ruy Barbosa, co-autor da Constituição da Primeira República do Brasil. 

A responsabilidade da elaboração da prova de Língua Portuguesa do exame
ad hoc era cometida a um júri nacional, constituído por seis individualidades que, para além disso, procediam à classificação das provas tendo poderes para decidirem sobre os pedidos de reapreciação. Sem classificação positiva nesta prova era o candidato eliminado à partida por se considerar que quem não dominasse suficientemente esta importante matéria não devia transpor os umbrais do ensino superior. Depois seguiam-se provas específicas versando matérias dos programas do ensino secundário. Por exemplo, para a Faculdade de Direito de Coimbra essas provas determinavam conhecimentos de História, Filosofia e uma Língua viva. Os dados relativos ao exame ad hoc do ano de 2001 dão-no conta da inscrição de 3658 candidatos ao ensino superior tendo sido admitidos para a prova de Língua Portuguesa 1135 e aprovados apenas 647.

Mas para que se não pense poder eu estar a tirar conclusões depreciativas, por um qualquer
parti pris, das provas de acesso para maiores de 23 anos, trago ao conhecimento público elementos que não são ignorados pelas instâncias oficiais por a lei determinar expressamente que “o Observatório da Ciência e do Ensino Superior deve ser informado com dados estatísticos relativos aos resultados das provas de acesso para maiores de 23 anos”.

Um desses exemplos reporta-se aos resultados de uma escola superior de gestão do ensino politécnico em que os resultados das provas de acesso para maiores de 23 anos foram os seguintes (2011/2012): candidataram-se 43 indivíduos, não compareceram 2 , tendo sido aprovados, portanto, 41, o que em termos estatísticos dá 100% de aprovações. E, quiçá, por se tratar de um escol de verdadeiros” autodidactas” houve um 18, um 17, dois 16, senso a média geral dos candidatos de 14 valores.
Não se fosse dar o caso de se tratar de excepções “excepcionais” debrucei-me, depois, sobre os resultados, desse mesmo ano lectivo, de uma escola superior de tecnologia também do ensino politécnico. Os resultados foram ainda mais reveladores: dos 34 candidatos houve uma percentagem de 100% de aprovações, destacando-se nas classificações mais elevadas dois 19, quatro 18, seis 17, sendo a média geral dos candidatos de 15 valores.

Sem necessidade de mais comentários, porque, como diz o povo, pelo andar da carruagem se vê quem vai lá dentro, perante estas duas situações que não me atrevo, sequer, a adjectivar quando comparadas, por exemplo, com os exames do 12.º ano, só me resta evocar Albert Einstein:
“É fundamental que o estudante adquira uma compreensão e uma percepção nítida dos valores”.

Mas será possível “uma percepção nítida dos valores” com as “Provas Especialmente Destinadas a Avaliar a Capacidade de Frequência do Ensino Superior dos Maiores de 23 anos”? Mesmo com esta nova e extensa nomenclatura, como se fosse possível que mudando o nome às coisas elas mudassem também. Não mudam! Mesmo que a nudez do rei tenha a cobri-la uma cabeça coroada à medida das suas conveniências.

2 comentários:

Anónimo disse...

Isso chama-se Direito Positivo

Acusamos a classe política e a democracia pela degradação social e cultural em Portugal
http://algolminima.blogspot.pt/2015/06/acusamos-classe-politica-e-democracia.html

Rui Baptista disse...

Anónimo (24 de junho de 2015 às 10:25):

Obrigado pela seriedade do seu comentário.

Cumprimentos cordiais,

NO AUGE DA CRISE

Por A. Galopim de Carvalho Julgo ser evidente que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas...