Informação recebida do Rómulo:
Na 3ª feira, 24 de Março de 2015, pelas 18h, realiza-se no RÓMULO – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, localizado no piso térreo do Departamento de Física da FCTUC, a palestra intitulada “Plantas, mitos, fabulações e realidade”, com o Professor Jorge Paiva. Esta palestra insere-se no ciclo “À Luz da Ciência”, dinamizado pelo Bioquímico António Piedade, que decorre de Fevereiro a Junho de 2015.
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SOBRE A PALESTRA:
"Quando se formou a nossa espécie, praticamente, a
totalidade das outras espécies animais que hoje existem já habitavam o Globo
Terrestre. Por
isso, a espécie humana (Homo sapiens
L.) aprendeu muito com a Natureza e com os outros animais. Assim, copiamos os outros animais na alimentação e,
também, no uso de muitas das plantas medicinais que ainda hoje utilizamos. É
disso exemplo uma planta que em S. Tomé é designada por “aliba-cassô”, que quer
dizer planta do cão, pois é uma erva [Eleusine
indica (L.) Gaertn.] que os cães “mastigam” quando têm desarranjos
intestinais e, então, os santomenses, quando têm disenterias tratam-se com
infusões dessa planta. Claro que também aprendemos com os outros animais a utilização
das plantas tóxicas, como, por exemplo, a noz-vómica (Strychnos nux-vomica L.), cujas sementes contêm estricnina, sendo,
por isso, que os símios não comem o fruto desta espécie de Srychnos, mas sim os frutos das espécies de Strychnos que não têm estricnina. É um “fenómeno” idêntico ao que
acontece com os cogumelos.
Portanto,
a nossa espécie utiliza plantas praticamente desde que apareceu na Terra. Aliás,
os mais primitivos antepassados humanos eram herbívoros, depois colectores e caçadores
e, após a domesticação de animais e plantas, agricultores e pastores.
Além
das plantas comestíveis que sempre utilizámos, conhecem-se documentos sobre
plantas medicinais há mais de cinco mil anos, como são os documentados sistemas
médicos chineses e o “ayurvédico” indiano. Antes da fabricação dos medicamentos
pela indústria farmacêutica, que não tem mais do que século e meio, as
enfermidades eram tratadas directamente com “mesinhas” das plantas ou dos
animais. Foi, por isso, que a 5 de Outubro de 1773 o Marquês de Pombal escreveu
ao então Reitor da Universidade de Coimbra, rejeitando o grandioso plano para o
Jardim Botânico de Coimbra, que este lhe enviara, dizendo: “Debaixo d’estas regulares medidas deve, V.
Ex.ª fazer delinear outro plano, reduzido somente ao numero de hervas
medicinais que são indispensáveis para os exercícios botânicos, e necessarias
para se darem aos estudantes as instruções precisas para que não ignorem esta
parte da medicina.....”
O
tratado “De materia medica” (64 d.C.)
de Pediamos Dioscórides (40-90 d.C), célebre físico (cirurgião) grego, considerada
uma das obras mais antiga sobre plantas, onde se descrevem os atributos (cerca
de 1000) de cerca de 600 espécies de plantas, foi o “guia” da “medicina”
durante mais de 16 séculos, o que implicou um reduzidíssimo progresso da
fitoterapia, pois além de traduções (algumas com erros graves que se repetiram
durante séculos) para várias línguas, muitas publicações (mesmo actuais) sobre
plantas medicinais limitaram-se a “parafrasear” a obra de Dioscórides. Aliás, a
maioria dos nomes utilizados por Dioscórides tinham sido utilizados por
Hipócrates de Cos (ca. 460-
Camões
também conhecia não só as obras gregas, particularmente o tratado “De
materia medica”, como também os “Coloquios dos simples, e drogas he
cousas mediçinais da Índia…” (1563) de Garcia de Orta, por quem acalentava
uma afectuosa amizade e admiração, resultante
das relações pessoais que mantiveram na Índia, onde o poeta escreveu
praticamente todo o seu poema épico, Os
Lusíadas. Por isso, é n’Os
Lusíadas que o poeta mais plantas menciona (cerca de cinco dezenas), na
maioria asiáticas e aromáticas. Na lírica refere muito menos espécies de
plantas (cerca de três dezenas), maioritariamente, europeias e ornamentais,
pois a lírica foi, praticamente, escrita em Portugal e centrada no amor e
paixão.
As
plantas, pela sua relevância para a nossa espécie, também são referidas nas
obras sagradas das religiões, com, por exemplo, no Corão e na Bíblia. Muitas
dessas plantas referidas por poetas e nos textos sagrados, são difíceis de
identificar com exactidão, assim, das cerca de 160 plantas citadas na Bíblia,
apenas estão seguramente bem identificadas cerca de 100.
Portanto,
os atributos medicinais e comestíveis das plantas são conhecidos, estão
documentados e registados por escrito há muitos séculos. No Continente
Americano, os índios sempre utilizaram plantas medicinais e muito desse
conhecimento está bem documentado. Porém, sobre a prática medicinal popular
africana (particularmente da África Tropical) há não só exígua documentação e
registos escritos, como também muitíssimo menos estudos e análises científicas.
Por causa de muitos destes produtos poderem
provocar intoxicações ou até alucinações, é que existe aquilo a que os ingleses
designam por “folk medicine” (medicina folclórica), na qual o (a) curandeiro
(a) as utiliza a seu belo prazer, provocando alucinações ou intoxicações que,
depois, alterando o conteúdo da planta seca (sem que o enfermo dê por isso) e
elaborando exorcismo ou rezas, faz “desaparecer” o mal (intoxicação ou
alucinação propositadamente provocada).
Assim muitos “curandeiros” sem escrúpulos podem causar, impunemente, em vez de
curas, piores males ou, até, mortes.
Um exemplo de planta muito
utilizada nestas práticas (pó das sementes que têm elevado teor de produtos
atropínicos), particularmente para acabar com namoros “inconvenientes”, é a Datura stramonium L.
(figueira-do-inferno, erva-do-diabo, erva-das-bruxas, erva-dos-mágicos,
castanheiro-do-diabo), responsável, por vezes, pela morte de gado cavalar,
quando a planta está, inadvertidamente, incluída no seio dos fardos de palha.
Em muitos países, onde não há medicina forense ou é de fraca eficiência, muito curandeiro (a) provoca propositadamente, a morte do “paciente”, frequentemente com o conluio de familiares ou inimigos da vítima. Um exemplo dessas plantas são algumas das espécies do género Erythrophleum, com elevado teor de um alcalóide (eritrofleína) altamente tóxico, utilizadas para esse feito em África.
Além de tudo isso, devido à
enorme relevância das plantas na vida humana, existem muitos mitos, como, por
exemplo, a figueira-sagrada (Ficus religiosa), à sombra da qual o Príncipe Sidarta Gautama
(Buda) meditou durante 7 anos e fabulações como, por exemplo, a maçã que Eva
deu a Adão e plantas carnívoras que devoram símios e humanos."
Jorge Paiva
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